Fale com a gente

Marechal Atividades rurais

Crise hídrica faz aumentar pedidos de liberações para captar água do Lago de Itaipu em Marechal Rondon

Publicado

em

(Foto: Divulgação)

Ao mesmo tempo que o consumo de água vem aumentando em todo o mundo, tanto pelo crescimento demográfico quanto pela elevação das práticas econômicas, os longos períodos de estiagem, cada vez mais comuns estão forçando a busca por alternativas para suprir a expressiva demanda hídrica nas atividades agropecuárias.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a maior parte dos recursos hídricos é consumida pelas atividades rurais, seguidas pela indústria, comércio e uso residencial.
No Brasil, a agropecuária responde por 72% de toda a água consumida no país.

Indispensável para a produção de alimentos, esse recurso se torna cada vez mais escasso, ao passo que a produção agropecuária cresce constantemente. O resultado é que a conta não fecha.

Uma das alternativas encontradas na região Oeste do Paraná para minimizar a escassez hídrica enfrentada por produtores rurais é a captação de água do Lago de Itaipu.

Mas, apesar da urgência em virtude da crise hídrica causada pela longa estiagem, o processo legal para conseguir as liberações para irrigação geralmente é moroso, e depende de quatro liberações junto a órgãos federais e estaduais.
Na semana passada, representantes da Itaipu Binacional estiveram reunidos, na Prefeitura de Marechal Cândido Rondon, com integrantes do Conselho Municipal de Desenvolvimento Agropecuário para tratar sobre a viabilidade de implantação de sistemas de captação hídrica destinada a agropecuaristas rondonenses.

Na ocasião, o responsável pela Gestão de Usos Múltiplos da Faixa de Proteção do reservatório de Itaipu, Lucas Garcia, frisou que a Itaipu é gestora da faixa de proteção da margem que se estende entre Foz do Iguaçu e Guaíra, enquanto a gestão do reservatório é atribuição da União. “A Itaipu permite atravessar a margem com tubulação para chegar até a água, no entanto quem outorga ou não o uso da água é a Agência Nacional de Águas (ANA)”, menciona.

Para utilizar a água do Lago de Itaipu para fins de irrigação, inicialmente o proprietário rural precisa que o projeto seja autorizado pela Agência Nacional de Águas, para depois a Itaipu liberar a instalação da tubulação. “Atualmente há captações nesses moldes nos municípios de Guaíra, Itaipulândia, Pato Bragado, Santa Helena e Santa Terezinha de Itaipu”, expôs.


Responsável pela Gestão de Usos Múltiplos da Faixa de Proteção do reservatório de Itaipu, Lucas Garcia: “A Itaipu emite a autorização para instalação do sistema de captação de água através da faixa de proteção, mas quem define o tipo de licença é o órgão ambiental” (Foto: Divulgação)

 

SOLICITAÇÃO DE USO

O primeiro passo para conseguir as liberações é solicitar à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico a outorga de uso de água. O pedido pode ser feito no site https://www.gov.br/ana/pt-br.

O técnico da Itaipu informa que após conseguir a outorga, o produtor precisa entrar em contato com o Departamento de Gestão de Usos Múltiplos da usina para conseguir autorização para instalar o sistema de captação de água através da faixa de proteção. “Temos dois escritórios em que os produtores podem fazer a solicitação: um em Guaíra e outro em Santa Helena”, comenta Garcia.

O pedido deve ser feito por meio de ofício informando a respeito da necessidade da captação. É preciso anexar também um projeto do sistema de captação e comprovação de posse da área lindeira onde será utilizada a água. No projeto precisa conter a capacidade, dimensionamento e localização da bomba, dimensão do abrigo de máquinas (se houver na faixa de proteção), o volume a ser captado e informações sobre a tubulação superficial ou subterrânea com diâmetro e material que será utilizado.

 

ANUÊNCIA PRÉVIA

Depois da análise da documentação, e eventual aprovação, a Itaipu fornece a anuência prévia para o interessado obter o devido licenciamento junto ao Instituto Água e Terra (IAT). Caso haja necessidade de supressão florestal, será exigida a Autorização para Supressão emitida pelo IAT.

 

LICENCIAMENTO PARA IRRIGAÇÃO

O tipo de licenciamento para irrigação será definido pelo IAT e varia de acordo com o tamanho da área e do método de irrigação que será usado.

Garcia explica que por se tratar de uma área de preservação permanente (APP), o projeto precisa ser apresentado ao órgão ambiental. “O produtor apresenta o projeto, o que pode ser feito pela internet, e o órgão é quem dispensará ele de providenciar o licenciamento, dependendo do empreendimento”, ressalta.

