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“Nunca tive plano B”

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De vendedor de suco de groselha a imersão na floresta amazônica, onde trocou hectares de floresta por maços de Marlboro – e sobrevivente de duro embate com as multinacionais de pneus e da queda do avião – a trajetória atípica do dono da fábrica de prédios inaugurada em Cascavel

Chico Simeão na inauguração da fábrica de prédios: não entrou no avião que caiu, sobreviveu à floresta amazônica e fez fortuna na selva urbana

Antes de enfrentar a floresta urbana com a maior fábrica de prédios das Américas, Francisco Simeão submergiu na maior floresta do planeta, a amazônica. Foi na ampla residência dele, no alto de um bairro nobre de Curitiba, que o empresário recebeu o editor do Pitoco para a presente entrevista.

Da longa conversa, surgiram pontos quase desconhecidos da biografia de um dos maiores investidores em Cascavel na presente década, como a serraria de 1,2 mil funcionários no Pará. “Na época, anos 1970, pagava-se o equivalente a uma carteira de cigarro Marlboro por cada hectare. Então comprei um sitio de 17 km de fachada por 40 km de profundidade”, relata Simeão.

Foi ali, perto do nada e longe de tudo, o maior desafio do empreendedor. Ele já trazia alguma experiência na bagagem. Na infância, no Norte do Paraná, havia montado uma fábrica doméstica de fundo de quintal para produzir e vender suco de groselha. Sempre com pressa, viabilizou um “erro de datilografia” para obter a maioridade ainda aos 16 anos, visando o concurso do Banco do Brasil.

VIDA POR CONTINGÊNCIA

Aprovado, Simeão conciliou o emprego no BB com expediente na Fertiplan, uma empresa de fertilizantes. Antes da expedição amazônica, um fato mudaria a rota drasticamente. O primeiro escalão da Fertiplan morreu em trágico acidente aéreo em Santa Catarina no inverno de 1970. Simeão estaria no voo. Os planos mudaram no embarque, ele acabou ficando no aeroporto por uma contingência do destino.

Homens sem terra para terras sem homens. Esse era o mantra da ditadura militar para ocupar a Amazônia. Simeão não era exatamente um sem terra. Já havia ganho uma boa grana na Fertiplan, quando tornou-se o número dois do grupo. Uma vez na floresta inóspita, onde derrubou árvores centenárias de 35 metros de altura com dois metros de diâmetro, ele iniciou a linha de produção da Madeireira Verona S/A.

ACESO NA MATA

O maior desafio era a rotatividade no trabalho. “Ficavam 29 dias comigo, recebiam salário e uma cesta básica e fugiam na mesma noite floresta adentro”, relata. Homem “aceso”, como ele se define, ligeiro na matemática, Simeão propôs remuneração por produtividade. O sistema saltou da planilha de papel para as serrafitas da linha de produção. “Aumentou a carga horária do pessoal, mas triplicou o salário e zerou a rotatividade. Tinha gente querendo trabalhar 16 horas por dia”, disse.

Contribuíram para a “rotatividade zero” no RH as 170 casas de alvenaria, escola para 400 crianças e mini-hospital que o empreendedor encravou na floresta para os operários. “Grupos gigantes como a Bunge eram vizinhos e concorrentes. Eles produziam com o mesmo equipamento e igual mão de obra 800 metros cúbicos de madeira por mês, enquanto nós serrávamos 6 mil cúbicos, mais de sete vezes mais”, conta Simeão.

PARAZINHO E “SUJEIRA”

Impensável hoje exercer tal ofício na Amazônia, salvo que à margem da lei. Mas a vida era perigosa por lá. “Eu andava com um revólver na bota e a Mara, minha esposa, com outro na bolsa. E o problema não era com onça, não!”. Simeão relata que era protegido por dois “seguranças”, o “Sujeira” e o “Parazinho”, homens temidos na região, que haviam perdido nome, sobrenome e documentos nos descaminhos da vida.

O mundo da política tirou Chico da floresta. Foi para coordenar a candidatura ao governo do Paraná de José Richa, em 1982. Campanha vitoriosa, Simeão foi nomeado secretário de Estado da Indústria e Comércio. Depois teria mais uma participação no mundo das urnas, como 1º suplente do então senador Roberto Requião, na eleição de 2010.

