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Dom João Carlos Seneme

Hoje nasceu para nós o Salvador, Cristo Senhor

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Dois termos se sucedem nas leituras da Liturgia: luz e palavra. Uma Palavra que é luz, uma Palavra que ilumina, porque o próprio Deus é Luz e “nele não há trevas” (1Jo 1,5). A luz já não é um elemento natural, mas se torna a própria imagem de Deus que quer chegar até nós, que dissipa as trevas com o fulgor da sua glória.

Tentemos imaginar: vagar no escuro é não saber para onde ir, correr o risco de tropeçar e cair, ser presa dos terrores da noite. A humanidade estava assim: perdida nas trevas do pecado e da morte, incapaz de dar a si mesma uma esperança, uma saída. A única certeza era a morte.

Isaías, desejando ardentemente a vinda do Messias, diz: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre os que habitavam na terra das trevas uma luz brilhou” (Is 9, 1.2). Este texto abre a Vigília da noite de Natal: Aquele que vem vencer a noite do mal, toca a nossa escuridão e ela desaparece, é a vinda da segunda pessoa da Santíssima Trindade: Jesus, o Filho de Deus.

Esta luz que brilha “é a irradiação da sua glória e a marca da sua identidade, e tudo sustenta com a sua palavra poderosa”, como diz o texto da Carta aos Hebreus proposto para a Missa do dia de Natal.

Luz, brilho, esplendor, mas o que vemos é apenas uma criança. A Luz divina é tão grande que ofusca, cega e não nos deixa ver. A eterna Palavra de Deus se torna um grito. O sinal que será dado aos pastores é uma criança colocada em uma manjedoura: nada grandioso. Só a fé permite se deixar iluminar por uma luz que parece invisível; e ao mesmo tempo só quem conhece a própria noite pode distinguir os lampejos da verdadeira Luz. Por outro lado, aqueles que são iluminados por outras “luzes” não poderão perceber esse dom.

O prólogo de João nos leva à contemplação do mistério da Encarnação, fala do Verbo de Deus na sua existente divina e depois na sua encarnação. Ele a define como “Vida”: no pensamento bíblico, só Deus vive em sentido absoluto. Sem Deus só há morte. Se alguém quer viver, deve estar unido a Ele. Portanto, nossa vida está em no relacionamento com o Deus Vivo. O Verbo possui esta vida: Jesus Cristo dirá de si mesmo: “Eu sou a vida” (Jo 14,6).

A Palavra é a luz da Vida, termo simbolicamente muito forte: lembramos da fotossíntese, que permite a vida da natureza. Só Ele, portanto, permite a vida em nós. A própria vida de Deus se torna visível para nós no Filho. E Ele é Luz: as trevas não venceram, não têm poder sobre Ele. A vitória resplandece desde o início: a encarnação que exprime o “esvaziamento” (kenosis) da segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tem a sua realização na própria morte d’Aquele que quis nascer homem. Os ícones bizantinos representam o recém-nascido envolto em bandagens e colocado em um pequeno túmulo: o mistério pascal de Cristo, morto e ressuscitado, já está prefigurado no nascimento.

O primeiro prefácio da Liturgia de Natal nos inunda de luz: “No mistério da encarnação de vosso Filho, nova luz da vossa glória brilhou para nós. E, reconhecendo a Jesus como Deus visível a nossos olhos, aprendemos a amar nele a divindade que não vemos”. Quem vê Jesus Cristo, contempla Deus; vemos a luz, descobrimos o brilho divino. A própria luz de Deus nos alcança em Jesus Cristo. É Ele que vem ao nosso encontro no Filho, e isto significa que o destino é o próprio Deus.

Feliz e abençoado Natal a todos, repleto de paz e de esperança, na verdade e no amor, porque hoje nasceu para nós o Salvador, Cristo Senhor.

Por Dom João Carlos Seneme. Ele é bispo da Diocese de Toledo

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