Fale com a gente

Dom João Carlos Seneme

Ser discípulo de Cristo é assumir os mesmos sentimentos de Cristo

Publicado

em

O profeta Jeremias, na primeira leitura deste domingo (3), experimenta a frustração de não ter o controle da sua própria vida. No início da vida de Jeremias, ele respondeu com relutância ao chamado do Senhor: “Ah, Senhor Deus! Na verdade, não sei falar, pois sou apenas um menino” (Is 1,6). Mas Deus convenceu o jovem Jeremias de que a presença e a proteção divina estariam com ele para resgatá-lo de qualquer perigo (cf. Is 1,8).

Agora, Jeremias, mais velho e mais sábio, está chateado porque Deus não cumpriu a sua parte no acordo. A dor e a frustração são evidentes: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir… o dia todo sou objeto de riso; todos zombam de mim” (Is 20,7).

Independentemente deste verdadeiro desespero, a promessa original de Deus sustenta o cântico de lamento de Jeremias. Nos versículos seguintes, o profeta rompe a sua frustração: “Mas o Senhor está comigo, como um poderoso campeão: os meus perseguidores tropeçarão, não prevalecerão” (Is 20,11).

Também para Pedro, no Evangelho (Mt 16,21-27), descobre que seguir Jesus não é um caminho fácil e evidente. Os Evangelhos dos domingos anteriores destacaram o relacionamento turbulento de Pedro com Cristo. Coisas significativas são, muitas vezes, difíceis e, é justamente neste ponto do discipulado de Pedro, que ele tem muito a aprender. Ele não consegue ver com clareza aonde sua vocação o levará.

Jesus repetidamente desafiou Pedro a crescer e amadurecer no Espírito. Às vezes, esses desafios são difíceis.

Quando Pedro não consegue andar sobre as águas, Jesus lhe diz: “Homem de pouca fé” (Mt 14,31). No Evangelho do domingo passado, o desafio foi encorajador, de modo que Jesus o chamou de “rocha” sobre a qual permaneceriam firmes os alicerces da Igreja (Mt 16,18).

No Evangelho deste domingo, Pedro é desafiado mais uma vez. Pela primeira vez no Evangelho de Mateus, o leitor é apresentado a um dos três anúncios da Paixão. Jesus fala de sofrer e de tomar a cruz; Pedro se revolta e se nega a aceitar esse caminho. Jesus responde claramente ao mal-entendido de Pedro: “Afasta-te de mim de mim, Satanás! Pensas de modo humano, não de acordo com Deus” (Mt 16,23).

Pedro tenta afastar Jesus de sua missão. Neste momento, não é Deus quem fala através de Pedro, é Pedro quem se deixa levar pelo seu próprio impulso. Ele está disposto a aceitar Jesus como um Messias vitorioso, não como um Servo de Deus. Pedro passa de “bem-aventurado” a tropeço (satanás) no caminho de Jesus. Que chicotada para Pedro passar de “rocha” da igreja para então se tornar um satanás! Vemos aqui o árduo caminho de Pedro para se tornar discípulo de Jesus e, depois, líder da Igreja de Jesus.

Jeremias e Pedro encontram suas frustrações aliviadas à medida que avançam em sua caminhada. Ser um “servo do Senhor” não é uma questão de seguir instruções claras, e isso pode parecer como se alguém está tropeçando na vida ou até mesmo ser tomado pelo desespero.

Na verdade, é a intuição de Jeremias que nos ajuda a rezar com estas leituras. O servo fiel pode experimentar a frustração, mas no final, aqueles que se rebelam com Deus são os que lutarão: “Os meus perseguidores tropeçarão”, diz o profeta numa idade de maior maturidade, “eles não prevalecerão”. Leva tempo para que o drama da vocação se desenvolva. É preciso confiança.

O Mês da Bíblia deste ano tem como tema a Carta aos Efésios e lema “Vestir-se da nova humanidade” (cf. Ef 4,24). O texto-base oferecido para orientar a vivência do Mês da Bíblia procura explorar o sentido da unidade do corpo de Cristo, “que significa a vivência como filhos e filhas reconciliados em Deus para assumir no cotidiano a vida experimentada no Batismo, seja de forma individual quanto em comunidade”.

Por Dom João Carlos Seneme. Ele é bispo da Diocese de Toledo

revistacristorei@diocesetoledo.org

Copyright © 2017 O Presente