Guerra dos pneus em Piraquara

Simeão, governador Ratinho Junior e prefeito Paranhos na inauguração da fábrica: “Aqui não tem propina”

Depois da passagem pela administração estadual, Chico Simeão montou a BS Colway, indústria de pneus remoldados, também com mais de mil funcionários, em Piraquara, região Metropolitana de Curitiba, já em sociedade com o amigo Luiz Bonacin. Aqui aplicou novamente a “lei da selva”: contratava jovens de primeiro emprego para formá-los em sua doutrina – remunerações por produtividade.

“Recebemos o prêmio de maior produtividade do planeta por capacidade nominal de máquinas instaladas e aí começou a guerra dos pneus, que relatei em livro de 400 páginas. Nosso pneu rodava o dobro com a metade do preço. O lobby das grandes multinacionais venceu e o governo proibiu a importação de nossas matérias primas da Europa. Tive que demitir todos os funcionários e fechar a fábrica em 2007”, relata.

SEM PLANO B

Não era gratuita a bronca da Goodyear, Pirelli, Michelin e outras gigantes com a fábrica do Chico. A BS Colway já havia abocanhado um apetitoso naco de mercado e feito um belo caixa. “Sabíamos o tamanho de quem enfrentaríamos. Mas não trabalho com plano B. Plano B é um desastre. Na primeira dificuldade você pula para o B. Então, prefiro ser derrotado no plano A, estabeleço com antecedência uma rota de fuga, e ganho um fôlego para um novo plano A”, ensina Simeão.

E o tal “plano de fuga” que permite um fôlego para retomar o “plano A” era bem consistente: nada menos que 120 milhões de dólares em caixa. Uma parte desta dinheirama veio parar em Cascavel, materializada na fábrica de prédios capaz de produzir 20 edifícios de 15 andares a cada 180 dias.

Bastidores de uma inauguração

Antes de assumir o microfone e discursar na inauguração da fábrica de prédios, no último dia 23, em Cascavel, Francisco Simeão rodou milhares de quilômetros em seu jato particular divulgando e aperfeiçoando o projeto Ecoparque Bairros Integrados.

De próprio punho, escreveu 2.100 páginas de textos e de planilhas do Excel, que depois foram condensadas em 64 páginas de um catálogo distribuido para 40 mil endereços pelos Correios, chegando a vereadores, prefeitos e secretários de todos os municípios com mais de 20 mil habitantes.

O evento reuniu centenas de espectadores de vários estados brasileiros, incluindo o governador Ratinho Junior e boa parcela da representação paranaense no Congresso Nacional, além da comitiva europeia que forneceu os equipamentos da fábrica.

Entre os convidados, o ex-prefeito de Foz do Iguaçu, Paulo Mac Donald, que obteve a façanha de incluir três escolas da fronteira no top 10 das melhores notas do IDEB. Ele contribuiu na elaboração do Ecoparque, projeto ambicioso na área da educação: “Não tenho receio de dizer que muito em breve Cascavel terá a melhor escola pública do Paraná e uma das melhores do Brasil”, disse Simeão.

O Bairro Integrado Ecoparque de Cascavel terá 4,3 mil apartamentos, cujas primeiras unidades serão entregues no próximo ano. O projeto global é bem mais abrangente, prevendo 20 fábricas em 12 estados até 2029 ao custo de R$ 4 bilhões.

Relação com o dinheiro

Em um país onde os homens e mulheres dotados de bolsos profundos têm receio de falar em dinheiro, Simeão fala abertamente. Ele disse que os 40 milhões de dólares que dispunha no plano de fuga o incomodavam e ele precisava dar uma destinação para aquilo.

Ele já vinha estudando as fábricas de prédios após uma visita dos representantes dos alemães que produzem os equipamentos. E de repente aparece o prefeito de Cascavel na residência dele, tentando convencê-lo de montar o projeto na Capital do Oeste.

“Não se ofenda, Paranhos. Não é para você que estou dizendo isso. Mas preciso avisar: o projeto é muito grande e não paga propina para ninguém”. A fala de Simeão vinha dos incômodos que teve com “quero-queros” da Câmara de Piraquara, onde instalaria o projeto piloto.

Simeão e o sócio Bonancin fizeram o que chamam de “poupança para aposentadoria” com a maior parte do “plano de fuga”. Construíram gigantescos condomínios de barracões industriais para locação. A receita dos empreendimentos está em R$ 10,2 milhões mensais. “É uma fortuna, jamais imaginei ganhar isso”, diz Simeão.

