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Tarcísio Vanderlinde

De Ben Sirac ao Facebook

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De acordo com anotações literárias da Bíblia de Jerusalém, o livro Eclesiástico – diferente do Eclesiastes – faz parte da Bíblia grega, mas não figura no cânon judaico. Contudo, é um dos livros bíblicos deuterocanônicos admitidos no âmbito do cristianismo. Jerônimo, um dos tradutores da Bíblia, conheceu o texto no original e os rabinos o citaram. Fragmentos do escrito foram encontrados nas cavernas de Qumran, no deserto da Judeia junto a outros textos bíblicos.

Segundo a paleografia, o texto já era utilizado em comunidades cristãs primitivas. O autor conhecido como Ben Sirac aparece citado no livro. Apesar disso, o texto consta numa lista de livros considerados apócrifos, ou seja, de origem suspeita ou duvidosa. Martinho Lutero refletiu sobre os deuterocanônicos, os quais outros teólogos consideravam ser livros com pouca autenticidade. Apesar de não considerá-los inspirados, o reformador não deixou de recomendar a leitura dos mesmos, pois via neles muitos ensinamentos práticos para a vida.

O texto de Sirac revela um autor atento ao cotidiano de sua época. Tirou dali lições que promoviam boa educação e uma vida equilibrada aos seus leitores. Ao se debruçar sobre o texto, o leitor do século XXI se surpreenderá com sugestões que ultrapassaram mais de dois milênios e estão hoje presentes nos compêndios jurídicos ou no linguajar popular.

O Estatuto do Idoso, por exemplo, aparece nas recomendações sugeridas aos filhos sobre o cuidado com os pais: “Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se a sua inteligência falhar, sê indulgente com ele, não o menosprezes, tu que estás em pleno vigor”.

O conhecido ditado de que “o peixe morre pela boca” aparece no texto assim parafraseado: “Sê pronto para escutar, mas lento para dizer a resposta. Se sabes algo responde a teu próximo; se não, põe a tua mão sobre a boca. Honra e confusão acompanham o loquaz e a língua do homem é a sua ruína”. Outra paráfrase deste provérbio aparece ainda no texto bíblico de autoria de Tiago.

Entre outros assuntos, o livro de Sirac é rico em observações sobre o cultivo da amizade: “Um amigo fiel é um poderoso refúgio, o que o descobriu, descobriu um tesouro”. As recomendações também alertam sobre falsas amizades, ou amizades de conveniência. Uma das citações cabe como uma luva no mundo sustentado por redes que costumam prometer muitas e fáceis amizades: “Sejam numerosas as tuas relações, mas os teus conselheiros, um entre mil”.

 

O autor é professor da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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