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Geral Apoio aos ucranianos

Rondonense que mora na Polônia fala sobre particularidades da guerra e da solidariedade prestada aos refugiados

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Rondonense Tatiani Cattini: "Tenho uma sensação, não digo assustadora, mas muito diferente por estar em um país que está ao lado da guerra. É tudo muito triste. Dá vontade de chorar (Foto: Arquivo pessoal)

Desde o começo da invasão russa à Ucrânia, há quase dez dias, a Polônia tem sido o país que mais recebeu refugiados. Cerca de 670 mil pessoas já entraram no território polonês fugindo da guerra. Por dia, são em torno de 100 mil.

Um tanto distante do conflito, mas, ao mesmo tempo, perto, a rondonense Tatiani Cattini, que mora em Szczecin, Capital do Estado da Pomerânia, que fica na região Oeste da Polônia, a 872 quilômetros da fronteira com a Ucrânia e na divisa com a Alemanha, conta à reportagem de O Presente sobre a tensão vivida por lá.

Apesar de a Polônia não estar envolvida no conflito, o país faz fronteira com Ucrânia e Rússia e está acompanhando de perto as consequências dos ataques russos, estendendo os braços aos refugiados ucranianos. “Estamos do outro lado, longe, mas, ao mesmo tempo, sentindo muito de perto os reflexos dessa guerra”, ressalta a rondonense.

Segundo ela, o povo e o governo polonês estão muito solidários à situação vivida pela Ucrânia. “Como é bonito ver todas as pessoas querendo ajudar e sofrendo junto com essa situação lamentável”, evidencia. “Eu e meu marido, particularmente, queremos disponibilizar a nossa casa para alguma mulher com neném que não tenha onde ficar. Queremos ajudar”, declarou.

Tatiani mora em Szczecin há um ano e sete meses. Ela é casada com o engenheiro de energia renovável Norbert lesniewicz, com quem tem uma filha, Angelina, de três meses. Ao lado do marido, ela fala sobre a receptividade aos refugiados por parte dos poloneses e sobre as particularidades de lá, nesse momento de dificuldades que o mundo todo acompanha desde o dia 24 de fevereiro.

“Eu não estou com medo, porque a Polônia faz parte da União Europeia, faz parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e, então, ao menos por enquanto está protegida. Mas tenho uma sensação, não digo assustadora, muito diferente por estar em um país que está ao lado da guerra. É tudo muito triste. Dá vontade de chorar. Não entendo como um homem é capaz de fazer isso. Na verdade ele não é um homem, ele é um monstro”, destacou ao O Presente.

 

Confira os relatos na íntegra:

PERCEPÇÕES SOBRE UCRÂNIA E RÚSSIA

Tatiani Cattini: Eu não cheguei a conhecer a Rússia e a Ucrânia. São países que ainda quero visitar. Meu marido já foi para a Rússia e para a Bielorrússia.

Norbert lesniewicz: Conheci a Bielorrússia e conheci a Rússia. Por ser polonês, a experiência e o sentimento que tive ao estar nesses países são semelhantes aos de estar na Polônia. São povos eslavos, povos irmãos. O que é perceptível, claro que depende da cidade ou vila, é que de uma forma geral eles são mais ou menos uns 20 anos atrasados. A Ucrânia e a Bielorrússia são países mais pobres considerando a Europa inteira. O poder de compra deles está bem fraco. O câmbio da Ucrânia, antes da guerra começar, em comparação com o polonês, por exemplo, era de um zloty (unidade monetária da Polônia) para sete hryvni (unidade monetária da Ucrânia). O zloty vale mais ou menos R$ 1,50, comparando com a moeda brasileira.

Há anos a Rússia é para ser um país democrático, mas ao visitá-la pude ver que ainda há muitos símbolos, esculturas e monumentos da União Soviética que não foram retirados. Confesso que fiquei surpreso. Há muitos elementos e lembranças de quando a Rússia era uma potência mundial. E há uma parte do povo russo que gosta disso.

