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Síndrome do pânico não é frescura

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“Durante uma viagem, senti um aperto enorme no peito. Minhas mãos tremiam tanto que eu não conseguia segurar nada. Meu coração batia muito rápido, sentia enjoos, desorientação e principalmente medo. Sabe-se lá do que. Corri para um pronto-socorro e nada foi diagnosticado. Semanas depois, uma nova crise. Passei três dias sem comer absolutamente nada porque os enjoos, a taquicardia e as mãos trêmulas não me deixavam. Novamente fui ao pronto-socorro. Nenhum diagnóstico. Tirei uns dias de folga e fui para a casa da minha mãe no interior de São Paulo, à procura de um cardiologista de confiança da família. Após vários exames (eu achava que estava infartando ou com algum problema cardíaco), ouvi pela primeira vez: você está com síndrome do pânico”.

O relato é único, mas, ao mesmo tempo, igual a muitos outros espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo, cerca de 23, 9,3% da população residente do país. Quando generalizada, a ansiedade é a principal desencadeadora dos sintomas da síndrome do pânico, doença caracterizada por um nível exagerado de ansiedade, que toma conta do corpo da pessoa acometida pelo problema. 

Os sintomas físicos relatados pelos pacientes vão desde sudorese, tremores, ondas de calor, náusea, dores de cabeça, tontura, desmaio, oscilação do sono, até a sensação de perigo iminente, medo da morte ou de uma tragédia, sensação de estar fora da realidade, palpitações, ritmo cardíaco acelerado, taquicardia, dificuldade para respirar, falta de ar e sufocamento. “As crises se dão em diversos lugares, os mais inusitados que se possa pensar e são imprevisíveis. Essa sintomatização se mostra porque alguma coisa intrapsíquica já está acontecendo”, observa a psicóloga Rosana Martins Galvani.

Na visão da profissional, a era da tecnologia e da informação trouxe consigo uma grande carga de ansiedade para a sociedade. Não é difícil ouvir alguém dizer que o ano passou muito rápido, “sem a gente perceber”, e já é Natal. “E isso ocorre por conta da rotina muito intensa, que faz com que existam esses picos de ansiedade nas pessoas que para alguns é natural e normal, mas para outros vai se acumulando e chega um momento que eclode e a crise se manifesta”, expõe.

Tudo causa perigo

Nem todo medo é sinônimo de síndrome do pânico. Rosana explica que a diferença entre o medo “normal” e o medo de alguém que porta a síndrome do pânico é que quem tem a patologia não sabe diferenciar o que realmente está causando perigo e começa a achar que tudo está ameaçando sua vida. “Uma pessoa pode ter um ataque de pânico porque tem medo de cachorro, por exemplo, e vê um cachorro grande solto na rua. Isso vai dar medo porque é natural que os níveis de adrenalina subam e deem sinal de alerta para correr, reagir, ter um momento de pânico. Faz parte do ser humano ter isso devido ao nível de adrenalina subir porque você está correndo perigo, você tem que tomar cuidado e preservar sua vida”, explica.

Diferente disso, a síndrome do pânico é caracterizada por episódios de pânico com esses mesmos níveis de adrenalina ocorrendo para situações rotineiras onde a maioria das pessoas viveria normalmente, mas o portador da síndrome intensifica a situação. “A pessoa fica com medo de andar na rua, medo das pessoas, medo das pessoas acharem que ela está ficando louca, medo de morrer e começa, até mesmo, a ter medo de ter medo. Pelo fato de a pessoa começar a ter medo de ter a sintomatização, medo de ter a crise, ela começa a desenvolver a taquicardia, a dificuldade para respirar, passando a mandar informações do cérebro para o corpo, que gera os sintomas, pois o pensamento está fixado no medo da síndrome que estou dando dimensão exagerada”, detalha a psicóloga.

Diagnóstico

Ao passo que na adolescência o paciente acometido pela síndrome do pânico começa a desenvolver a ansiedade, quando chega-se ao patamar de adulto jovem, a síndrome do pânico começa a se apresentar, por isso, normalmente a doença se apresenta em adultos jovens e adultos. “Se você logo perceber os sintomas e buscar ajuda é possível remediar, mas é claro que o problema vai se estender enquanto não for tratado”, alerta Rosana.  

Pelos principais sintomas da síndrome do pânico envolverem taquicardia, dificuldade para respirar e até mesmo dores no peito, a primeira busca do paciente é por um cardiologista na maioria dos casos, acreditando que a sintomatização trata-se de um infarto ou alguma outra doença ligada ao coração. “Cabe ao cardiologista saber identificar por uma bateria de exames que não indicam nenhum problema cardiológico que esse paciente busque um psiquiatra e um psicólogo”, enfatiza a profissional.

Ela recomenda que o diagnóstico seja feito por um profissional de psiquiatria, porém, o tratamento deve ser realizado em conjunto a um terapeuta. “A medicação tira o sintoma, mas sozinha ela não resolve. A terapia é essencial para identificar, buscar a consciência das razões que levam o paciente a desenvolver aqueles sintomas”, destaca.

Rosana comenta que nós possuímos gatilhos emocionais que nos levam a desenvolver uma série de comportamentos e reações e que, muitas vezes, a ocorrência da síndrome do pânico se deve à estrutura de vida atual da pessoa ou por fatores familiares, sociais e até mesmo escolares. “Dependendo de como você vivenciou a fase escolar, por exemplo, se sofreu bullying e acabou se reprimindo, se intimidando, tendo medo de se expressar, dificuldade de pertencer a grupos, inicialmente isso se expressa como uma timidez, mas com o passar dos anos isso vai se estendendo e virando uma ansiedade, passando para uma ansiedade generalizada que pode desencadear a síndrome do pânico”, exemplifica.

A forma de construção da personalidade dentro do âmbito familiar, como está constituída a estrutura de família que a pessoa cresceu, conforme foi formando sua personalidade, conforme foi se socializando, também são questões que podem desencadear o problema.

Como o pânico afeta sua vida

Frente ao medo do medo, a pessoa que sofre com a síndrome do pânico passa a se preservar, chegando ao ponto de isolar-se em casa, não sair mais na rua desacompanhada, ter medo de dirigir e até mesmo comparecer a eventos sociais simples, como ir a encontros informais com amigos. “Mesmo com acompanhamento, se a pessoa não desenvolve o tratamento como deveria, ou por não tomar a medicação ou por não fazer a terapia, ela começa a ter aspectos de sua vida afetados pela síndrome do pânico, tanto na socialização quanto na vida profissional”, ressalta Rosana.

No trabalho, a dificuldade em manter um bom relacionamento interpessoal com colegas pelo medo das pessoas, ou das pessoas pensarem que os comportamentos remetem a uma “pessoa louca”, são as principais consequências da síndrome do pânico. “O pânico também pode gerar déficits profissionais na produtividade por a pessoa, por exemplo, estar sempre preocupada com o medo, com a taquicardia, com a ausência no trabalho porque precisa ir ao médico, a dificuldade em se relacionar, pelos questionamentos do que vão pensar sobre ela”, diz.

O excesso de trabalho imposto por empresas e corporações, que leva muitos profissionais a tornarem-se workaholics (gíria em inglês que significa alguém viciado em trabalho, um trabalhador compulsivo e dependente do trabalho) ou perfeccionistas – aqueles que se cobram muito ou têm a necessidade de se despontarem na empresa -, faz com que a pessoa tenha ansiedade e necessidade de autossuperação no ambiente profissional e também pode ser um dos gatilhos emocionais para surgir a síndrome do pânico.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (01).

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