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A beleza do cabelo afro

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Francine Trento/OP

Tatiani Cattini aceitou seus cachos há nove anos: Faz parte da minha identidade, de quem eu sou

Não gostar da sua altura, do seu peso, da cor dos seus olhos. Essas são reclamações muito comuns que ouvimos todos os dias de muitas pessoas. Os altos padrões de beleza, muitas vezes impostos pela sociedade, fazem com que nunca gostemos de quem somos. Isso pode ser facilmente visto pelos dados apresentados pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (Isaps, na sigla em inglês), o qual mostra que o Brasil, somente em 2015, realizou 1,22 milhão de cirurgias plásticas. Mas não somente isso, outro detalhe que incomodou e ainda incomoda muita gente são os cabelos. O Brasil, na sua mistura étnica, apresenta os mais variados tipos. Aceitar estes tipos é que é o desafio.

Com uma população de 53,6% de negros (pretos e pardos), segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2014, os cabelos cacheados e crespos são comuns no país. Mas, apesar disso, ainda existe uma cultura em que os fios bonitos são os lisos. E para quebrar esse padrão muitas mulheres têm deixado seus cachos à mostra e mostrado que as ondas e o volume são belos e chegaram para ficar.

A liberdade dos cabelos cacheados e crespos começou há alguns anos, quando as mulheres passaram a ter mais representatividade em diversos meios. Dois grandes exemplos que podem ser citados são a Miss Universo 2011, a nigeriana Leila Lopes, e a atual Miss Paraná e Miss Brasil, Raissa Santana. As duas, vencendo os maiores concursos de beleza mundial e nacional, mostraram às mulheres que ter cabelos crespos e cacheados são sinônimo de beleza e identidade.

E toda essa representatividade e amor por ser quem realmente é inspirou e inspira muitas mulheres a deixarem as madeixas livres. Esse é o caso da cabeleireira Tatiani Cattini, que desde 2007 optou em manter seus cachos livres para serem como realmente são. Não é uma tendência ou modinha. Os meus cabelos mostram a minha identidade, eles representam quem eu sou, afirma.

Ela conta que quando era criança odiava os cabelos cacheados. Quando você é menor leva muito em consideração a opinião dos outros e, por isso, não gostava dos meus cachos. Lembro que culpava meu pai, porque os cabelos dele também eram cacheados, rememora. Algumas táticas utilizadas por Tatiani era amarrar o cabelo ou passar muito creme para deixá-lo mais baixo e com menos volume. Foi só quando fiz 15 anos que minha mãe me deixou alisar. Então eu fiz e adorei o resultado, diz. Porém, o processo foi feito somente uma vez. Depois comecei a passar chapinha para que ele continuasse liso, expõe.

Foi somente quando começou a trabalhar no salão de beleza que passou a gostar mais dos próprios cachos. Participei de uma feira de cabelos muito grande e comecei a gostar mais de mim assim, porque eu vi e entendi que ficava melhor. Aprendi sobre cabelos, tipo de rosto e traços e vi que o meu cabelo ficava melhor cacheado, afirma.

Foram três anos até que os cabelos de Tatiani se recuperassem do alisamento e voltassem ao natural. Foi preciso muita paciência, admite, enaltecendo que hoje, olhando para trás, se arrepende de ter alisado o cabelo. Atualmente ela tem um caso de amor com seus cachos. Quanto mais volume, mais eu gosto deles. E como existe uma infinidade de produtos para cuidar, ficou muito mais fácil, avalia.

Um conselho dado pela cabeleireira para que as pessoas mantenham os cachos e os aceitem é que o exemplo deve começar de casa. Acho que é importante os pais falarem em casa com a criança como o filho é bonito daquele jeito. A criança sempre tem os pais como espelho e, se eles falam isso, aumenta a autoestima do pequeno, tornando-o mais forte até mesmo para encarar algumas brincadeiras ou piadinhas que podem ser feitas, comenta.

Ela ainda acrescenta que como há tantos acessórios disponíveis, como laços e turbantes, as opções para deixar os cabelos da criança livre são inúmeras.

 

Transformação

Quem também passou pela transformação de aceitação dos cabelos cacheados foi a professora de inglês Angélica Coelli. Ela conta que quando era adolescente fazia escova, além de um tratamento para diminuir o volume, mas que ainda mantinha os cachos. Quando era criança pedi mais de uma vez para minha mãe porque meu cabelo não era liso como o das minhas amigas e, na adolescência, insisti para que ela, que é cabeleireira, alisasse meus cachos, mas ela se recusou, dizendo que eu ainda amaria meu cabelo, recorda-se.

Ela lembra que sofria preconceito por conta dos cabelos cacheados. Na escola e até mesmo na família algumas pessoas já fizeram piadinhas sobre o meu cabelo, que envolviam, na maior parte das vezes, chamá-lo de cabelo bombril ou me perguntavam porque eu não o alisava, revela.

Mas foi somente aos 17 anos que a professora aprendeu a amar seus cabelos do jeito que são. Foi só nessa época que passei a usar meu cabelo solto e comecei a aprender como cuidar dele, comenta. Hoje, Angélica acredita que seus cabelos cacheados fazem parte da própria identidade. Ter cabelo cacheado e volumoso faz parte do meu estilo, é uma atitude e requer aceitação própria, especialmente em uma região onde o cabelo cacheado não tem tanta representatividade, diz.

