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Elio Migliorança

A boiada e a porteira fechada

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O futuro precisa ser planejado e construído a longo prazo. Isso serve tanto na vida pessoal como também é o formato utilizado pelos governantes para conduzir um povo ou uma nação ao longo de várias gerações.

Muitas conquistas levam décadas para serem consolidadas. Enquanto no Brasil estamos estarrecidos pelo número de mortos contabilizados em curtíssimo espaço de tempo, e paralelamente corre solta uma pandemia política, do outro lado do mundo fecharam-se várias porteiras por onde a boiada deveria passar.

Repercutiram mundo afora as colocações do governo através de seus ministros e do próprio presidente da República naquela espetaculosa reunião ministerial do último dia 22 de abril, tornada pública por decisão judicial. Uma das colocações que causou furor em várias partes do mundo foi a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que assim se expressou: “Precisa ter o esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento e simplificando normas, de Iphan, de Ministério da Agricultura, Ministério do Meio Ambiente, ministério disso, ministério daquilo”.

Assim que publicada a fala do ministro, o estrago foi imediato. Uma das retaliações veio da Holanda, cujo Parlamento aprovou no dia 04 de junho uma moção contra a ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. No texto aprovado os parlamentares pedem que o governo informe ao presidente da União Europeia que está retirando seu apoio ao acordo devido aos impactos que ele pode ter no meio ambiente, principalmente na Amazônia.

Este acordo entre União Europeia e Mercosul é resultado de uma costura diplomática cujas negociações começaram no ano 2000. Foram 20 anos de trabalho da Diplomacia Brasileira para sua concretização. Uma conquista para todos os produtos brasileiros, com destaque para o agronegócio, maior fonte de riquezas da nossa região.

Os preços pagos pela União Europeia são superiores aos demais países consumidores, por isso esse acordo interessa muito a todos os países do Mercosul. O detalhe é que se um dos países da União Europeia se opuser, o acordo não será concretizado.

Além da fala do ministro, também impactou na decisão o crescimento do desmatamento da Região Amazônica. Embora negado por muitos, ele é inquestionável, já que as imagens de satélite falam mais alto do que as vozes discordantes e negacionistas. 

O protocolo que deu início à ratificação do acordo depois dos 20 anos de negociação foi assinado em julho de 2019 e sua redação ainda está sendo elaborada para ser posteriormente submetida à votação dos 27 países membros da União Europeia. A sugestão do ministro de passar a boiada enquanto todos estavam distraídos acendeu o sinal de alerta e os países europeus começaram a fechar as porteiras e, assim, o acordo vai para o limbo do esquecimento e de lá talvez nunca mais seja tirado.

Lamentável porque o agronegócio brasileiro tem potencial de crescimento, e um acordo de tal envergadura certamente será favorável às futuras gerações do país, o que nos mostra estarmos hoje escrevendo o futuro, motivo pelo qual não podemos errar.

Cabe aqui a frase de Martin Luther King: “nossas vidas começam a acabar no dia em que nos calamos sobre as coisas que importam”.

 

O autor é professor em Nova Santa Rosa

miglioranza@opcaonet.com.br

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