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Como a erva-mate mudou o Oeste do Paraná

Por meio da mercadoria houve desenvolvimento na região, como a instalação da telegrafia que recém havia desembarcado no Brasil. Porém, também ocorreu exploração humana

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Porto Artaza ficava onde hoje está a Base Náutica de Porto Mendes (Foto: Reprodução)

Professora aposentada, Lia Dorotéa Pfluck poderia usufruir os momentos sem precisar mais dar continuidade ao trabalho integral que dedicou parte de sua vida. Porém, a pesquisadora optou em prosseguir com projetos que envolveram a sua carreira acadêmica.

E foi assim que ela concluiu, no fim do ano passado, seu mais recente livro, intitulado “Dos caminhos do Oeste do Paraná (séculos XIX-XX) para as trilhas do ensino de geografia por meio de imagens”.

Foram aproximadamente oito anos de dedicação, entre pesquisa e revisão do material, até a conclusão da obra, que será lançada na quinta-feira (07), a partir das 19h30, no tribunal do júri do campus de Marechal Cândido Rondon da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), cujo evento contará com uma palestra da autora.

O livro está distribuído em cinco capítulos e aborda uma pesquisa qualitativa do final do século 19 e início do século 20 sobre o Oeste do Paraná, tanto em termos de registros históricos como geográficos.

O capítulo 1 trata da localização geográfica e histórica da faixa de fronteira do Oeste do Paraná; no capítulo 2, aborda-se sobre a ação obragera, os portos, os caminhos e os pousos no sertão oestino do Estado; o capítulo 3 é mais específico sobre a telegrafia; a reflexão sobre o ensino de Geografia pelos caminhos do Oeste com as fotografias e os mapas é tratada no capítulo 4; enquanto que no capítulo 5 é apresentado o mapa temático.

O material é composto por aproximadamente 80 imagens, sendo algumas inéditas – são em torno de 28 mapas antigos, alguns croquis e fotografias.

Transporte e carregamento de erva-mate em navios

O que tinha aqui antes?

Se os colonizadores chegaram na região por volta de 1950, o que tinha no Oeste paranaense antes? Para os que não conhecem a história a fundo, esse é um questionamento que pode ser feito com frequência.

Porém, havia uma ocupação econômica extremamente importante. “Cem anos atrás havia uma grande infraestrutura de estradas pelo mato afora e estas trilhas que vinham da barranca do Rio Paraná para o interior, passando por Marechal Cândido Rondon, Toledo, Cascavel até Campo Mourão”, comenta a pesquisadora.

De lá vinha a erva-mate, que era exportada, por meio de 36 portos fluviais na barranca do Rio Paraná, entre Foz do Iguaçu e Guaíra. “Para ter 36 portos 100 anos atrás, tinha que ter muito movimento. E chegavam embarcações de grande porte até Porto Mendes, pois de Porto Mendes até Guaíra não era possível navegar. No livro há várias fotos que mostram diversas obrages – grandes fazendas de erva-mate. Os seus donos eram os obrageros, obrages eram as fazendas e mensus os trabalhadores da época, os escravos”, relata Lia. “Só trabalhei com o lado brasileiro. Então se havia 36 portos no lado brasileiro, como a erva-mate também era explorada no Mato Grosso do Sul e no Paraguai, provavelmente o mesmo tanto de portos estava localizado na margem direita do rio”, emenda.

Os ingleses que atuavam na região, ao lado de franceses e argentinos, eram um dos principais interessados na erva-mate. Não à toa têm fama até hoje devido ao chá da tarde. “Já tinham a tradição do consumo e a erva-mate foi levada para o exterior não como um produto para chimarrão ou tererê, mas como chá”, expõe.

Marechal Rondon e a telegrafia

Um ponto que a professora destaca é que o município de Marechal Cândido Rondon recebeu este nome em homenagem àquele que é considerado o patrono das comunicações.

“Logo se pensa que o Marechal Rondon trabalhou com telegrafia e, portanto, é homenageado com o nome do nosso município e em diversas ruas de cidades afora. Contudo, não foi ele quem implantou a telegrafia aqui. Foram os obrageros, desde 1903. O próprio Allica, que era o obragero mais importante do Oeste, implantou a telegrafia de Porto Artaza, que é onde fica hoje a Base Náutica de Porto Mendes, e a rede vinha pelas vilas de Iguiporã, Curvado, Marechal, que na época era chamado Rosa, Quatro Pontes e seguia até perto de Toledo, Cascavel e Campo Mourão”, informa.

Em outras regiões do Estado, como de Curitiba a Guarapuava e de Guarapuava a Foz do Iguaçu, a instalação da telegrafia ocorreu por meio de uma comissão criada pelo governo da época, mas na qual Marechal Rondon não figurava no meio.

