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Geral Emenda Constitucional nº 103/19

Utilização do tempo de serviço público para aposentadoria extingue vínculo trabalhista

Em Consulta, TCE-PR orienta que a nova regra de aposentadoria disposta no parágrafo 14 do artigo 37 da Constituição Federal, incluída pela EC nº 103/19, vale desde 13 de novembro de 2019

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(Foto: Divulgação)

O empregado ou servidor público que se aposentar com a utilização do tempo de contribuição do cargo, emprego ou função pública deve ter seu vínculo trabalhista com a administração pública rompido, pois essa é uma das causas constitucionais de extinção compulsória desse vínculo. Assim, nesse caso, não é necessário que o empregado celetista peça exoneração.

O parágrafo 14 do artigo 37 da Constituição Federal (CF/88), incluído pela Emenda Constitucional (EC) nº 103/19, constitui nova modalidade de extinção compulsória do vínculo empregatício do servidor ou empregado público filiado ao Regime Geral de Previdência Social (Rgps). Então, a natureza do dispositivo é constitucional-administrativa e não trabalhista.

Dessa forma, não é possível atribuir a responsabilidade a qualquer dos envolvidos na relação laboral pela extinção do contrato de trabalho, já que para os servidores e empregados públicos celetistas a nova previsão de causa de demissão não se enquadra em nenhuma das hipóteses de rescisão contratual elencadas nos artigos 482, 483, 484 e 484-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Portanto, o instituto do aviso prévio, disciplinado pelo artigo 487 da CLT, e a obrigatoriedade do depósito da multa de 40% ou 20% na conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Fgts) são incompatíveis com a extinção do vínculo laboral de servidor ou empregado público fundamentada nos termos do parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88. Assim, é legítimo e recomendado ao jurisdicionado a instituição de normas internas que viabilizem a operacionalização dessa extinção.

Logo, ao tomar conhecimento da aposentadoria concedida nesses termos, a administração pública tem o dever de romper vínculo de trabalho por ato próprio. Isso porque a permanência do vínculo laboral, mediante a concessão de aposentadoria com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, somente é permitida para aposentadorias concedidas pelo Rgps antes de 13 de novembro de 2019, data de entrada em vigor da EC nº 103/19.

No entanto, é ilegal, inoportuna e ineficiente a imposição de qualquer restrição à manutenção do vínculo daquele que ocupa cargo exclusivamente comissionado e se aposenta voluntariamente pelo Rgps com a utilização do tempo de contribuição desse cargo. Até mesmo em razão dos métodos hermenêuticos histórico, teleológico e sistemático empregados na interpretação do novo instituto constitucional.

Como as mudanças introduzidas pela EC nº 103/19 eliminaram as diferenças entre aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, as disposições do parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88 aplicam-se indistintamente a qualquer tipo de aposentadoria.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde Costa Oeste do Paraná (Ciscopar), a respeito da aplicação das disposições do parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88, introduzido pela EC nº 103/19.

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que o empregado ou servidor que vier a se aposentar com a utilização do tempo de contribuição do cargo, emprego ou função ocupada deve ter seu vínculo com a administração pública rompido, pois trata-se de uma das causas de extinção compulsória desse vínculo, nos termos do parágrafo 14 do artigo 37 da Constituição Federal. Assim, não é necessário o cumprimento aviso prévio em relação à vacância do cargo ou emprego.

A unidade técnica destacou que o rompimento do vínculo com a administração pública nesse caso ocorre por força de lei, independe da comunicação ou solicitação do empregado e é obrigatório para a administração pública. Portanto, não é cabível o pagamento ou desconto de verbas relativas à demissão sem justa causa ou por justa causa.

A CGM também lembrou que o novo dispositivo constitucional não estabeleceu nenhuma distinção entre empregados e servidores públicos; e que ele é aplicável, indistintamente, a qualquer tipo de aposentadoria, pois a EC nº 103/19 eliminou as diferenças entre aposentadorias por tempo de contribuição e por idade.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) ressaltou que, como a extinção do vínculo laboral nesse caso decorre de norma constitucional, é dever dos órgãos e entidades empregadores procedê-la independente de pedido do empregado; é dispensado o instituto do aviso prévio e sua respectiva indenização; não é cabível verificação de causa justa ou não; e não há incidência de aviso prévio e multa sobre o saldo do Fgts.

O órgão ministerial salientou que o rompimento do vínculo não é obrigatório no caso de empregado público ocupante exclusivamente de cargo em comissão, pois o aposentado poderá exercer o mesmo cargo em comissão ou outro diverso no mesmo órgão, de acordo com o disposto no parágrafo 10 do artigo 37 da CF/88.

O MPC-PR afirmou, ainda, que o novo dispositivo constitucional não faz qualquer distinção quanto à espécie de aposentadoria concedida.

