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Municípios Respingos da guerra

“Brasil nunca fez o dever de casa e agora teremos muitos problemas”, avalia presidente da Frimesa

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Diretor-presidente da Frimesa, Valter Vanzella: “O mundo vive de muitas incertezas em função desta guerra e o Brasil pode ter consequências severas” (Foto: Arquivo/OP)

Lideranças do agronegócio brasileiro estão preocupadas com as implicações do conflito no Leste europeu, entre Ucrânia e Rússia. O Brasil é um grande importador de fertilizantes vindos do país russo e depende destes insumos, que devem ficar caros e escassos nos próximos meses.

O maior impacto deve ocorrer na safra de inverno, mas há uma preocupação também com a de verão. Os agricultores preparam as lavouras para as próximas safras em um solo fértil para incertezas: clima, câmbio e guerra. Todos estes fatores têm impacto no agronegócio.

De acordo com o diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, os preços para o produtor devem subir. “Nós podemos ter um incremento no custo de produção de toda a natureza, não só de fertilizantes, como defensivos. Parte destes defensivos são oriundos do petróleo, e o barril de petróleo já passou de US$ 100. Tem a questão do combustível que onera muito a logística do campo e o câmbio. Um câmbio mais valorizado, no caso o dólar mais valorizado, prejudica seriamente qualquer custo de produção na agricultura brasileira”, expõe.

Os fertilizantes já pesaram nos custos das culturas de inverno que ainda estão sendo plantadas. Os produtores pagaram 70% a mais em relação à safra passada, devido à pandemia, à alta do dólar e ao aumento da demanda.

 

Escassez

Para a próxima safra de verão o problema pode ser ainda maior. A ameaça de escassez de fertilizantes, por conta do conflito entre Rússia e Ucrânia, ronda os produtores.

Os russos, que já sofreram sanções no comércio internacional, fornecem boa parte da matéria-prima usada na fabricação de insumos para as lavouras de grãos no Brasil. No ano passado, o Brasil consumiu 41,6 milhões de toneladas de fertilizantes e 80% deles importados. É o quarto maior consumo no mundo. O maior exportador foi a Rússia, com 23% deste total, seguida da China e do Canadá.

 

Fornecimento suspenso

Sílvio Sugeta, que é produtor rural e também revende fertilizantes, diz que empresas já suspenderam o fornecimento deste insumo para avaliar o impacto da instabilidade internacional nos preços. “Com as sanções aplicadas e outras possíveis, retaliações da guerra entre Ucrânia e Rússia, pode ser que este produto não venha para o Brasil na quantidade (necessária). E se vier, não sabemos a que preço vem. Isso pode fazer com que nós, agricultores, tenhamos que utilizar menos quantidade do que gostaríamos. E a consequência disso é uma menor produção da safra de inverno e verão. Então cai a produção de alimentos e os preços tendem a subir, podendo afetar a nossa economia como um todo, gerando mais inflação. É um problema da cadeia como um todo, da nossa economia como um todo”, observa Sugeta.

 

Trigo

Também existe preocupação com o trigo, já que Rússia e Ucrânia respondem por 30% das exportações globais do grão. Conforme o pesquisador Paulo Ribeiro, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), os dois países em conflito iniciam a colheita a partir de maio, mas alguns governos devem fazer estoques reguladores temendo escassez, o que pode elevar os preços.

O Paraná é o maior produtor de trigo no Brasil, que ainda importa 60% do que consome.

“Devido ao país não ser autossuficiente na produção de trigo, essa importação, fatalmente, vai provocar uma elevação no custo da farinha e, portanto, vai chegar até o consumidor final que consome pão, que é um item de primeira necessidade dentro da nossa cesta básica. Então, nós estamos prevendo que haverá aumento da inflação, baseado no aumento do custo do pão”, afirma.

 

 

“Brasil nunca fez o dever de casa e agora teremos muitos problemas”, avalia diretor-presidente da Frimesa

 

Para o diretor-presidente da Frimesa, Valter Vanzella, a guerra da Rússia com a Ucrânia, a curto prazo, trará problemas e desgraças incontáveis. “Acho um absurdo nos dias de hoje vermos uma pessoa ter o poder de decidir matar tanta gente. São pessoas inocentes, crianças que vão pagar pela bestialidade de uma cabeça desequilibrada. Por que um ser humano tem a coragem de tomar uma decisão desta natureza? A história mostra. São pessoas desequilibradas, que não têm um pingo de amor ao próximo, que não têm um pingo de amor à vida e que só pensam nas suas vaidades pessoais”, criticou ao O Presente.

Vanzella diz que o conflito no Leste europeu, iniciado na semana passada, vai afetar o comércio mundial e trazer consequências para países e povos que não têm nada a ver com a guerra. “Lógico, vai trazer muitas consequências para a Rússia, porque os países que precisam dos produtos que ela exportava não vão mais comprar, mas ela também não vai conseguir vender. E quem não vende não recebe e não terá as suas necessidades satisfeitas”, pontua.

O fato de o Brasil ser um país dependente de muita matéria-prima para o agronegócio, na visão do diretor-presidente da Frimesa, vai complicar a situação. “Vamos ter muitos problemas, porque a maior parte das terras que o Brasil usa para produzir são de baixa fertilidade, que precisam do NPK, composto pelos nutrientes nitrogênio, fósforo e potássio. O Brasil nunca fez o dever de casa de procurar produzir, porque tem condições, mas faltam investimentos. Sei que é mais barato importar, mas em uma situação dessas nós vemos o quanto seria importante produzir. Tem produto que dependemos 95% de importados. Então, essa situação de agora faz com que se tenha um olhar diferente para este assunto”, enfatiza.

Na opinião do líder regional, de nada adianta ser uma potência na produção de grãos e seguir dependente dos ingredientes da adubação, que são importados. “No curto prazo, nós vamos ter problemas. Se não conseguirmos importar, as terras do Brasil central, sem adubação correta, não produzem. As pessoas que vivem do agronegócio sabem, você planta um pé de milho, ele cresce dois palmos e não dá nada.  Então o Brasil pode ter consequências severas”, analisa.

Por outro lado, o dirigente chama a atenção para os produtos que não serão exportados. “A Ucrânia é um grande exportador de milho. Quem vai ficar sem esse produto? Vai dar um rebuliço, um desarranjo na economia em todos os sentidos. Eu acho que o que podemos falar por enquanto é que o mundo vive de muitas incertezas em função desta guerra. Acredito que vai prevalecer o bom senso e a mesa de negociações. É um absurdo falar em guerra nos dias atuais”, reitera.

Vanzella comenta que a Frimesa ficou “pé atrás” em relação às exportações. “São muitas coisas envolvidas. Às vezes, até exportamos para países que não têm nada a ver com isso, mas existe um transporte marítimo que vai ser afetado, haverá aumento de custos, existe um petróleo que já disparou nos preços. Então, isso só vai trazer coisa ruim”, frisa.

Para ele, os líderes mundiais, sem exceção, deveriam pensar em construir, ao invés de destruir. “Você olha aquilo que o homem levou anos para construir e uma bomba destrói tudo. Uma bomba mata milhares de pessoas. Não concordamos com isso, mas infelizmente está acontecendo. Vamos ter que nos adequar e o que nos resta é rezar e pedir a Deus que ilumine a cabeça destas pessoas que têm o poder de decidir, para decidir pelo bom senso, para que esta coisa não evolua”, finaliza.

 

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