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Marechal Onda olímpica

Fenômeno “Fadinha” inspira skatistas rondonenses

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(Foto: Sandro Mesquita/OP)

Nas histórias folclóricas, os encantamentos que as fadas causam são vistos sempre como algo fantástico e transformador. E como a vida, muitas vezes, imita a arte, uma brasileira de apenas 13 anos encantou o mundo com seu jeito genuinamente carismático que parece ter saído de um conto de fadas.

A “Fadinha”, como é carinhosamente conhecida a skatista Rayssa Leal, deixou sua magia no ar ao conquistar a medalha de prata na estreia do esporte nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Rayssa ganhou o apelido aos sete anos de idade, após um vídeo viralizar nas redes sociais no qual ela executava um “heelflip” em uma escada, vestida com uma fantasia de fada.

A jovem skatista maranhense conseguiu um alcance global na internet durante as Olimpíadas ao ser a atleta mais citada de todo o mundo no Twitter durante os Jogos. Rayssa apareceu em primeiro lugar no ranking de comentários entre os dias 23 de julho e 08 de agosto.

Ao se consagrar a segunda melhor skatista do mundo na categoria Skate Street nas Olimpíadas, Rayssa tornou-se também a mais jovem medalhista do país e virou exemplo e inspiração para milhares de brasileiros que viram em sua conquista a possibilidade de um dia fazerem o mesmo.

 

INSPIRAÇÃO

O skatista rondonense Caio Pípolos Siveris, de apenas sete anos, anda de skate há cerca de um ano e vibrou com a medalha de Rayssa. Ele conta que se inspirou nos jogos de videogame. “Eu comecei a gostar de skate e pensei: ah, por que não andar na vida real?”, declarou ao O Presente.

O simpático rondonense ganhou seu primeiro skate de um vizinho e depois de aprender os primeiros “passos” sobre as quatro rodinhas, sua mãe achou melhor comprar outro, pois o antigo já estava bem usado.

Caio diz que recentemente quebrou uma peça do skate novo, por isso está usando o já “surrado” que ganhou do vizinho, até que o outro seja consertado. “Não sou profissional, mas estou treinando e já consigo mandar ‘ollie’ e descer em algumas partes dessa pista”, mencionou, referindo-se à pista de skate situada na Praça Willy Barth.


O pequeno skatista Caio Pípolos Siveris: “Quem sabe quando eu tiver a idade da Rayssa também não participe das Olimpíadas” (Fotos: Sandro Mesquita/OP)

 

MUITOS PRATICANTES

Marechal Cândido Rondon não tem nenhum skatista profissional, no entanto, existem no município muitos praticantes, inclusive alguns já participaram de campeonatos amadores.

O rondonense Vinicius Kailan Stankowiche de Souza, de 15 anos, é um deles. Vini, como é conhecido entre os praticantes do esporte, já participou de um campeonato de skate amador na categoria mirim, quando tinha cerca de cinco anos. “No começo parece tudo muito complicado, mas com o tempo vai pegando o jeito”, expõe.

Ele comenta que conheceu o esporte através de seu irmão, que já andava de skate. “Ganhei meu primeiro skate com três anos de idade, mas fui começar a andar mesmo com cinco, com amigos na rua de casa”, relata.

Vini acompanhou as competições de skate nos Jogos Olímpicos de Tóquio e destaca os competidores brasileiros. “Achei irado. Todos os skatistas brasileiros que participaram das Olimpíadas são verdadeiros guerreiros, porque só a gente sabe como é difícil andar sem nenhuma ajuda ou incentivo do governo”, enaltece.


Rondonense Vinicius Kailan Stankowiche de Souza (Vini): “Nós, skatistas, só temos a agradecer a todos os atletas skatistas por passarem para o mundo inteiro que skate de verdade é comemorar junto a cada manobra do próximo. Isso é coletividade” (Foto: Arquivo pessoal)

 

PRECONCEITO

O skate surgiu na década de 1960 no Estado americano da Califórnia e sempre esteve associado à contracultura. O mundo do skate é um universo paralelo, com gíria, moda própria, e tem como trilha sonora as músicas “underground”.

O jornalista e skatista de fim de semana Cristiano Viteck foi um dos primeiros a praticar o esporte no município. Ele acredita que a marginalização do skate é intrínseco e, provavelmente, nunca deixará de existir. “O skate é rebelde por natureza. O problema é que muitas pessoas não entendem que há uma enorme diferença entre rebeldia e criminalidade, daí que nasce o preconceito”, opina.

