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A mala do Marcon

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O jovem que produzia carroças na Cascavel da primeira metade dos anos 1970 e trocou o fusquinha por uma biblioteca, foi barrado no curral político da cidade para na sequência consagrar-se no Direito Penal

Marcon com Luciano Veronese ao fundo, a mala de madeira e o fusquinha: a trajetória atípica do “doutor marceneiro” (Foto: Silvana Veronese)

Havia um cascavelense inquieto dormindo na praça Santos Andrade, em Curitiba, lá no meio dos anos 1970. Foram cinco longas madrugadas ao relento até que um conhecido estendeu a mão e providenciou um teto para o jovem que chegou descapitalizado à capital para cursar o pré-vestibular.

Anos depois, o menino provido de uma oratória singular se tornaria vice-prefeito de Cascavel e advogado criminalista de maior prestígio na Capital do Oeste. Adelino Marcon completou, no último dia 2 de maio, 45 anos de labuta nos tribunais.

Marcon esteve à frente de alguns dos casos mais rumorosos da aldeia, como o episódio que culminou em homicídio envolvendo os sócios do mais tradicional escritório de contabilidade de Cascavel, o Iguaçu.

Ao jovem que dormiu na praça oferecia-se, em dinheiro de hoje e no auge, algo como meio milhão de reais de honorários por causa. Quando a bronca era feia e envolvia gente de bolsos profundos, logo alguém dizia: “Chama o Marcon”.

O estágio a que o advogado chegou contrasta com a adolescência pobre. Visando guardar algum para bancar os estudos, o menino atuou como marceneiro. Produzia de carroças a estofados. Perfecionista, confeccionava a própria roupa. Desmanchou uma calça esfarrapada na marcenaria para usá-la como molde. Comprou o tecido, cortou sobre a antiga, desenhou, costurou e produziu a própria peça.

O primor dos objetos que lapidava em madeira, inclusa aqui uma mala para carregar os poucos pertences a Curitiba, lhe renderam em dado momento um fusquinha branco, que mais tarde trocaria “de mano” por uma biblioteca inteira. Ali havia toda uma coleção de livros jurídicos e uma preciosidade que influenciou profundamente a personalidade do advogado: “O Homem Medíocre”, do psiquiatra ítalo-argentino José Ingenieros.

A VOLTA

Naquele distante 1979 a mala de madeira viajou de volta para Cascavel trazendo o “canudo” de advogado. Com o prêmio de um concurso de oratória em que se consagrou vencedor, transcorrido em Belo Horizonte, Marcon montou um modesto escritório no edifício Dom Pedro, na rua Paraná, vizinho do colégio Marista.

Sua fala eloquente, agora sofisticada pelas vorazes leituras de uma biblioteca inteira, o alçaram para a condição de vice-prefeito de Fidelcino Tolentino (gestão 1983/1988). A eleição de 1982 foi um marco, a vitória do oposicionista MDB após uma sequência de prefeitos alinhados com a ditadura militar. Se vicejasse na época a idiotia política de hoje, Tolentino e Marcon seriam rapidamente carimbados de “perigosos comunistas”.

n Marcon com Luciano Veronese ao fundo, a mala de madeira e o fusquinha: a trajetória atípica do “doutor marceneiro”

O CURRAL DA SERPENTE

A caminhada de Marcon na política foi curta. Ali ele encontrou gente altruísta, mas também deparou-se com os “homens medíocres” de Ingenieros, gente que desconfiava de quem havia desenvolvido a condição de pensar pela própria cabeça.

Ele era impaciente com a mediocridade que condenava Cascavel à condição de uma cidadezinha paroquiana que cabia na mente da elite política da época, uma espécie de potreiro cultural dotado de elevadas barreiras a impedir o surgimento de novas lideranças – condição que insinua-se persistir em algumas cabeças até os dias de hoje.

“O Marcon já era um sujeito notável, mas não gostava de fumaça na cara e era impaciente para o varejinho da política”, relata o ex-deputado Hermes Parcianello. Marcon foi preterido na disputa interna do MDB, que acabou escolhendo para a condição de candidato a prefeito um recém-chegado à sigla, Salazar Barreiros. O homem da mala de madeira pode ter sido derrotado pelo lendário homem da mala de (vil) metal.

Fusquinha na mala

O advogado Adelino Marcon com a escultura presenteada pelas filhas e que traduz o gesto de trocar o carro por uma biblioteca (Foto: Silvana Veronese)

O 1º de maio de 2024 foi agitado entre o 8º e o 9º andar do edifício mais icônico de Cascavel, a torre corporativa em face para a Avenida Brasil do Central Park. É ali que passou a funcionar o escritório Adelino Marcon Advogados, após superadas a vacas magras do edifício Dom Pedro.

