Fale com a gente

Geral Empreendedorismo

O rei do açaí

Fruta nativa da região Norte, amado por alguns sulistas, mas nem tão desejado por outros, o açaí tem conquistado cada dia mais paladares e também mercado

Publicado

em

Giuliano Quintino dos Santos, que administra a Fazenda Açaizal, referência em cultivo de açaí no Amazonas (Foto: Arquivo pessoal)

Dois mil e novecentos quilômetros separam o administrador de empresas Giuliano Quintino dos Santos, de 33 anos, de sua terra natal. A saudade da família e dos amigos que ficaram em Marechal Cândido Rondon, entretanto, tem um ótimo motivo: administrar a Fazenda Açaizal, em Humaitá, no interior do Amazonas.

Referência na produção da fruta nativa do Norte do país e com importante fator socioeconômico para a região amazônica, foi em 2008 que Santos transformou a realidade da fazenda após o falecimento de seu tio, que até então administrava as áreas da família. “Meu tio que convenceu a minha família a comprar uma área para iniciar o plantio do açaí na região ainda em 2007 e após o falecimento dele, como eu já conhecia a região e gostava, assumi a nossa propriedade e comecei a dar assistência para a área dele. Acreditava que poderíamos melhorar, então eu mudei algumas coisas, como o sistema de adubação, vi que precisava de um sistema de irrigação, fomos aperfeiçoando as propriedades e com essas mudanças já consegui triplicar a produção”, conta o administrador.

Região conhecida pelo trabalho dos garimpeiros que ficam às margens do Rio Madeira, da extração de madeira e por algumas fábricas de castanha, foi com o início do trabalho do rondonense em terras amazonenses que as portas para a produção do açaí em larga escala começaram a se abrir no Amazonas.

Por ser nativo no Norte, o açaí nasce em qualquer lugar. Além disso, destaca Santos, a região não tem tradição em agricultura. “Não era uma prioridade do município, então o governo foi contra. Não tivemos assistência de nenhum órgão ou técnicos que conheciam como cultivar a fruta desta forma”, diz. “Muitas pessoas davam risada, nos chamavam de ‘alemão louco’. Diziam que iríamos falir por plantar açaí no Amazonas, onde a fruta nasce no meio do mato”, complementa.

Dez anos depois, é na Fazenda Açaizal que órgãos como o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas (Idam) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) buscam informações sobre técnicas de plantio desenvolvidas no cultivo do açaí. “Todas as técnicas que aplicamos hoje fomos nós que desenvolvemos e o próprio Estado do Amazonas passou a liberar financiamento para que novos agricultores começassem a plantar açaí com base no sucesso que obtivemos. As pessoas estão bastante animadas com base no que fizemos aqui”, enfatiza.

Santos explica que a propriedade é uma referência para o Amazonas por ser pioneira na forma de conduzir o cultivo da fruta nativa: desde o plantio, a roçada, adubação, até a colheita e processamento. “Já realizamos um Dia de Campo que contou com mais de 200 produtores, por meio da Secretaria de Produção Rural do Amazonas (Sepror). Apesar da dificuldade que tivemos no início, hoje somos muito bem vistos em todo o Estado”, celebra.

 

A cada dia um novo avanço

Com as primeiras mudanças que fez na forma de tocar a fazenda, Santos explica que já conseguiu triplicar a produção, que até então era a mesma Pará, maior produtor nacional do açaí de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que colhe cerca de cinco toneladas por hectare. “A nossa maior produção até hoje foi de 20 toneladas por hectare, 20 vezes mais que o Pará colhe, mas trabalhamos com uma média de 15 toneladas por hectare colhidas”, expõe. “Em termos de área plantada há fazendas maiores, porém em produtividade desconheço quem chegou as 20 toneladas por hectare”, reforça.

A safra do açaizeiro Euterpe precatória, espécie nativa do Amazonas, informa Santos, vai de janeiro a julho. Entretanto, na Fazenda Açaizal, ele implantou uma genética vinda do Pará, que é nativa do Estado campeão na produção de açaí, o Euterpe oleracea. “Esta espécie começa a produzir na entressafra, começando em agosto e indo até janeiro. O açaí nativo do Amazonas demora oito anos para começar a produzir enquanto que o do Pará no quarto ano já começa a produção e este era um dos fatores que muitas pessoas não tinham se atentado”, assinala.