Conforme ele, há 30 anos usar roupas de skatista, ter cabelo comprido ou raspado, ouvir punk rock ou rap assustava e incomodava muitas pessoas.

Viteck conta que na época em que andava de skate era comum alguém se sentir incomodado a ponto de chamar a polícia por conta de estarem na rua. No entanto, segundo ele, tudo se resolvia na conversa. “Não me sinto autorizado a falar sobre como é hoje com a geração mais nova de skatistas, mas acho que o preconceito ainda existe”, aponta.

De acordo com o jornalista, os skatistas fizeram um esforço muito grande para convencer as pessoas que skate não é crime. “Já durante as Olimpíadas, com muito bom humor, um meme que viralizou ironizou esse novo status da modalidade: skate não é esporte olímpico, é um crime”, compartilha.

Por outro lado, segundo o rondonense, é importante essa visibilidade que está tendo nesse momento, principalmente no Brasil. “É uma força para derrubar mais uma barreira de preconceito”, afirma Viteck.

 

ATUAL GERAÇÃO

Parte da atual geração de skatistas rondonenses, Vini afirma que o esporte ainda é bastante marginalizado, apesar de o preconceito ser menor que anos atrás. “As Olimpíadas deram uma visão diferenciada para o esporte”, entende.

Ele diz que já foi discriminado enquanto andava. “Foi bem tenso. Estava eu e uns amigos andando de skate na rua, quando um senhor de idade se incomodou e começou a nos xingar de sem futuro e outras palavras de baixo calão”, menciona.

Conforme o jovem, além de ser uma atividade física, o que é fundamental para qualquer pessoa, o skate proporciona conhecer novas pessoas e fazer amizades. “É preciso tomar muito cuidado com as amizades feitas. Sempre seja o lado bom do skate que tudo dará certo”, ressalta.

 

PERCURSORES

O jornalista Cristiano Viteck começou a andar de skate no final da infância e o esporte o acompanhou em sua adolescência, até por volta dos 17 anos, quando os compromissos de estudo e trabalho acabaram o afastando do convívio diário com o skate. “Quando ganhei meu primeiro skate, em 1989, isso mudou o meu estilo de vida, assim como de muitos dos meus amigos da época”, relembra.

Viteck conta que ele e seus amigos abandonaram a escolinha de futebol para passar o maior tempo possível andando de skate. “Não havia estrutura nenhuma para o esporte na cidade. Não tínhamos acesso a vídeos para aprender as manobras, nem revistas especializadas para ler, muito menos skates de boa qualidade”, menciona, lembrando que as pistas eram construídas por eles próprios. “Tínhamos que trabalhar duro para construir com as próprias mãos nossas pistas e obstáculos”, relata.

O começo dos anos 90, de acordo com o jornalista, foi um período importante para o skate rondonense. Segundo ele, sua turma de skatistas foi provavelmente a primeira da cidade e atuou diretamente para viabilizar a construção da pista destinada a esse público, localizada na Praça Willy Barth. “A intenção da administração municipal era construir uma pista no estilo ‘half-pipe” (em forma de “U”), que não era o estilo de skate que praticávamos”, expõe.

Foi então que o grupo de amigos apresentou um novo projeto à prefeitura para uma pista de “street”, desenhado por César Scheffler, que mesmo adolescente já trabalhava numa empresa de engenharia desenhando projetos. “Nossa turma se reuniu com o prefeito Ademir Bier, que aceitou nosso projeto e construiu a pista da maneira que queríamos”, relata.

 

FUTURAS GERAÇÕES

O skate esteve presente na vida de Viteck desde os primeiros “rolês” com os amigos de juventude. Após o nascimento de seu filho Inácio, de cinco anos, o rondonense passou a incentivá-lo a praticar o esporte. “Quero que o skate e toda a cultura desse esporte seja algo natural na vida dele. Certamente gostarei muito se ele tiver o skate como algo presente no seu dia a dia ou qualquer outra modalidade esportiva”, destaca.

Ele revela que há alguns anos adotou o ciclismo, mas as quatro rodinhas continuam presentes no dia a dia da família. “De tempo em tempo dou umas voltas com meu skate por brincadeira e estimulo meu filho a me fazer companhia”, comenta.