Para áreas inferiores a 50 hectares é dispensada a necessidade de licenciamento, independente do modelo de irrigação empregado.

Já para áreas com até 100 hectares o produtor precisará de uma licença ambiental simplificada (LAS) quando a irrigação for no modelo de superfície.

 

PERMISSÃO DE USO

De posse do licenciamento, o interessado encaminha para a Itaipu, que irá anexar o documento ao processo e elaborará uma permissão de uso com validade por até dez anos.

Na prática a Itaipu “empresta” um trecho da faixa de proteção para o agricultor instalar e operar o sistema de irrigação, no entanto, a área cedida deve ser utilizada somente para esse fim, sendo vedado qualquer outro uso.

O documento precisa ser assinado pelo diretor brasileiro da Itaipu, pelo diretor paraguaio e pelo solicitante.

O sistema de captação para irrigação só poderá ser instalado após a assinatura deste contrato e a Itaipu e demais órgãos governamentais têm livre acesso para fiscalização.

A reportagem do O Presente apurou que há produtores rurais da região que estariam retirando água do Lago de Itaipu sem antes receber todas as autorizações legais para operar de tal forma.

 

SOLICITAÇÕES

Segundo o secretário de Agricultura e Política Ambiental de Marechal Rondon, Adriano Backes, que também preside o Conselho Municipal de Desenvolvimento Agropecuário, atualmente existem dois produtores rurais do município que aguardam as liberações dos órgãos responsáveis. “Temos uma vasta área que se estende do distrito de Três Irmãs até Iguiporã, onde esse recurso pode ser melhor explorado”, expõe.

Segundo ele, a crise hídrica causada pelo longo período de estiagem fez aumentar o número de pessoas interessadas na captação de água do Lago de Itaipu. “Percebemos uma maior procura por informações a respeito do assunto por conta da falta de água nas propriedades rurais do município”, relata.

Para Backes, a possibilidade de extrair água do Lago de Itaipu é uma oportunidade para os produtores que possuem propriedades rurais ribeirarinhas e que sofrem com a escassez hídrica. “Os produtores rurais rondonenses que tiverem interesse podem fazer o encaminhamento legal para conseguir as liberações junto aos órgãos responsáveis”, pontua.

Os agricultores interessados podem buscar orientação no Sindicato Rural, no Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR) e/ou na Secretaria Municipal de Agricultura e Política Ambiental.

 


Secretário de Agricultura e Política Ambiental de Marechal Rondon, Adriano Backes: “O que nos deixa feliz é saber que temos uma saída, pouco explorada até agora, mas que pode ajudar muitos produtores rondonenses” (Foto: Arquivo/OP)

 

CRESCIMENTO DE 100%

De acordo com o engenheiro agrônomo Jullian Luís Stülp, que realiza projetos e encaminhamentos de empreendimentos de captação de água para atividades rurais em toda a região, no último ano as solicitações de outorga de água do Lago de Itaipu cresceram cerca de 100%. “Sempre que passamos por períodos de estiagem aumenta a demanda”, expõe.

Conforme Stülp, para conseguir captar água do reservatório de Itaipu o produtor precisa de quatro liberações distintas para a mesma finalidade, o que, segundo ele, causa morosidade ao processo. “Sempre deixo os produtores bem cientes de que o tempo médio de espera é de no mínimo um ano”, observa.

Para o agrônomo, a demora pode estar associada ao baixo efetivo de fiscais atuando nos órgãos responsáveis pela legalização dos processos ambientais para captação de água. “Acredito que diante de uma escassez de pessoal, os processos poderiam ser melhor unificados para dar mais agilidade”, sugere.

O profissional observa a necessidade de rever as adequações técnicas para não inviabilizar as emissões de outorga da água, o que, para ele, facilitaria as liberações. “Invés de produtor solicitar, por exemplo, 100 metros cúbicos, solicite 40 metros cúbicos e faz sazonalidade de irrigação. Irrigar só quando realmente precisa, com uma vazão menor, retirando menos água”, orienta.


Engenheiro agrônomo Jullian Luís Stülp: “Não faz sentido termos uma grande reserva hídrica como o Lago de Itaipu e continuarmos perdendo safras por falta de água” (Foto: Divulgação)

 

Morosidade atrapalha

Um dos agricultores rondonenses que espera as liberações junto aos órgãos competentes é Alceu Mielke, morador do distrito de Iguiporã.

Ele pretende captar água de um afluente ao Lago de Itaipu. As liberações, neste caso, competem ao IAT e não à ANA, que é responsável pela outorga em águas de domínio da União. “A parte da Itaipu já saiu, mas ainda estamos esperando a outorga do Estado e a liberação florestal”, comenta.

