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Elio Migliorança

Para entender a rasteira

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Quando Erwin Tumiri, técnico de voo do avião que caiu matando quase toda a delegação da Chapecoense e jornalistas, foi resgatado, disse aos bombeiros que parecia estar acordando de um pesadelo e que o acidente não tinha sido real, tal o choque e o estado de torpor em que se encontrava.

Ao amanhecer de quarta-feira (30/11), quando os olhos do Brasil e do mundo estavam voltados para a Colômbia, chorando pelos mortos e torcendo pelos sobreviventes, nós também amanhecemos estupefatos e nem querendo acreditar no que tinha acontecido naquela noite de terça-feira (29/11).

Os deputados federais tinham votado na madrugada o projeto de lei apresentado pelo Ministério Público Federal, respaldado por 2,5 milhões de assinaturas e contendo as dez medidas contra a corrupção.

Segundo os analistas que se debruçaram sobre o projeto aprovado, ele foi desfigurado a tal ponto que nem mais se parece com o original, e esta foi sem dúvida a rasteira do ano, tratando como se idiotas fossem os 2,5 milhões de brasileiros que subscreveram o projeto.

Mesmo chorando a perda de tantas vidas de forma inesperada e irresponsável como se confirmou depois, sobrou tempo para um olhar mais atento aos nomes daqueles que votaram a favor da desfiguração do projeto, uma manobra digna de ratos da pior espécie cujo objetivo foi salvar a própria pele.

Isso fica comprovado na consulta aos arquivos onde estão registrados os processos nas diversas esferas do Judiciário. Neles consta que 312 deputados federais respondem a ações na Justiça, seja na área Cível, Criminal ou Eleitoral, somando 1.396 processos em andamento. É o retrato de um Congresso Nacional em estado de decomposição moral jamais visto na história do país.

É fácil entender a pressa e a forma sorrateira com que isso foi feito na madrugada durante um dos episódios mais tristes da história do futebol brasileiro. Aliás, só para registrar que enquanto muitas autoridades ligadas ao esporte nacional foram à Colômbia prestar apoio na liberação dos corpos e solidariedade aos sobreviventes, o presidente da CBF não pode viajar, pois se sair do país será preso pela Interpol, já que consta na lista de procurados daquela organização internacional de polícia criminal.

Já o presidente da República tinha decidido não ir ao estádio da Chapecoense para o velório por medo de ser vaiado, mas como aquela ideia dos familiares irem ao aeroporto para receber uma medalha em homenagem aos falecidos não deu certo, pois parte se recusou a comparecer e temendo o fiasco de sobrarem muitas medalhas nas mãos presidenciais, decidiu na última hora ir à cerimônia de despedida, entre outras coisas para descobrir que o povo de Chapecó é educado e ordeiro e que sabe separar as coisas, pois aquele não era o momento de vaiar ninguém. O povo de Chapecó tem uma cultura e ética que o presidente e seus assessores não sabiam existirem no Brasil.

Voltando ao projeto que foi estuprado em seu conteúdo, na verdade a versão final acabou apoiando a corrupção, pois foi rejeitado o artigo que enquadrava o enriquecimento ilícito como crime, bem como a obrigatoriedade de devolução dos recursos desviados, absurdos que provocaram ira e indignação nacional. A reação foi tão barulhenta que a possibilidade de reversão está a caminho.

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