Tatiani Cattini: Lá as pessoas não podem ir contra o governo. É um país democrático, mas você não pode fazer nada, nenhuma movimentação, nenhum protesto.

Norbert lesniewicz: Os partidos que estão na oposição a Vladimir Putin sofrem. Anos atrás, por exemplo, tinha um cara que queria ser candidato a presidente e ele desapareceu, foi morto. Então, fala-se de um país democrático, mas que na prática não é. O Putin tem poder e polícia secreta, que fica controlando e colocando na cadeia todas as pessoas que são contra ele e seu governo.

Tatiani Cattini: Nós fazemos parte de um grupo chamado “Food not bombs” (comida não bombas). É um grupo de coletivos independentes que servem comida grátis a pessoas que precisam, que estão na rua.

Norbert lesniewicz: Eu recebi um vídeo de um amigo mostrando que um grupo do “Food not bombs” de Moscou (capital da Rússia) fez um pequeno protesto contra a guerra e não demorou nem três minutos e os participantes foram pegos pelos policiais, que colocaram todos eles na cadeia. Felizmente, na Polônia nós temos liberdade de fazer demonstrações, de demonstrar nossas ideias. Na Rússia a sociedade não tem liberdade.

 

UCRANIANOS NA POLÔNIA

Tatiani Cattini: Antes da guerra, a Polônia já tinha um número bem grande de ucranianos residindo por aqui, trabalhando por condições de vida melhor. Agora, com esse conflito, dos países que fazem divisa com a Ucrânia, a Polônia é o que mais está recebendo refugiados. Já são aproximadamente 670 mil refugiados e chegam em torno de 100 mil por dia. Até mesmo em Szczecin, cidade onde moramos, que é do outro lado da fronteira, já há bastante refugiados. Muitos têm família aqui. Inclusive no domingo (27) nós tivemos um protesto solidário à Ucrânia aqui na cidade e falaram que quatro mulheres com nenéns de colo vieram de lá. Chegaram no sábado (26) à noite por aqui e não tinham amigos ou famílias. Elas precisavam de ajuda e deu tudo certo. Os moradores deram comida e apoio.

 

CHEGADA DE REFUGIADOS

Norbert lesniewicz: O fluxo de refugiados em Szczecin começou no sábado de manhã (dia 26). Pessoas que pertencem a organizações, como a que eu participo, se prepararam para esperá-los. Organizamos um ponto com uma mesinha com café, chá, sanduíches, pão, sonhos para distribuir aos que chegassem.

No primeiro trem não chegaram muitas pessoas. Eram cidadãos que tinham amigos ou membros da família morando e trabalhando por aqui. Imaginamos que aos poucos mais pessoas irão chegar.

 

PONTOS DE APOIO

Tatiani Cattini: Szczecin tem um posto de ajuda para essas pessoas, onde há comida, roupa de cama. Os moradores estão se solidarizando e oferecendo suas casas como abrigo e o governo também está disponibilizando lugares para aqueles que não têm onde ficar. Nós, particularmente, queremos disponibilizar a nossa casa para alguma mulher com neném que não tenha onde ficar. Queremos ajudar. Então, de uma forma geral, o povo polonês, o governo polonês, todos estão se solidarizando com essa situação da Ucrânia.

 

ACESSO FACILITADO

Norbert lesniewicz: O governo está facilitando muitas coisas, como a papelada exigida na fronteira para entrar na Polônia. Deixou aberto acesso para cidadãos ucranianos no sistema de saúde da Polônia. Eles também têm acesso a testes e vacinas contra o coronavírus de graça, além de outras vacinas obrigatórias para crianças, que, agora, longe do seu país, terão como tomar as doses necessárias, dando sequência normalmente ao calendário de vacinação.

 

SOLIDARIEDADE

Tatiani Cattini: Toda a Polônia está muito solidária com os ucranianos. Em quase todas as cidades há pontos de ajuda. Até mesmo no domingo, quando teve essa demonstração solidária aqui, nós pensamos, vamos ir, mas não deve ter muitas pessoas. Quando chegamos lá nos surpreendemos, pois tinha muita, muita, muita gente. Eu até fiquei emocionada, tive vontade de chorar. Como é bonito ver todas as pessoas querendo ajudar e sofrendo junto com essa situação lamentável.