“Achei interessante esse fato, assim como é interessante nos perguntar: há 110, 120 anos recém a telegrafia estava chegando ao Brasil, em torno de 1880, com 4,3 quilômetros no Rio de Janeiro. E uma década depois começou a se expandir no Paraná. A troco de quê? Em função da grande importância econômica que a erva-mate tinha aqui no Oeste. Foi decisiva para o desenvolvimento, ao menos até onde consegui chegar com as pesquisas”, declara Lia. “Como alguém se comunicaria com Porto Mendes, Porto Artaza, Cascavel ou Campo Mourão? O transporte era todo com carroças e a comunicação demoraria muito. A telegrafia agilizaria esse contato. Se grandes navios vieram pelos portos até Porto Mendes e havia uma rede telegráfica, podemos imaginar que a exploração econômica no Oeste era algo inimaginável. Só consegui abri um leque. Há muitas coisas ainda desconhecidas a serem contada”, acrescenta.

Por outro lado, Lia questiona por que a história da beira do rio teve que ser afogada. “Que história é essa que foi afogada pela hidrelétrica de Itaipu?”, pergunta.

Pousos

Dentre uma das questões em aberto, a autora menciona que consta a parte geográfica com a localização exata de todos os pontos de pousos que havia no interior do Oeste.

“Consegui identificar 57, mas deve ter havido mais. Muitos destes pousos eram chamados de centrais, pois tinham uma infraestrutura grande, com pavilhões de armazenamento, hortas, criação de animais, para dar provimento aos que trabalhavam ali”, relata.

De Rosa a Marechal Rondon

Antes de ser conhecido como Vila General Rondon e posteriormente Marechal Cândido Rondon, o hoje município rondonense era chamado de Rosa. Mas nada disso devido à planta e, sim, oriundo do espanhol que significava roça.

“Havia uma pequena roça onde hoje é o restaurante Peixe Frito, nas proximidades da cadeia pública. Ali começou a nossa cidade, a partir de um espaço que estava aberto. Não havia infraestrutura, mas era um lugar plano, aberto e com nascentes de água. A colonização se estabeleceu naquele lugar e tinha um antigo pouso, que era um abrigo para os mateiros que trabalhavam. Eles vinham pelas estradas e em certo ponto paravam para descansar”, conta.

Exploração humana

A região também tem em sua história a exploração humana contra os mensus – a maioria formados por paraguaios e mestiços, mas também indígenas. Eram usados no trabalho envolvendo a erva-mate, desde cortar a planta até sapecar e transportar a mercadoria.

“As fotografias têm muito a desvendar. As imagens que usei foram bem ampliadas para analisar todo contexto. Por exemplo, há uma foto em que aparece um mensu carregando um grande fardo de erva-mate. Ele está razoavelmente bem-vestido, com manga comprida, chapéu, caneleira e bota para não se machucar. Mas será que era esta a realidade dos mensus? Aí aparecem outras figuras e textos que dizem que alguns mensus trabalhavam para ser queimados vivos, pois atuavam na sapecagem da erva-mate. Tinham que ficar praticamente na fornalha, remexendo as folhas. A realidade mostrada em uma foto, que podemos dizer que foi montada para parecer algo bonito, é da década de 20, quando passou a Coluna Prestes por aqui. Eles revelaram ao Brasil e ao governo brasileiro o que estava acontecendo no Oeste do Paraná”, declara a pesquisadora.

No mapa ela trabalha com cores quentes e frias. A identidade criada em torno do mensu, afirma a autora, era de um “pobre miserável”. “Pelo que li, acredito que era mais miserável do que sabemos sobre os escravos em nível de Brasil. Eles não tinham comida, não tinham abrigo, não tinham nada, e não ganhavam por isso. Em contrapartida, os obrageros tinham tudo. O seu próprio navio, inúmeros funcionários, aves exóticas, água, comida, cozinheiros, tudo em torno deles. Mas os trabalhadores eram extremamente miseráveis”, conclui.

Sobre a autora

Gaúcha de Lajeado, mas de vivência maior no Oeste do Paraná. Licenciada em Geografia (UFSM); especialista em Análise Ambiental e Geografia do Brasil (UFPR e UEM); mestre e doutora em Geografia Análise Ambiental (UFSC). Docente associada, aposentada, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Marechal Cândido Rondon.

Como docente, ajudou na criação e implantação do curso de Geografia e da Estação Climatológica do campus.

É membro do Grupo e Linha de Pesquisa em Ensino e Práticas de Geografia. Realiza pesquisas na geografia urbana, questões ambientais, colonização, ensino de Geografia, material didático-pedagógico, com vários artigos e livros publicados.

Professora, pesquisadora e autora Lia Dorotéa Pfluck: “Se grandes navios vieram pelos portos até Porto Mendes e havia uma rede telegráfica, podemos imaginar que a exploração econômica no Oeste era algo inimaginável” (Foto: Maria Cristina Kunzler)

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