O objetivo, segundo Mielke, é utilizar a água em períodos de estiagem para abastecer dois açudes que juntos somam 10 metros quadrados. De acordo com ele, o pedido foi feito em maio de 2020 e o produtor ainda aguarda a liberação ambiental do órgão estadual. “Se nós, produtores de alimento do Brasil, demorássemos tanto tempo para produzir comida quanto os órgãos responsáveis levam para liberar uma licença, de qualquer natureza, a população morreria de fome”, desabafa.

Mielke conta que finalizou o último ciclo de tilápias em março e que somente na última semana foi possível colocar outros peixes nos açudes. “Os tanques não estão cheios, estão com o nível um pouco acima da metade, mas como eles são pequenos não precisam de muito oxigênio e temos esperança de que comece a chover em outubro. Acredito que estará tudo encaminhado até lá”, prevê.

Para o produtor, a possibilidade de usar água do Lago de Itaipu nas propriedades rurais é uma alternativa interessante, porém, os órgãos responsáveis pelas liberações deveriam considerar a escassez hídrica como um momento de urgência e agilizar as autorizações. “É uma coisa boa, mas a demora atrapalha muito”, critica.

 


Alceu Mielke, que aguarda o licenciamento do IAT para poder captar água do Lago: “Se nós demorássemos tanto tempo para produzir comida quanto os órgãos responsáveis levam para liberar uma licença, a população morreria de fome” (Foto: Divulgação)

 

Benefícios comprovados

Um bom exemplo dos benefícios da irrigação pode ser visto na propriedade de Arnildo Rieger, no município de Pato Bragado.

No local, a água utilizada para irrigar as lavouras de soja e milho é retirada exclusivamente do Lago de Itaipu. “Não temos alternativa se não pudermos usar a água de Itaipu. Não temos plano B”, expõe.
A irrigação é realizada no sistema de pivô central e a diferença entre uma área irrigada com uma não irrigada é gritante.

Na última safra de milho foram colhidas 424 sacas por alqueire na faixa de lavoura irrigada, enquanto que numa área fora da irrigação a produtividade variou entre 40 a 70 sacas por alqueire. “Com isso, conseguimos continuar produzindo alimentos com segurança e gerando receita para o município e o Estado”, enfatiza.

Segundo Rieger, foram necessários cinco anos para conseguir todas as liberações para a implantação do sistema na propriedade. “É um processo longo, ao qual lutamos por vários anos, mas é algo muito interessante. Para a nossa família foi um grande passo”, ressalta.

Desde que a irrigação foi adotada na propriedade não foi mais preciso atrasar a semeadura na área irrigada por conta da escassez de chuva. “Mas é claro que temos a preocupação com o fato de cada vez chover menos. Esperamos que em breve essa situação se normalize”, pontua.

Segundo ele, o custo para implantar o sistema é alto e as atuais tarifas de energia elétrica encarecem ainda mais a produção. Para minimizar os custos, a irrigação é feita somente à noite, quando a tarifa de energia é menor. “Caso contrário o custo de produção se tornaria muito alto”, salienta, completando: “Ruim seria se após fazer um investimento tão alto acontecer de amanhã ou depois não poder mais usar a água do Lago de Itaipu”, destaca.

O produtor revela que já conseguiu todas as liberações para implantar em uma outra área da propriedade um sistema de irrigação por gotejamento que necessita de menos água para irrigar. “Porém, ainda não implantamos porque é um sistema novo e ainda estamos avaliando os benefícios. Inclusive, me parece que será o segundo na região”, revela.

 


Agropecuarista Arnildo Rieger: “A irrigação é um empreendimento seguro e viável e pode ser seguido por outros produtores da região” (Foto: Divulgação)

 

 

REGRAS PARA USO DA ÁREA CEDIDA

O que é permitido:

Delimitação: cerca com arame liso, mourões, piquetes;
Casa de bombas com no máximo 20 metros quadrados;
Tubulação hidráulica: superficial ou subterrânea;
Fiação elétrica: somente cabos isolados. Junto da tubulação ou suspenso por postes;
Acesso junto à tubulação/fiação utilizada para instalação e eventual manutenção.

 

O que não é permitido:

  • Utilizar a área cedida como acesso ao reservatório;
  • Construir estruturas adicionais não necessárias à operação do sistema (ex. garagem, varanda, mesas, abrigos para tralhas de pesca, churrasqueira, lavatório, estruturas náuticas, etc.);
  • Depositar e/ou descartar irregularmente materiais de construção, resíduos e entulhos;
  • Atear fogo em resíduos e/ou na vegetação;
  • Instalar dispositivos de caça e/ou outro que interfira na fauna nativa;
  • Cortar árvores e vegetação de sub-bosque, bem como comercialização de lenha.

 

O Presente

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente