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Proposta da Câmara beneficiaria aposentados, mas causaria rombo na Previdência

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Ricardo Duarte/Agência RBS João Orlando teria acréscimo de 175% na renda mensal com a emenda aprovada

A discussão sobre vincular todos os benefícios da Previdência Social à política de valorização do salário mínimo não é nova. Mas ganhou força – bem como defensores e críticos – após ser aprovada na última quarta-feira (24) na Câmara dos Deputados.

Se por um lado a nova fórmula de reajuste incrementaria o bolso de aposentados com um aumento real, por outro, uma indexação desse tipo poderia significar um rombo nas contas do sistema previdenciário.

Entenda o que muda caso a proposta seja aprovada pelo Senado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff, e conheça os impactos que ela poderá causar nas finanças públicas e na vida de aposentados e pensionistas.

Emenda

O Executivo enviou uma medida provisória para prorrogar as regras de reajuste do salário mínimo até 2019. O objetivo é fazer com que, até lá, o mínimo siga sendo corrigido como é hoje: de acordo com a variação da inflação dos últimos 12 meses e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Este texto foi aprovado na última quarta-feira pelos deputados federais. No entanto, uma emenda a ele, considerada desastrosa pelo Palácio do Planalto, também foi aprovada na Câmara. Ela sugere que a mesma política de valorização do salário mínimo seja aplicada para todos os benefícios da Previdência Social.

Essa medida não mudaria nada na vida de pensionistas que recebem um salário mínimo, pois eles já têm seus benefícios reajustados com base nessa fórmula. No entanto, aqueles que recebem mais de um mínimo teriam um ganho real, uma vez que além da correção do benefício pela inflação, teriam também um reajuste com base no crescimento do PIB.

“Em outras palavras: trabalhadores que há cinco anos se aposentaram com três salários mínimos, por exemplo, hoje não ganham mais isso, recebem em torno de dois. Se a regra for alterada, eles poderão continuar recebendo, com o passar dos anos, os mesmo três mínimos, com os devidos reajustes”, explica o atuário Luiz Alberto Macalão.

“Se aprovada a nova regra, o aposentado vai conseguir manter seu benefício com a mesma distância do salário mínimo. Se antes ele ganhava 20% acima do salário mínimo, ele continuará ganhando essa porcentagem acima”, complementa Fernando Machado, advogado da Associação Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (Anapps).

Se João Orlando Fagundes, 61 anos, ganhasse quatro salários mínimos – assim como quando se aposentou, em novembro de 2005 – muito provavelmente ele pudesse levar uma vida próxima àquela que tinha, há 10 anos, quando deixou de ser motorista de ônibus em Porto Alegre. Com uma grande diferença: o tempo livre.

Assim, ele continuaria viajando com a esposa mensalmente até Jaguarão para pequenas compras, não deixaria de visitar os familiares que moram no Interior pelo menos duas vezes ao ano, e seguiria aproveitando 20 dias na praia, verão após verão. Se hoje não pode manter a rotina que desejava, é porque o dinheiro não deixa.

A conta que não fecha mais para Fagundes é um pouco complicada: quando se aposentou, ele recebia R$ 1.202. Uma década depois, com reajuste, ele recebe o benefício de R$ 2.073, aumento de 72% nos valores. Mas, se pensarmos em termos de salário mínimo, o resultado fica bem diferente: Fagundes ganha, na verdade, um salário mínimo e meio a menos do que quando se aposentou. Se continuasse ganhando os quatro salários, como prevê a emenda, sua aposentadoria seria de R$ 3.643, R$ 1.570 a mais do que ganha (um acréscimo de 175% na renda mensal).

“Na vida real o que acontece é que as contas nunca fecham no fim do mês. Neste, pago uma pendência que ficou de maio. No próximo, pago conta que ficou para trás em junho. E assim vai. No fim das contas, a gente ganha muito tempo, mas não consegue fazer nada do que imaginamos estar fazendo nessa fase da vida”, resume Fagundes.

Para Sérgio Antônio Vieira, secretário-geral da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul (Fetapergs), o impacto da emenda, se aprovada, só será sentido por pensionistas e aposentados daqui a dois anos. Isso porque a correção depende do crescimento do PIB de dois anos anteriores. Em 2014, o crescimento foi zero, e a previsão para 2015 é a mesma.

Mas existem outros valores a serem comemorados: não deixaria de ser uma conquista enquanto voto, enquanto lei. É o caminho para um futuro promissor para os aposentados, ainda que os resultados venham repercutir nos benefícios somente a partir de 2017.

Rombo

No início deste ano, a Câmara chegou a aprovar o texto-base de um projeto de lei que alongava a atualização do mínimo até 2019, mas o governo firmou um acordo com o presidente da Casa para retirá-lo de pauta. O Planalto temia que uma emenda, justamente como essa, estendendo a regra para as aposentadorias, fosse aprovada.

Isso porque, conforme cálculos do Ministério da Previdência Social, o impacto a médio prazo do reajuste nos benefícios previdenciários acima do salário mínimo poderia chegar a R$ 8,1 bilhões por ano.

Os técnicos do ministério chegaram a esse valor a partir de uma simulação, tomando por base os dados até 2015, considerando que a regra fosse utilizada desde 2007. Ao longo dos últimos nove anos, segundo a simulação, a adoção da regra teria elevado o patamar da despesa em R$ 73,2 bilhões somente em 2015.

Segundo o advogado Alexandre Schumacher Triches, presidente da Comissão Especial de Previdência Social da OAB-RS, o cálculo do governo federal mostra que a mudança na aposentadoria é inviável para as contas públicas.

“Se o governo fornecer para os aposentados o mesmo valor que dá de reajuste ao salário mínimo, ou terá que parar de aumentar o salário mínimo na mesma proporção que vinha fazendo, ou vai quebrar a Previdência”, aponta o especialista.

Além disso, Triches avalia que, como o impacto da vinculação do reajuste dos benefícios acima do piso previdenciário ao salário mínimo irá depender do ritmo de crescimento real do PIB, pois a regra de reajuste prevê correção pela inflação, medida pelo INPC, mais um ganho real equivalente ao crescimento de dois anos anteriores, em um período de forte aumento do PIB, tende a ser “exponencial” e “insustentável” economicamente para o país.

Analista em finanças públicas, Fábio Klein concorda que a medida implicaria diretamente na oneração das contas da Previdência, gerando um potencial déficit fiscal. Apesar de ser uma medida de elevado apoio popular, o especialista considera a emenda uma triste demonstração de “irresponsabilidade fiscal”.

“O Brasil tem que ter propostas que melhorem o resultado da Previdência e diminuam o déficit. Não adianta apenas pensar no lado populista de agradar aposentados. É preciso pensar nas futuras gerações, em como garantir que consigam pagar a conta da aposentadoria, desfrutando deste mesmo benefício”, afirma Klein.

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