Legislação

O parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88 dispõe que a aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Rgps, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

A EC nº 103/19 altera o Sistema de Previdência Social e estabelece regras de transição. O seu artigo 1º inseriu o parágrafo 14 no texto do artigo 37 do texto constitucional.

Essa emenda fixa que, no âmbito da União, o servidor abrangido por Rpps será aposentado aos 62 anos de idade, se mulher, e aos 65 anos, se homem; e, no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas constituições e leis orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.

O artigo 6º da EC nº 103/19 estabelece que o disposto no parágrafo 14 do artigo 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Rgps até a data de entrada em vigor dessa emenda.

O parágrafo 10 do artigo 37 da CF/88 ressalva a vedação da percepção simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública para os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

O Capítulo V da CLT trata da rescisão do contrato de trabalho. O artigo 482 desse capítulo fixa as hipóteses que constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.

O artigo 483 da CLT dispõe sobre as situações em que o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização. O artigo seguinte (484) expressa que “havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do contrato de trabalho, o tribunal de trabalho reduzirá a indenização a que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por metade.

O artigo 484-A da CLT estabelece que o contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas determinadas verbas trabalhistas.

O capítulo seguinte da CLT (VI) trata do instituto do aviso prévio. Em seu artigo 487 está disposto que, se não houver prazo estipulado, a parte que quiser rescindir o contrato sem justo motivo deverá avisar a outra da sua resolução com antecedência e define os prazos desse aviso a cada caso.

O artigo 18 da Lei Federal nº 8.036/90, que dispõe sobre o Fgts, fixa que se ocorrer rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador, ele ficará obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no Fgts os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.

O parágrafo 1º desse artigo estabelece que, na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, ele depositará, na conta vinculada do trabalhador no Fgts, importância igual a 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.

O parágrafo seguinte (2º) expressa que, quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o parágrafo 1º será de 20%.

Decisão

O relator do processo, conselheiro Nestor Baptista, afirmou que o parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88 instituiu uma nova modalidade de extinção do vínculo empregatício do ocupante de emprego ou cargo público vinculado ao Rgps; e que a nova permissão de demissão possui natureza constitucional-administrativa e não trabalhista.

Baptista ressaltou que a nova previsão uniformizou o tratamento a ocupante de cargos, empregos e funções públicas, ao impedir a permanência de servidor ou empregado público em atividade após a concessão de sua aposentadoria, independentemente do regime previdenciário a que ele esteja vinculado.

Dessa forma, o conselheiro concluiu que essa regra constitucional não se enquadra nos permissivos à rescisão contratual elencados nos artigos 482, 483, 484 e 484-A da CLT. Assim, ele frisou que não se pode atribuir a responsabilidade a qualquer dos envolvidos na relação de trabalho pela extinção do contrato laboral de empregado público regido pela CLT em decorrência da aplicação do disposto no parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88.

Portanto, o relator decidiu que não há, consequentemente, cumprimento ou pagamento de aviso prévio; e não há obrigatoriedade do depósito da multa de 40% ou 20% na conta vinculada do trabalhador no Fgts. Mas ele lembrou que o jurisdicionado poderá, por meio de normas internas, instituir os procedimentos necessários à operacionalização dos tramites necessários ao cumprimento dessa disposição constitucional.

Baptista frisou que, desde a entrada em vigor do parágrafo 10 do artigo 37 da CF/88 pela EC nº 20/88, nunca houve na jurisprudência dos tribunais superiores e do TCE-PR qualquer entendimento que proibisse aquele que se aposentou pelo Rpps de manter-se no exercício de cargo em comissão que ocupava ou de ser nomeado posteriormente como comissionado.

Assim, o conselheiro afirmou que é cabível a aplicação desse mesmo entendimento ao ocupante exclusivo de cargo em comissão que tenha se aposentado pelo Rgps com o uso de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública; e, portanto, é possível que nesse caso o comissionado exerça as suas atribuições após a concessão de sua aposentadoria voluntária.

O relator concluiu que é ilegal, inoportuna e ineficiente a imposição de qualquer restrição à manutenção do vínculo daquele que ocupa cargo exclusivamente comissionado e aposenta-se voluntariamente pelo Rgps com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública.

Finalmente, Baptista lembrou que as mudanças introduzidas pela EC nº 103/19 eliminaram as diferenças entre aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, razão pela qual o parágrafo 14 do artigo 37 da CF/88 é aplicável indistintamente a qualquer tipo de aposentadoria.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão nº 4/22 do plenário virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 31 de março passado. O Acórdão nº 682/22 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 6 de abril, na edição nº 2.744 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 19 de abril.

Com assessoria

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