Sobre usar seus cabelos na forma natural hoje, ela argumenta que os cabelos cacheados e crespos fazem parte do que as pessoas são e de suas origens e, desta forma, eles contam a história de cada um. É importante que as meninas que têm os cabelos assim não se envergonhem de quem são, nem se preocupem com o que os outros vão pensar do volumão que está ostentando. Eventualmente, as pessoas se acostumarão e, espero, deixarão de perguntar o porquê de não alisarmos nossos cachos, pois a resposta será óbvia: eles são maravilhosos, enaltece.

Outro ponto destacado por Angélica também foi a representatividade que começou a existir de forma mais presente, principalmente com a vitória de uma negra como Miss Brasil 2016. É uma paranaense que agora nos representa nacionalmente, representa o que a beleza negra tem de melhor e, mais do que isso, representa a quebra de um paradigma, pois o Brasil não é feito só de mulheres brancas, que, certamente, têm sua própria beleza, mas é, sim, repleto de cores e diferenças, como nossos cabelos, o que precisa ser apreciado, principalmente, por nós mesmas. Auto aceitação é uma atitude, reitera.

 

Arquivo pessoal
Angélica Coelli deixou os cachos desde criança: Minha mãe me ensinou a amar meus cabelos como são”


Cuidados com os cachos

E para aquelas que pretendem deixar os cachos livres e do jeito que são, a cabeleireira Tatiani Cattini dá algumas dicas de cuidados. O corte é algo fundamental. Um bom corte ajuda a definir muito mais o cabelo enrolado, comenta.

Outro aspecto importante são os cuidados necessários. A oleosidade natural do cabelo não consegue chegar até as pontas, por isso são mais ressecadas. Aí é importante usar produtos específicos para cabelos cacheados, como shampoo, condicionador, máscara e hidratante, sugere, reiterando que a hidratação é fundamental para definir o cacho. É preciso ter água dentro dele para ficar bonito, por isso é sempre bom usar produtos hidratantes e finalizador, diz.

Outro detalhe é o pentear. É importante não pentear, isso desmancha o cacho. Um truque para pentear na hora do banho ou de passar produto é utilizar pente de dente largo ou mesmo com os dedos para criar separação e formar os cachos, comenta a profissional.

Tatiani também afirma que o modo de secar faz toda a diferença. Você tem que respeitar o sentido do cabelo, como o cacho se forma. Então a melhor forma é ir aos poucos amassando. Isso ajuda a definir melhor o cacho, auxilia a se ajeitar, detalha.

Apesar de parecer bastante coisa, Tatiani garante que os cabelos cacheados são fáceis de manter. Parece ser muita coisa à primeira vista, mas não é difícil e nem complicado, afirma.

 

Algumas dicas para o dia a dia

Você é o que você come. Cuide da alimentação

A saúde da nossa pele e do nosso cabelo depende muito do que comemos. Portanto, se você quer cuidar do seu cabelo, manter uma dieta equilibrada é o primeiro passo. Tenha certeza de que a sua alimentação inclui muitas proteínas, vegetais frescos e água.

 

Cuidado na hora de desembaraçar

Uma das formas mais tranquilas de desembaraçar os fios do cabelo afro é usando pentes de dentes largos. Se eles forem feitos de madeira, melhor ainda. Outra forma é desembaraçar com os dedos na hora do banho.

 

Escolha um leave-in para chamar de seu

Quando você precisa arrumar os cabelos após o banho é importante caprichar no leave-in. É que ele vai funcionar como um finalizador de penteado. Basta você ajeitar os fios com os dedos, mas é importante não exagerar na quantidade e nem passar o produto na raiz, pois pode fazer com que os produtos fiquem acumulado nos fios.

 

Lembre-se que hidratação é importante

Fios hidratados são sinal de que seu cabelo afro está saudável. A dica é fazer uma hidratação profunda uma vez por semana ou a cada 15 dias.

 

Lavou? Cuidado ao secar!

Se você tem um cabelo afro com formação de cachos, para evitar que as ondas fiquem com frizz ou disformes é importante, na hora de secar, usar o secador sempre com difusor. E na hora de secar também tem um truque básico: segure sempre de baixo para cima, e não esqueça de aplicar o protetor térmico antes.

Cuidado com a química

Tem um monte de naturalista que opta por procedimentos químicos para mudar a cor do cabelo. E isso não tem problema nenhum, mas na hora de optar por luzes e tinturas é importante prestar atenção para que o cabelo saia saudável depois de qualquer procedimento.

 

Capriche no corte

Peça para um profissional que conheça bem os cabelos afros para lhe indicar um corte que combine com o formato do seu rosto e seu estilo. Em linhas gerais, as camadas são indicadas para quem quer reduzir o volume e o repicado para quando você deseja valorizar o volume, mas o que a maioria dos cabeleireiros concorda é que a base reta deixará as madeixas com o topo baixo e as pontas mais cheias, criando um aspecto indesejado de triângulo.

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