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Na morada da Lua

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O mais longevo dos pilotos ambiciona frequentar os céus no comando da aeronove até os 90 anos; para o Doutor Nilo, voar é um “abre-te sésamo”

Doutor Nilo: “Toda atividade tem risco, do avião ao carro de boi. Atravessar a rua também é perigoso”

Há quem vislumbre passar a eternidade no firmamento. E há quem já esteja frequentando o céu faz mais de meio século. É o caso do dentista aposentado Nilo Rezende. São 52 anos de longos passeios nas alturas, estimados em 10 mil horas-voo. “Acredito que somando tudo que já pilotei seja possível dar meia dúzia de voltas no planeta”, disse “Doutor Nilo”, como é mais conhecido.

Nascido em Três Lagoas, região do Mato Grosso do Sul, lugar que sofre influência cultural do vizinho interior paulista e do Triângulo Mineiro, doutor Nilo tinha convicentes razões para jamais sequer sentar-se a poltrona de um pequeno avião. Afinal, no meio dos anos 1950, ele conviveu com tragédia familiar ligada à aviação.

O pai e o irmão faleceram em um acidente aéreo no interior de São Paulo, em São José do Rio Preto. “Inacreditável aquilo”, resume. O irmão Acir, que pilotava a aeronave, somava apenas 24 anos de idade e o pai pouco mais de 50. O episódio não foi suficiente para desencorajar o agora veterano piloto.

Quando concluiu o ensino médio em Lins (SP) e veio a Curitiba prestar vestibular para Odontologia na Universidade Federal do Paraná, não eram os pacientes que ficavam de boca aberta. Era ele, o acadêmico Nilo, boquiaberto no Aeroporto de Bacacheri, onde era assíduo frequentador. A paixão pela aviação falava alto.

Dentista formado, chegou a Cascavel em 1965. Á época, a cidade era um bom lugar para construir salas comerciais e alugar. “Fiquei sete meses procurando um imóvel para alugar aqui. Para conseguir uma pecinha de fundos, nas proximidades da Catedral, tive que ir a Foz do Iguaçu de Fusca falar com o dono do imóvel”, recorda-se doutor Nilo.

Ele figura entre os cinco primeiros dentistas da cidade. Foram mais de três décadas militando na odontologia. Participou da fundação da seção de Cascavel da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). Mas não é esse assunto que faz doutor Nilo mostrar os dentes. Ele gosta mesmo é de olhar para cima.

O PRIMEIRO AVIÃO

Uma derrota eleitoral impede um projeto político de decolar. Aqui está a origem do primeiro aparelho do doutor Nilo. O advogado Octacílio Ribeiro da Silva perdeu uma eleição em Cascavel, e ganhou boletos para pagar. Como não é possível fazer aviãozinho de papel com os boletos e lançá-los ao vento, Octacílio precisava pagar as contas. A solução era vender o pequeno avião Cessna Skyline. Nilo, recém chegado a cidade, começando nas lides da odontologia, não tinha recursos para comprar o aparelho.

“Certo dia, atravessando a rua, o Octacílio parou e disse:

  • Encontrei um comprador para o avião.
    Surpreso, eu saudei, dei os parabéns, e perguntei quem era o felizardo. Então ele disse:
  • É você, vou vender para você”.

Doutor Nilo ficou empolgado, mas foi logo avisando que não tinha dinheiro. Foi então que seguiram até o Banco Real e financiaram o equivalente a 80 mil dólares.

Agora o dentista tinha seu “brinquedo”. Os pousos e decolagens aconteciam no “Campo de Aviação”, como era denominada popularmente aquela área plana que vai do Terminal Rodoviário até onde está o Paço Municipal. Era um poeirão só.

NASCE A CONSTRUTORA

Melhor um sobradinho que um faltadinho, certo? Foi nos 15 terrenos que doutor Nilo adquiriu nos anos 1980 no bairro Nova York, que o engenheiro recém formado Jadir Saraiva de Rezende pôs em pé sua primeira obra: eram sobrados pequenos.

“Falei para o Jadir: olha filho, fazer sobrados ou predinhos, não muda muito. Então adquirimos uma área do Nilo Ghiggi na 7 de Setembro com com Manaus, e fizemos ali o primeiro prédio de cinco andares. Vendemos tudo em 90 dias, e já partimos para um outro de seis andares com elevador”, relata Nilo.

Assim nascia a Saraiva de Rezende Construtora, cuja relevância dispensa apresentações, mas que pode ser vislumbrada em projetos disruptivos, como o Square Life Center, torres em construção no Centro Cívico ao lado do JL Shopping. As torres do Square terão 38 e 41 andares, incluindo heliponto. É para gente que não tem medo de altura, como o próprio Jadir, o filho engenheiro e também voador do Doutor Nilo.

A exemplo do pai e do tio Acir, Jadir pilota seu próprio aparelho com frequência na “ponte aérea” Cascavel/Coxim (MS), onde administra com o irmão Atila a fazenda “Morada da Lua”, de 7 mil hectares, adquiria pelo doutor Nilo. Atila também é piloto, e a terceira geração de “voantes” está pronta para obter o brevê. Dois netos do doutor Nilo estão “solando”, termo designado para quem está prestes a fazer o primeiro voo no comando de uma aeronave.

PREVENIDO E REMEDIADO

Com mais de meio século passeando a milhares de pés de altura, Doutor Nilo será um ótimo conselheiro para os netos voadores. Ele é meticuloso e cuidadoso. Quando voa, lança um o olhar de águia para pistas de pouso alternativas, e as marca no GPS. Nunca se sabe quando irá precisar delas.

Quando venta muito no “focinho” do avião, sobe a 9 mil pés. “Lá em cima, na maioria das vezes, inverte a direção do vento, que passa a empurrar o aparelho”, ensina o veterano. Sempre desconfiado com os parâmetros apresentados no painel do avião, doutor Nilo faz as próprias contas da autonomia cruzando outras informações, afinal, para pane seca não tem remédio. “Sei exatamente qual é o consumo do aparelho, são queimados 30 litros de combustível por hora. A cada hora faço minhas anotações. Nunca tive problema com autonomia”, ensina.

Com tantas horas voos acumuladas, que inclui pilotagem até a divisa do Pará com o estado do Amazonas ao Norte, e “tiros” longos ao Chuí, no extremo Sul, doutor Nilo precisou improvisar em algumas situações, incluindo aí pousos de emergência na pista da rodovia. Mas não se assusta. “Toda atividade tem risco, do avião ao carro de boi. Atravessar a rua também é perigoso”, diz.

PENSAMENTO QUE VOA

Que passa pela cabeça de um “voante” solitário como Nilo Rezende, quando faz grandes travessias, como fez da região de Cuiabá até Cascavel em 3h50 minutos de voo? “Penso nos negócios, no prazer de voar, de olhar tudo lá do alto. Voar é um abra-te sésamo, amplia os horizontes, encurta as distâncias”, descreve o piloto.

E quando esse senhorzinho de 85 primaveras pretende parar? De momento o aparelho está em manutenção, batalhando escassas peças de reposição. Os mais cautelosos da família preferem vê-lo aposentado das nuvens. Mas ao Pitoco, doutor Nilo confidenciou que pretende pilotar até os 90 anos. “Sonho em ganhar o privilégio de mais meia dúzia de anos na aviação”, disse.

Assim segue o longevo aviador, que ao devotar uma vida aos voos, parece justificar o nome que deu à fazenda em Coxim: Morada da Lua. Para o Doutor Nilo Rezende, o céu não é o limite.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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