A turma do escritório preparou uma homenagem para celebrar os 45 anos de petições do chefe. Silvana Veronese, consagrada na vitrine da TV Tarobá, esposa do homenageado, caprichou. Ela resgatou a mala de madeira do “marceneiro” Adelino e a recheou com objetos que dialogavam com a carreira do advogado: ali estava uma miniatura do fusquinha branco e uma placa que recebeu na faculdade, entre outras lembranças.

Além dos nove advogados da banca – nenhum deles tinha nascido ainda quando Marcon abriu a portinha no Dom Pedro – estava presente o cunhado músico Luciano Veronese. Foi ele o responsável por levar o menino ao relento da praça Santos Andrade às lágrimas.

Veronese trouxe ao teclado a canção-tema do filme “Dois filhos de Francisco”, uma biografia cinematográfica da dupla Zezé di Camargo & Luciano. “No dia em que eu saí de casa” foi demais para o doutor marceneiro.

Que frase do livro que inspirou Marcon poderia ser entendida como transversal à sua obra como operador do Direito? Talvez esta aqui: “O medíocre aspira ser confundido entre os que o rodeiam; o original tende a se diferenciar deles. Enquanto um se conforma em pensar com a cabeça da sociedade, o outro aspira a pensar com a sua própria”.

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“A gente tá ficando mais burro”

Afiado nas redes sociais, lapidado na academia canadense, Henrique Mecabô pode elevar o nível do debate se não se perder na burrice ideológica

Mecabô na palestra sobre os efeitos da educação na primeira infância: tentação da vice com promessas duvidosas para 2026 e “sequestro” por base extremista são ameaças ao surgimento de uma jovem e promissora liderança

Há poucas dúvidas na pré-campanha de Cascavel de que o prefeiturável mais habilidoso no uso das redes sociais é o jovem Henrique Mecabô, do Novo. Nenhuma novidade. A faixa etária dele, composta de gente que não nasceu de parto normal, mas sim a partir de um dowload, contribui para o desempenho.

Em recente post, o pré-candidato surge em vídeo descrevendo pesquisa devidamente reproduzida e documentada na tela, mostrando que entre 1909 e 2013 o QI médio (Quociente de Inteligência) do brasileiro caiu. “Fomos o único entre 31 países pesquisados, que isso aconteceu. A gente tá ficando mais burro”, pontuou Mecabô.

Segundo ele, 60% das diferenças em performance acadêmica das crianças são definidas por genética, “restam 40% que podemos aprimorar”. Ainda segundo o pré-candidato, “sobra pouco para a gente potencializar a criança e esse pouco está na educação básica, na primeira infância, até os 8 anos de idade, é a oportunidade que temos de quebrar o ciclo da pobreza. E essa faixa etária está sob responsabilidade dos prefeitos”.

SETAS IDIOTIZANTES

Mecabô – se não se perder na discurseira ideológica idiotizante, sequestrado por segmentos ensaidecidos da base eleitoral radicalizada (e burra) – e se não se entregar a um papel secundário de candidato a vice-prefeito, terá ótimas credenciais para elevar o nível do debate no pleito deste ano.

Lustro acadêmico não lhe falta: obteve duas graduações simultaneamente em renomada universidade canadense aos 20 anos de idade: economia (mestre), e ciências políticas, sempre posicionado entre os 5% de alunos com melhor desempenho.

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Pedala, Robinho!

Designado pela Associação Nacional da Advocacia Criminal, criminalista cascavelense atuou na defesa do ex-jogador Robinho

Berti na Corte especial do STJ: missão impossível, apesar da qualidade argumentativa

O advogado cascavelense Marcio Berti, procurador geral da Associação Nacional da Advocacia Criminal, fez a sustentação oral na defesa do ex-jogador de futebol Robinho. O julgamento aconteceu em 20 de março último, na Corte especial do STJ.

A questão a decidir era homologar ou não decisão da Justiça italiana, que condenou o réu a 9 anos de prisão pelo crime de estupro.

“Argumentei que o fato imputado ao Robinho na Itália ocorreu em 2013. A lei que supostamente autoriza homologar uma decisão estrangeira é de 2017. Invoquei a irretroatividade”, explica Berti.

Apesar da qualidade técnica dos argumentos e da respeitabilidade do advogado o cascavelense nos tribunais, a força dos fatos, somada à comoção pública e à repercussão internacional, se impôs, e a condenação foi mantida. Pedala, Robinho!

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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