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O salto quântico do sapo

Do anfíbio que revelava se a mulher estava grávida ou não até o robô Da Vinci, do Hospital São Lucas, as sete décadas que constituíram o polo de saúde de Cascavel

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Quando o médico Wilson Joffre Soares dos Santos chegou a Cascavel, na segunda metade da década de 1940, Da Vinci era “apenas” cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, escultor, arquiteto, botânico, poeta, músico e pintor do quadro mais famoso do planeta, Mona Lisa.

Se o doutor Wilson Joffre, pioneiro da medicina local, pudesse retornar hoje, encontraria Da Vinci no Hospital São Lucas. Trata-se de um robô de última geração, capaz de suturar um “grão” de uva de um centímetro dentro de uma garrafa de vidro.

O Da Vinci operando aqui com seus braços robóticos em visualização ampliada e tridimensional do campo cirúrgico, controlado pelo médico através de um joystick, é capaz de procedimentos muito complexos, como a hepatectomia para retirada de tumores no fígado e pâncreas.

Joffre estaria pasmo com o estágio a que o polo de saúde de Cascavel chegou em sete décadas, mesmo sendo ele um anunciador do progresso.

“Quando a gente chegava no alto da Avenida Foz do Iguaçu, hoje Avenida Tancredo Neves, o doutor olhava para o espigão da Avenida Brasil e dizia: essa cidade será uma grande metrópole”, relatava o pioneiro Jairo Fabrício Lemos, motorista de Joffre na década de 1950.

PAPEL DAS BENZEDEIRAS

É preciso contextualizar a época: as figuras mais conhecidas da “medicina alternativa” nos anos em que Joffre instalou o primeiro hospital da cidade – na quadra que hoje abriga o centro comercial Quatro Estações – eram o arrumador de ossos Pedro Zandoná, as benzedeiras dona Bela (do bairro Alto Alegre) e dona Ema Zandoná, do Hotel Gaúcho, além das “enfermeiras práticas” Maria e dona Elvira Feiten Franz.

Alguns destes “práticos” não fariam feio em Cascavel na pandemia de Covid, em meio à pajelança da cloroquina e da ivermectina.

Dona Elvira dava bem a dimensão das “sofisticadas” técnicas medicinais da época. “Ela criava sapos aqui no centro, atrás da loja das Pernambucanas. E os anfíbios serviam para o teste de gravidez. Injetava-se a urina da suposta grávida no sapo, e em 12 horas tinha-se o resultado se a mulher estava ou não em estado interessante”, relata Beto Pompeu, que viu e ouviu o criame de sapos, por avizinhar-se de “parede e meia” com os bichos.

PULO DO SAPO

O salto quântico do sapo da dona Elvira para o robô Da Vinci não é apenas quantitativo. É também, e sobretudo, qualitativo. Apenas 5% dos hospitais brasileiros ostentam o selo da Organização Nacional de Acreditação, dois deles estão em Cascavel: Policlínica e Hospital dos Olhos.

O segmento é representativo na economia local com impacto pulverizado em diversos setores. Criar sapos entre a Avenida Brasil e a Paraná nos anos 1950 devia ter um custo. Adquirir o robô Da Vinci e instalar no São Lucas é bem outro: algo em torno de R$ 16 milhões. E essa é apenas uma fração ínfima do investimento dos Gurgacz ali.

Há obras e investimentos relevantes também no HUOP, Uopeccan, Hospital de Olhos, Gastroclínica e Ceonc. Este último está erigindo dois prédios, um deles para um centro médico voltado à oncologia. A propósito, a região que abriga o Ceonc e a Policlinica vai receber novos centros médicos em breve, com áreas já adquiridas.

Esses prédios projetados para abrigar consultórios estão em alta no polo de saúde de Cascavel. A quadra que abrigava o Moinho Badotti, no centro, recebe o mais vistoso deles, em estágio avançado de edificação, o Dom Medical Center, oferece consultórios de 41 a mil metros quadrados.

NOVOS POLOS

Ambos os shoppings anunciados em Cascavel, o Catuaí (em construção na região do Lago) e o Multiplex, em fase final de projeto pela Construtora JL estão incluindo centros de saúde no escopo.

O Multiplex designa uma torre inteira para consultórios e une-se geograficamente ao Coop e ao Hospital Gênesis para criar um pujante polo de saúde entre a Tancredo Neves e a Avenida Assunção, na região do bairro Alto Alegre.

Os doutores acumulam influência econômica também. Consultas de até R$ 1 mil e procedimentos estéticos de mais de R$ 30 mil asseguram ganhos acima de R$ 100 mil mensais no CPF da nata da medicina local.

Quando se fala em lançamento de veículos de luxo ou imóveis de alto padrão, uma das primeiras prospecções é no mailing list da Associação Médica de Cascavel. Os vendedores sabem onde está o dinheiro.

Pioneiro da medicina em Cascavel, Wilson Joffre (à esquerda), e Guilherme Senn (Imagem: Museu de Imagem e do Som Xico Tebaldi)

DOUTOR E A URNA

O último levantamento realizado no portal do Conselho Regional de Medicina aponta para mais de 1,7 mil médicos atuando em Cascavel. Alguns deles, ao longo da história, enfrentaram com sucesso o mundo das urnas.

O cardiologista Lisias Tome foi prefeito; Jadir de Matos, vereador e vice-prefeito. Frequentaram a Câmara Municipal também, entre outros, os médicos Bocasanta, Burgarelli, Adarcino Amorin, Emerson Vilanova, Ramão Vaucher, Doutor Bacana e Eliza Vieira Simioni, primeira mulher eleita vereadora aqui, em 1968.

SAPIÊNCIA DO SAPO

A técnica de injetar urina da suposta grávida em sapos e rãs já era aplicada nos EUA e Europa pelo menos desde 1930. Após um período de oito a 12 horas, tinha-se a resposta: se o anfíbio tivesse posto ovos, a gravidez estava confirmada; caso contrário, era descartada.

Diferente da “milagrosa” cloroquina, o sapo, que nunca frequentou faculdade de medicina, na expressiva maioria das vezes certava o prognóstico.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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