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Tarcísio Vanderlinde

A escrita no tempo líquido

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A sociedade do consumo é uma temática que sempre motivava o sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017). Bauman tornou-se um pensador bastante conhecido por chamar o tempo presente de “modernidade líquida”: uma época de muitas fabulações que distorcem e abalam valores do “tempo sólido”.

No novo ambiente, a verdade, enquanto atitude, tem perdido credibilidade para a mentira, que adquire um estranho valor e que circula impunemente tornando-se uma “outra verdade”. Tornou-se de fato a “novilíngua” sobre a qual escreveu George Orwel em seu romance político “1984”.

Na obra de Orwel a “novilíngua” passava todos os anos por uma reforma que tinha por objetivo diminuir o vocabulário. As palavras que permaneciam também passavam a ter outros significados. A expressão “todos os homens são iguais” só poderia ser entendida na ótica de que todos os homens têm a mesma altura, peso e força. Uma pessoa que crescesse falando novilíngua, com o tempo, não saberia mais que a palavra “igual”, antigamente, tinha um significado secundário de “igualdade política”, por exemplo.

Bauman costumava observar que no mundo da política a mentira parece sempre estar em alta. “As rotinas de mentir, negar a mentira e depois desdizê-la só agregam valor ao entretenimento dos políticos, virtude nada desprezível num mundo obcecado e viciado por entretenimento”.

O factoide político foi revitalizado nas redes sociais como mais um tipo de fake news. O fake serve ora para elogiar determinado político ora para atacá-lo. Trata-se de um procedimento discursivo que normalmente exige pouca responsabilização. É uma “outra verdade”, até certo ponto naturalmente aceita no jogo político e que costuma servir para confundir eleitores ou simpatizantes de alguma causa. Muitos políticos costumam tirar vantagem dos factoides que nunca serão elucidados suficientemente. Bauman considerava as redes sociais uma armadilha. Talvez fosse preciso começar a recuperar a confiança na possibilidade da verdade.

É neste ambiente que se encontra quem publiciza ideias. Torna-se um desafio escrever coisas sérias, quando o que interessa é a fofoca. Cansada de fakes, e estimulada pelo próprio governo, a população de Suécia, por exemplo, está presenciando a manutenção e até o incremento de notícias impressas no tradicional jornal de papel.

Não que a notícia impressa seja isenta de distorções, mas o formato passa por mais filtros, e é virtualmente mais resistente à publicação de fakes. Neste caso, escritores sitiados poderão encontrar algum refúgio entre as publicações diluídas do tempo líquido.

 

O autor é professor da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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