Nesse protesto havia muitos poloneses, mas também muitos ucranianos, bielorrussos, georgianos, entre outros.

Rondonense Tatiani Cattini: “Como é bonito ver todas as pessoas querendo ajudar e sofrendo junto com essa situação lamentável” (Foto: Arquivo pessoal)

 

Norbert lesniewicz: Há cidadãos poloneses que querem se inscrever para o Exército ucraniano. Estão entregando papelada na Embaixada da Ucrânia na Polônia porque querem ir para ajudar o Exército ucraniano a lutar. É super bom ver os poloneses, desde o presidente (Duda Andrzej) até os cidadãos comuns, todos ajudando, se solidarizando com o povo ucraniano.

Sendo polonês, eu não acho que é só simpatia com o povo da Ucrânia. É também antipatia com a Rússia. Há um pouco de resquícios do passado, quando a Polônia esteve sob o controle da Rússia, além da Segunda Guerra Mundial, quando a Rússia atacou a Polônia. Então, por tudo isso, sempre há nos poloneses uma certa antipatia com a Rússia. E agora, com essa situação toda, há uma disposição grande, uma facilidade enorme em mostrar solidariedade ao povo ucraniano. É uma oportunidade de mostrar uma postura contra a Rússia. Há muitos que gostam dessa ideia de mostrar que estamos contra a Rússia.

 

SITUAÇÃO DE AMIGOS E CONHECIDOS

Tatiani Cattini: Temos conhecidos e conhecidos de conhecidos que são ucranianos, mas trabalham aqui. Eles estão apavorados, desesperados, porque têm filhos, netos e parentes lá. Muitos que terão que defender o seu país. Lutar. Todos estão em pânico. Há muita preocupação. Outros estão buscando meios de fugir do seu país, fugir da sua casa e deixar tudo para trás para ir para um lugar desconhecido. É terrível.

Há relatos destes conhecidos sobre seus familiares que moram em cidades onde estão ocorrendo muitos conflitos, que eles estão escondidos nos porões das casas para se proteger. Eles escutam os soldados russos invadir as casas para pegar comida.

Alguns ucranianos que moram em Szczecin foram chamados para o Exército e tiveram que voltar para a Ucrânia, defender o seu país, deixando seus filhos aqui. São famílias que de uma hora para outra tiveram que se separar. Com todo esse perigo dos bombardeios, de vidas sendo perdidas, não há como não se preocupar.

Muitos ucranianos trabalham na Polônia por condições de vida melhor, por melhores salários. A aposentadoria na Ucrânia é muito baixa. É uma média de R$ 339, comparando com a moeda brasileira. Então, muitos trabalham aqui e enviam dinheiro para lá, para os filhos, por exemplo, terem condições melhores de vida.

 

FAMÍLIAS SEPARADAS

Norbert lesniewicz: Do lado ucraniano, na fronteira com a Polônia, há muitas pessoas que querem sair e têm que esperar dois dias na fila para poder entrar no território polonês. Muitas não podem sair de lá porque têm doentes na família, acamados, necessitando de remédio ou são muito idosos e não podem viajar. Muitos ucranianos chegam com o carro na fronteira, nessa fila, e deixam suas crianças com amigos ou vizinhos para levá-las junto com eles para a Polônia em busca de um lugar seguro. É triste imaginar essas crianças saindo do seu país com amigos ou vizinhos, deixando seus pais para trás. É assustador tanto para os pais quanto para os filhos.

 

A RÚSSIA VAI CONSEGUIR TOMAR A UCRÂNIA?

Tatiani Cattini: Nós pensamos que a Rússia não vai conseguir tomar, pelo menos agora, toda a Ucrânia, mas essa região que faz divisa com a Ucrânia pensamos que sim. Até nos dois Estados que fazem divisa com a Rússia esses refugiados ucranianos estão fugindo para a Rússia. Eles se sentem russos. Até o idioma falado lá é o russo.

