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Tarcísio Vanderlinde

Discurso macabro

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Eleazar Ben Yair foi o líder da resistência judaica contra a dominação romana no episódio conhecido como “Cerco de Massada”. O penhasco de Massada fica às margens do mar Morto e pode ser visitado nos dias atuais. A arqueologia tem auxiliado a explicar o que aconteceu naquele lugar no passado.

Judeus da resistência – chamados zelotes – se entrincheiraram em Massada em 66 d.C. e transformaram palácios construídos por Herodes em postos militares avançados. Converteram outras construções em banheiros cerimoniais, casa de estudos e chegaram a edificar uma sinagoga.

O cerco romano começou em 73 d.C. Reconhecendo a derrota inevitável, Eleazar convenceu os 960 ocupantes da fortaleza de que a morte seria melhor do que a escravidão romana. Além de detalhar como foi o suicídio coletivo, Josefo destaca o discurso de Eleazar, cujo objetivo era estimular a mórbida proposta. Seguem alguns fragmentos:

“[…] Generosos judeus, que resolvestes depois de tanto tempo não suportar nem a dominação dos romanos, nem a de qualquer outra nação, mas obedecer somente a Deus, que é o único que tem o direito de governar todos os homens, eis chegado o tempo de manifestardes por meio das obras que verdadeiramente tendes esses sentimentos no coração.

[…] Não nos desonremos agora, submetendo-nos a mais cruel, que poderíamos imaginar, se cairmos vivos nas mãos dos romanos, depois de termos sido os primeiros a sacudir-lhes o jugo e os últimos que tiveram a coragem de lhes opor resistência. Não nos tornemos indignos da graça que Deus nos faz de poder morrer voluntária e gloriosamente ainda livres, o que é uma felicidade que não tiveram aqueles que se iludiram com a esperança de não poderem ser vencidos.

[…] Não é melhor satisfazermos à justiça por uma morte voluntária, do que esperarmos que os romanos sejam os executores, depois de nos terem vencido? […] Enquanto temos ainda agora pleno e livre uso de nossos braços e de nossas espadas, que nos impede de livrarmo-nos da escravidão?

[…] Apressemo-nos, então, em fazê-los perder a esperança de triunfar sobre nós e o espanto de só poder desencadear a sua raiva sobre cadáveres, force-os a admirar a nossa generosidade”.

A macabra peça discursiva entrou para os anais da história judaica pela sua importância literária. Acredita-se que sua reconstrução por Josefo deve-se ao testemunho de uma prima de Eleazar, que, junto a outra mulher e cinco crianças, ardilosamente sobreviveram ao evento. Segundo Josefo, a prima de Eleazar “era muito sábia e muito hábil”.

 

O autor é professor sênior da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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