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Elio Migliorança

Meninos… eu vi

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Sentado no alpendre, rodeado por uma turma de meninos e meninas, muitos dos quais são netos e bisnetos, vai o nonagenário, com base nas lembranças acumuladas há muitas décadas, construindo a linha do tempo e revelando como o progresso se fez e de que forma a vida foi transformada.

Meninos, eu vi. Vi a geração do meu pai arando a terra com arado de boi, plantando as sementes com rústicas máquinas manuais e colhendo as espigas de milho uma a uma, que depois eram transportadas em cestos no lombo dos cavalos. O trigo era cortado com uma pequena foice, amarrado em fardos e transportado em carroças até o galpão para ser debulhado quando viesse a trilhadeira.

Vi as primeiras sementes de soja serem plantadas manualmente e, uma vez colhidas, as plantas eram amarradas em feixes e também guardadas para depois serem debulhadas.

As casas eram iluminadas com lampiões a querosene, depois vieram os lampiões a gás, até o dia que houve um milagre: por um pequeno fio, não sei como, chegava uma luz que deixava tudo claro e brilhante.

Vi quando chegaram os pequenos tratores que deram início à agricultura mecanizada. Eles foram crescendo, e depois deles chegaram as colheitadeiras, cada vez maiores e mais sofisticadas. Com os tratores vieram também herbicidas que ajudaram a aposentar as cansativas enxadas, com as quais até então se preparava a terra e se controlava as ervas daninhas, tudo de forma braçal.

Na mesma época que tratores e máquinas fizeram a revolução na agricultura, se desenvolveu a informática.

Meninos, eu vi o nascimento do computador, do celular, e com eles os meios para nos comunicarmos uns com os outros. Eu vi o surgimento das granjas que produziam milhares de galinhas e porcos, algo que vovô, acostumado com seu chiqueirinho, jamais imaginaria tantas porcas num único lugar.

Eu vi o nascimento da internet, dos automóveis inteligentes e da tecnologia presente em todas as máquinas, que facilitaram o serviço e aumentaram a produção. As pessoas ganharam muito dinheiro e assim tudo era muito fácil, as pessoas podiam comprar quase tudo.

Meninos, eu vi e ouvi quando começaram os alertas de que a terra estava ficando doente. Muitos não entenderam e a maioria não acreditou. Isso tudo parecia impossível, não podia ser verdade que o gelo ia derreter, o sol ia esquentar demais e que corríamos o risco de desaparecer da face da terra. O clima começou a mudar realmente, começaram alguns fenômenos estranhos, vendavais, enchentes, num lado da terra frios extremos e do outro lado as pessoas morriam por causa do calor. Era uma coisa muito doida. Parecia que o planeta tinha enlouquecido, quando na verdade ele tinha adoecido.

O calor do sol queimava as plantas que passaram a produzir menos e muitas espécies desapareceram. Mas, quem mais sofreu foram os animais. A produção ficou parcialmente comprometida, muitos animais morreram pelo calor absurdo e as pessoas precisavam de ambientes refrigerados, mas isto gerou um outro problema: o excesso de consumo de energia e o calor extraído dos ambientes fechados fizeram aumentar ainda mais a temperatura no meio ambiente.

Surgiram muitas doenças, viraram epidemias, centenas de milhares de mortos pelo mundo afora. Bem, quando a humanidade realmente acreditou que o clima tinha enlouquecido de vez, centenas de cidades costeiras tinham sido engolidas pelas águas do derretimento das geleiras, e infelizmente chegamos a um ponto em que não é mais possível voltar.

As duas primeiras partes da narrativa são verdadeiras, a última espero que seja apenas um exercício fantasioso imaginário e que jamais se realize.

Por Elio Migliorança. Ele é empresário rural, professor aposentado e ex-prefeito de Nova Santa Rosa

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