Diferente do açaí nativo da Amazônia, expõe, o Euterpe oleracea perfilha, não cresce muito alto e o suco é mais gorduroso e menos ácido que o Euterpe precatória. “Como aqui o consumo é muito alto, temos maquinetas e despolpadeiras para o consumo da população, então na safra o valor da lata de quatro quilos varia de R$ 20 a R$ 21, cerca de R$ 1,50 o quilo. Já na entressafra, com esse açaí do Pará, eu vendo essa lata de 14 quilos por R$ 32 a R$ 35”, menciona.

 

Expansão

Por um bom tempo, Santos comenta que a produção atendeu apenas a região do Amazonas. Entretanto, com o aumento da área plantada na fazenda, que hoje alcança os 65 hectares, era necessário expandir a venda do açaí produzido por meio da industrialização. “Montei a parceria com um empresário que tinha uma indústria desativada e reativamos essa agroindústria de acordo com os padrões exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) há cerca de três anos”, relembra.

A produção varia conforme a safra. Em época de safra, contando com a produção de outras fazendas não só do Amazonas, mas também do Pará e até mesmo do Acre, a indústria chega a processar até 120 toneladas ao mês. “Na época que estou colhendo somente o meu açaí, que é na entressafra, são de 30 a 60 toneladas”, estima o administrador.

O produto, que sai da fábrica em embalagens de um e cinco quilos, viaja o Brasil e também já atravessou as fronteiras: além de Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, 120 toneladas da produção de Santos foram vendidas a uma multinacional que enviou o produto aos Estados Unidos.

Na fazenda do rondonense, a cadeia é praticamente completa: no local é feita a seleção de matrizes, coleta de grãos, germinação das sementes e mudas. “A colheita é ainda de forma artesanal. Eles sobem com uma peçonha para colher, apesar de termos um equipamento que foi desenvolvido por uma empresa de Marechal Rondon. A maioria ainda é colhido artesanalmente”, detalha.

Mesmo afirmando que há dificuldade em encontrar mão de obra para trabalhar na atividade da fazenda, a expectativa do rondonense morador do Amazonas é de, em até dois anos, chegar aos 100 hectares de área plantada com açaizeiros.

 

Como o rondonense gosta

Após três anos comandando um food truck da iguaria nortista (mas do jeito que os sulistas gostam), o empresário rondonense Fábio Finkler investiu em um novo nicho de mercado no município: uma açaiteria.

Ele já trabalhava com a marca da mesma franquia a qual atua hoje de forma itinerante, em festas de municípios, calendários de eventos específicos e até mesmo no litoral de Santa Catarina. “Eram locais com aglomeração maior de pessoas, o que gerava resultados econômicos muito bons. Sempre havia aquele querendo experimentar e que acabava gostando e quem já gostava e queria mais, então era uma ótima oportunidade de negócio. Mas meu sonho sempre foi ter meu ponto fixo”, afirma.

No início de dezembro do ano passado, Finkler teve a oportunidade para abrir seu negócio em Marechal Rondon, mas continua com o food truck, ainda que em menor intensidade devido à dedicação extra à açaiteria. “Ter a loja permite que muitas pessoas que já conheciam meu produto e gostavam agora me encontrem sempre. Este era um dos problemas que eu percebia quando estava fora: quem queria meu produto, tinha dificuldade em me encontrar, então preenchi esse filão de mercado com o ponto fixo”, diz.

Por já conhecer o mercado local e regional, o empresário explica que a aceitação do produto é boa, porém, não da forma como o açaí é conhecido no Norte do país. “Tenho a polpa pura, para quem não quer com adição de açúcar, mas o produto principal é o açaí misturado com xarope de guaraná, que já é um pouco mais adocicado e aceito aqui na região Sul. Aqui ele também pode ser montado de acordo com o gosto do cliente, com mais de 30 opções de adicionais”, explica, ressaltando que o açaí também possui diversos benefícios por ser uma forma mais saudável de consumir um gelado comestível.

“Como já conhecia o mercado por ter trabalho nesses três anos com o food truck, tive a certeza que daria certo, especialmente por utilizar produtos de qualidade. Foi mais uma oportunidade de mercado que está sendo um sucesso”, completa Finkler.

Empresário Fábio Finkler trabalhou por três anos com um food truck de açaí e, no ano passado, inaugurou uma açaiteria em Marechal Rondon (Foto: Mirely Weirich/OP)

Copyright © 2017 O Presente