Cristiano Viteck foi um dos precursores da modalidade em Marechal Rondon e hoje incentiva o filho Inácio a andar de skate (Foto: Arquivo pessoal)

 

APOIO

O estímulo ao esporte é fundamental em qualquer modalidade e esse apoio se torna ainda mais importante quando se trata de uma prática esportiva ainda marginalizada, por conta, muitas vezes, da desinformação e de conceitos errôneos pré-estabelecidos pela sociedade.

Para Vini, o incentivo ao esporte é muito importante porque o skate, além de ser uma atividade física, representa a coletividade. “Pode parecer um esporte individual, mas sem os amigos o rolê de skate não flui”, salienta.

As manobras executas pelo rondonense chamam a atenção de outros skatistas e de quem acompanha o esporte no município. Recentemente, o jovem passou a receber o apoio de uma loja especializada. “Queria agradecer a Katrina Skate Shop por estar me apoiando com peças de skate”, destaca.

 

ESTRUTURAS

O município de Marechal Rondon possui dois locais para a prática do skate: um é a pista na Praça Willy Barth, que é mais antiga, e o outro é uma estrutura menor, porém mais recente, construída no Bairro Recanto Feliz.

De acordo com o secretário de Coordenação e Planejamento, Alisson Ostjen, o projeto de revitalização da Praça Willy Barth contemplará uma nova pista, maior e mais moderna que a atual. “Os detalhes técnicos da nova pista estão sendo discutidos com os usuários da atual pista de skate”, informa.

A nova pista será uma espécie de complexo, que poderá ser usado para a prática de outros esportes radicais sobre rodas. O projeto da pista contemplará a construção de um pump track, que consiste em um percurso com “lombadas” ou “rollers”, que possibilitam a aceleração através de impulso por movimentos do corpo para cima e para baixo. A estrutura terá também um skate park, que é uma pista chamada de oca com uma série de curvas sinuosas, algumas lembrando tigelas, por isso, são chamadas de “bowls”, ambos utilizados pelos competidores nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

O projeto de revitalização da praça está em fase de conclusão da parte arquitetônica e a previsão de início das obras é ainda para este ano ou início do ano que vem, segundo o secretário. “É um projeto demorado, que abrangerá umas mudanças. A praça será praticamente refeita”, revela.

 

(Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

INVESTIMENTO

De acordo com Ostjen, em virtude da complexidade do projeto de revitalização da Praça Willy Barth ainda não é possível saber o valor exato que será investido na obra, porém, o secretário adianta que será por volta de R$ 4,5 milhões.

Secretário de Coordenação e Planejamento, Alisson Ostjen: “O pessoal do skate foi chamado para conversar no início do ano, quando trouxeram suas demandas, então o prefeito autorizou que fizéssemos conforme o pedido deles” (Foto: Tioni Oliveira)

 

VENDAS

Há muito tempo o Brasil é celeiro de skatistas campeões mundiais e o sucesso do esporte nas Olimpíadas certamente está aquecendo o mercado brasileiro e deve aumentar o número de novos praticantes.

Segundo Viteck, o skate como um todo não depende das Olimpíadas e está muito mais associado, por exemplo, ao X Games, a olimpíada dos esportes radicais. “Inclusive, por anos a inclusão do skate como esporte olímpico foi motivo de polêmica na modalidade. Os mais ‘puristas’ afirmam que a inclusão ao evento olímpico é virar às costas para o passado de contestação associado a essa cultura”, afirma.

De qualquer forma, o novo “boom” do skate no Brasil ficou evidente após as medalhas olímpicas em Tóquio e impulsionou uma onda de novos praticantes. As conquistas nos jogos aumentaram as vendas do equipamento, acessórios e roupas em lojas especializadas e também no comércio on-line.

A plataforma Mercado Livre divulgou uma elevação na procura de itens na casa dos 50% e na Netshoes houve alta de 79,7%, na semana da participação de Rayssa nas Olimpíadas, em relação à semana anterior.

Além da medalha de prata conquistada por Rayssa Leal, Pedro Barros e Kelvin Hoefler também trouxeram a prata para o Brasil.

 

ASSOCIAÇÃO

Em Marechal Rondon um grupo de praticantes do esporte pretende criar uma associação de skatistas para ajudar a divulgar e incentivar a prática no município. Com a criação da entidade será possível saber o número de pessoas que andam de skate em Marechal Rondon.

Para o rondonense Vini, a associação será fundamental para o crescimento da modalidade em Marechal Rondon. “Essa associação pode abrir muitas portas para nós, galera do skate da cidade, como reformas na pista, campeonatos etc”, projeta.

 

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