Norbert lesniewicz: Historicamente foi assim, há regiões na Ucrânia onde há minoria russa. E essas pessoas que se sentem russas estavam morando na Ucrânia, mas agora, nos últimos anos, viraram separatistas. Então lá tem milícias que lutam com a Ucrânia e há outras pessoas que na verdade querem fazer parte de Rússia.

Tatiani Cattini: Como a Rússia controla a internet e o que passa na TV, o governo mente para a população e faz ela acreditar que a Rússia não quer prejudicar a Ucrânia, que quer ajudar a Ucrânia e que é a Ucrânia que está se opondo a tudo isso.

Norbert lesniewicz: Parece que a Rússia quer a Ucrânia inteira, mas é muito provável que não vão conseguir a Ucrânia inteira. O povo ucraniano está super corajoso e está a lutando super bem contra o Exército russo. O presidente (Volodymyr Zelensky) está lá protegendo o seu povo. Apesar de tudo isso, Putin vai querer grande parte da Ucrânia e ele não vai desistir disso.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A GUERRA

Tatiani Cattini: Eu não estou com medo, porque a Polônia faz parte da União Europeia, faz parte da Otan e, então, ao menos por enquanto está protegida. Tenho uma sensação, não digo assustadora, mas muito diferente por estar em um país que está ao lado da guerra.

Eu nasci em Marechal Cândido Rondon, vivi grande parte da minha vida em uma cidade pequena e o Brasil em si já passou por um regime militar. Eu não presenciei nada de guerra, nada de aterrorizante. Estar no continente europeu agora, que já foi palco de muitas guerras, onde teve o Holocausto, e ver tudo o que a Ucrânia está passando, é muito triste. Dá vontade de chorar. Aonde vai parar a humanidade? Eu não entendo como um homem é capaz de fazer isso. Na verdade ele não é um homem, ele é um monstro.

Ver essa guerra agora, ainda mais depois de tudo o que o mundo passou por causa do coronavírus, sendo que as pessoas deveriam ser melhores, tentar ser melhores, tem um que faz uma coisa dessas.

Tem a situação na Síria, no Líbano, em Israel. É muita coisa ruim acontecendo. Ver o quanto as pessoas estão sofrendo é assustador. Vou seguir pedindo a Deus para que tudo isso chegue ao fim, para que nenhuma morte mais aconteça e que as famílias fiquem bem; que esse homem coloque a mão na consciência e pare com isso porque guerra nunca é o caminho.

O importante é que os poloneses estão demostrando solidariedade ao povo ucraniano e isso, para nós, é incrível. É lindo ver o tamanho dessa solidariedade. Todas as pessoas deveriam ser boas umas com as outras, assim o mundo seria muito melhor, sem guerra, sem conflitos, sem armas, sem ódio. Mas acho que vai levar muito tempo ainda para as pessoas aprenderem isso.

Norbert lesniewicz: Nós achamos maravilhoso que a Polônia está ajudando os ucranianos e achamos um pouco triste que toda a Europa não está ajudando mais. É uma situação complicada. Na verdade, se Europa e Estados Unidos mandassem Exércitos para lá, acabariam desencadeando uma guerra mundial, e isso ninguém quer.

É muito importante mostrar solidariedade e ajudar o povo ucraniano, mas isso não é para ser um favor ao povo ucraniano, porque eu não acredito que temos povos perfeitos nesse mundo e não existe um povo melhor que o outro. Mas nós sempre estamos e vamos estar a favor de um povo ou de pessoas que não fizeram nada errado e foram atacados por outros mais fortes e estão sofrendo.

Nós somos contra a guerra, nós somos a favor da paz. Agora que a Ucrânia foi atacada, nós estamos ao lado da Ucrânia. Não é uma questão de ser a favor da Ucrânia, mas, sim, de ser a favor desse povo, que foi atacado e está sofrendo.

 

Norbert lesniewicz e a rondonense Tatiani Cattini moram em Szczecin, Capital do Estado da Pomerânia, que fica na região Oeste da Polônia (Foto: Arquivo pessoal)

 

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