Fale com a gente

Pitoco "Pegue leve"

Inaugurada a escada rolante!

Palestra mais aguardada do Conexão lotou o Teatro Municipal de Cascavel e trouxe de volta um Leandro Karnal sarcástico, profundo e didático

Publicado

em

Final dos anos 1980, Avenida Brasil, centro de Cascavel: aglomeração entre as ruas Sete de Setembro e Carlos de Carvalho, lado direito no sentido Leste-Oeste.

Era realmente algo novo para aquela cidade marcadamente provinciana de 35 anos atrás: a “inauguração” da escada rolante da loja Riachuello – uma “lagarta” de meia dúzia de metros ligando o térreo ao mezanino.

A propósito, Cascavel vai ganhar em breve uma gigantesca escada rolante na região do Centro Cívico, quase equivalente àquela do Congresso Nacional, conforme irá noticiar a revista do Pitoco, na próxima semana.

Terça-feira, 13 de setembro, Teatro Municipal de Cascavel: quem acompanhou a palestra do principal intelectual brasileiro de sua geração, Leandro Karnal, foi convidado a visitar lembranças assim.

Karnal estava aqui contratado pelo Conexão Empresarial da Acic e compartilhou reminiscências de um passado recente diluído em um pretérito distante:

“Me recordo quando, em minha juventude, viajamos de São Leopoldo a Porto Alegre só para ver a escada rolante da Riachuello”, disse ele.

O palestrante iniciou a conversa saudando o novo aeroporto com seu sarcasmo típico: “agora não precisa mais testar o esfincter quando pousamos aqui”, disse. Na sequência – como o Pitoco já publicou – ele contou que morou em Cascavel no início dos anos 1980.

“Era barro liguento ou poeira”, recorda-se Karnal.

A referência do hoje famoso palestrante era a região Norte de Cascavel, no seminário do Bairro Brasmadeira, a propósito, na época, reduto das Comunidades Eclesiais de Base, sementes do Partido dos Trabalhadores.

Karnal não falou de política aqui. A temática dele era outra: a reinvenção do sapiens. Mas passou de raspão pelo pavor que alguns presidenciáveis geram na parte mais assustada do eleitorado:

“Depois da eleição os boletos vão continuar vencendo e nada indica que, independente de quem ganhe, você não precise acordar cedo e trabalhar no dia seguinte. Poderemos eleger um presidente ruim? Sim, claro, pode acontecer. Mas já estamos acostumados com presidentes ruins”, zombou ele.

Desligue ao meio-dia

A respeito do árido noticiário do dia a dia, qualhado de violência física e verbal, o professor deixou um conselho que ele diz seguir à risca: “Leia notícias até o meio-dia. Depois desligue e reserve as oito horas seguintes para desintoxicação. Isso pode lhe garantir umas boas horas de sono”.

Guru deslumbrado, com receitas para tudo? Não, Karnal foge deste estereótipo. Fazer uma foto com ele requer muito esforço. Ele não concedeu entrevistas, não autografou livros e, ao que se sabe, fez uma única foto com a equipe da Acic.

Não passou sequer no “caixa”, já que o pix de R$ 80 mil de seu cachê dispensa tratativas analógicas. “Não forço ninguém a comer o prato que cozinho”, disse, referindo-se à necessidade passional de aprovação e validação de nossos discursos em tempos que alguns cultivam certezas absolutas e incontestáveis.

Rasgue seu diploma

Olhando adiante, o professor Karnal colocou a escada rolante em marcha à ré: “O que você estudou 20 anos atrás serve apenas como referência arqueológica, vale tanto quanto seu diploma de datilografia”.

Então o professor produziu outra digreção, olhando para a pirâmide etária brasileira: “Seu filho quer ser médico? Diga para evitar a pediatria. Que tal geriatra, ou ainda  psiquiatria? Vivemos em uma máquina de produzir neuroses e psicoses, e não faltará clientes para quem trabalha com saúde mental”.

Momento das perguntas da plateia: alguma recomendação mágica o professor deixaria na Cascavel que ora dispensa testar esfincters? “Sim”, disse Karnal. “Usem protetor solar”.

Aplaudido em pé pelos pouco mais de 500 espectadores, nada mais disse, nada mais lhe foi perguntado. Como surgiu desapareceu na noite chuvosa em um táxi estacionado na Rua Santa Catarina o homem que viajou para conhecer a escada rolante da Riachuello.

Antes, porém, deixou uma frase que ele próprio diz ter dificuldades de seguir:

“pegue mais leve consigo mesmo…”.

 
Karnal em Cascavel na terça-feira (13): sarcasmo, saúde mental e o tempo como principais ativos do sapiens contemporâneo (Foto: Divulgação)

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

pitoco@pitoco.com.br

Copyright © 2017 O Presente