“Certa vez me perguntaram: você é ambicioso? Respondi: sim, sou. Perguntaram novamente: você gosta de dinheiro? Sim, gosto, respondi. Ao meu ver, a primeira obrigação do empresário é gerar lucro, fazer dinheiro, e depois fazer sua obrigação com a sociedade. Por último, e ainda naquela mesma abordagem, me perguntaram: onde você quer chegar? Respondi com uma palavra só: longe!”, relata o cara que não entrou no avião que caiu, sobreviveu à floresta amazônica e fez fortuna na selva urbana.

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Tão espetacular quanto inútil

Que relação é possível estabelecer entre uma goleada do Verdão nos anos 1970 com as agruras dos líderes políticos mais amados e odiados do Brasil contemporâneo?

Certa noite, aos 11 anos de idade, na casinha modesta em que morávamos no bairro Alto Alegre (construída para ser uma boate, com inúmeras janelas e minúsculos quartos) eu acompanhava no radinho de pilha a narração de uma partida de futebol na voz célebre de Osmar Santos pela rádio Globo.

O jogo terminou assim: Palmeiras 6 x 0 Sampaio Correia. Em dado momento do passeio alvi-verde sobre a multi-colorida equipe maranhense, o goleiro nordestino defendeu uma bola difícil, mas deu rebote que resultou em gol. Então Osmar Santos chamou um de seus comentaristas para analisar o lance. “A magnífica defesa do goleiro foi tão espetacular quanto inútil”, resumiu com maestria o comentarista.

Acredito que essa passagem, lá de 1978, remete para fatos contemporâneos, incluindo torcidas organizadas da política nacional. Quando Sergio Moro mandou o ponta esquerda Lula para o chuveiro da PF, em Curitiba, em abril de 2018, houve manifestações, concentração de gente, inclusive no dia da prisão, em São Bernardo do Campo.

ARQUIBANCADA CHEIA

Advertido com cartão amarelo e já enxergando a tarjeta vermelha ao fundo, o lateral direito Bolsonaro convocou a torcida para o último dia 25. 180 mil atenderam a convocação, segundo estatísticos da USP utilizando inteligência artificial nas contas. 750 mil, segundo a PM subordinada ao governador bolsonarista Tarcisio de Freitas. É bastante gente na arquibancada? Sim. Se a conta da PM estiver certa, seria suficiente para lotar 11 morumbis, o maior estádio paulista. Suponhamos que os cálculos estejam errados, e 2 milhões de pessoas tenham comparecido.

É bastante gente? Sim. Quanto representa na população brasileira de 203 milhões de almas? 1%. Se considerar a conta dos fardados, 0,3% dos brasileiros estavam lá, percentual semelhante que Lula arregimentou em São Bernardo naquele abril de clássico: 0,3%.

A MÃE DO JUIZ

Que cantos as diferentes torcidas fizeram ecoar no estádio a céu aberto? A turma do amarelo CBF cantarolou ôlas à liberdade de expressão, vaias ao STF e possivelmente o juiz foi xingado de ladrão, além de ouvir “mesuras” à sua mãe. É uma narrativa.

Já o time de vermelho disse: como quem pedia ditadura militar até ontem pode se utilizar de uma prerrogativa só possível em democracias (manifestações) para falar em liberdade? Mais narrativas.

Fato é que, findados os 90 minutos, após as belas manifestações de ambos os lados (em São Bernardo, em 2018, e na Paulista, em 2024), quando baixar a espuma, quando dissipar a fumaça, restará a Bolsonaro o que restou a Lula: a inegibilidade e a cadeia, mesmo que abreviadas a posterior por outros togados.Não há estádio cheio ou torcida alucinada capaz de mudar isso quando os ídolos políticos – na leitura do capas pretas – escorregam para além das quatro linhas do campo.

E AGORA, JOSÉ?

Ou seja, o alarido da torcida (como dizia Osmar Santos) perfaz um belo espetáculo de defesa “tão espetacular quanto inútil” – como complementaria o comentarista de cabelos prateados pelo luar do tempo.

Findo o espetáculo, segunda-feira brava de ressaca, estádio vazio – cujo gramado volta ser morada de estridentes quero-queros – restará aos eloquentes oradores do dia anterior os versos proféticos de Carlos Drummond de Andrade: “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? …que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José?”

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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