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O chinês paraguaio

Do tênis chinesinho que encardia na terra vermelha de Cascavel ao IPVA que você pagou de seu carro mês passado, o que temos a ver com a eleição no Paraguai?

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Do tênis chinesinho que encardia na terra vermelha de Cascavel ao IPVA que você pagou de seu carro mês passado, o que temos a ver com a eleição no Paraguai?

O chat GPT é o assunto do momento. Trata-se de um Google melhorado, em que a estrela principal é um algoritmo muito esperto, capaz de produzir textos quase sapiens. Quase. Esse texto aqui ele não seria capaz de produzir hoje. Hoje. Amanhã, provavelmente, pois poderá agregar em seu imenso acervo digital a presente escrita.

O GPT certamente não sabe que nos anos 1980, nós, cascavelenses, pela proximidade geográfica com a fronteira, comprávamos tênis brancos baratos no Paraguai. E apesar do risco do tombo – o solado era liso -, jogávamos futebol em campos de terra com tênis branco. Aquilo nunca mais iria ficar alvo novamente, apesar do empenhado escovar de nossas mães.

Mas era barato e só tinha um concorrente à altura no mundo dos peladeiros de várzea: o kichute, um tênis preto com travas imitando chuteiras, e longos cadarços capazes de dar várias voltas na barriga (da perna), como conhecíamos as panturrilhas.

Populares e baratos, os tênis brancos encardidos eram conhecidos aqui como “chinesinhos”. Muito depois fui saber que atribuir a fabricação dos chinesinhos a chineses era algo controverso. Possivelmente o calçado era produzido em Taiwan, uma província rebelde da China, cujos moradores não querem ser chineses, querem ser taiwaneses.

Fácil entender: aquela turma de olhos puxados em Ciudad del Este não são chineses no sentido literal da palavra. São, em sua maioria, taiwaneses. Para Xi Jinping, líder supremo do gigante asiático, Taiwan é China, e a qualquer tempo será invadida como a Ucrânia foi pela Rússia.

Esse é um dos maiores focos de tensão internacional entre Estados Unidos (pró-Taiwan) e China. E por que essa pequena província de 23,5 milhões de almas é tão importante na geopolítica mundial?

Dois em cada três semicondutores do planeta são produzidos em Taiwan. Um veículo mediano, como o GM Onix, carro mais vendido no Brasil nos últimos anos, precisa de mil semicondutores para rodar. Quando a Covid parou as máquinas em Taiwan, essas pecinhas escassearam e geraram um apagão na cadeia global de suprimentos.

Fábricas de automóveis pararam. A falta de veículos novos encareceu o seminovo. E você pagou mais IPVA pelo seu usadinho neste ano em razão da Fipe vitaminada pela escassez em Taiwan.

De volta ao Paraguai: o “chinesinho” não é mais a principal “pauta de exportação” para os pés peladeiros da várzea cascavelense. Mas o conflito Xi Jinping x Taiwan nunca esteve tão presente no debate político.

O país vizinho é o mais relevante no planeta entre os que reconhecem Taiwan como um país soberano (o Brasil não reconhece). Efrain Alegre, candidato paraguaio da oposição, quer mudar esse status. Ele e boa parte do agro querem ficar bem com a China continental e ampliar mercados para produtos paraguaios.

Já o candidato tido como favorito ao pleito presidencial de abril, o colorado Santiago Peña, prefere manter as cordiais relações com os influentes taiwaneses radicados no Paraguai, que enriqueceram vendendo tênis brancos baratos escorregadios para os peladeiros de Cascavel.

Afinal, taiwanes é chinês legítimo ou não é? Pra simplicar, dá pra dizer que se trata de um chinês paraguaio.

“Chinesinho” usado pelos peladeiros de Cascavel nos anos 80

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O 1º de abril dos doutores

Tradicional empresa de Floripa deixa homens e mulheres de branco em brancas nuvens também em Cascavel; formatura paga por seis anos pela 21ª turma da Unioeste virou trote no dia da mentira

Quando, seis anos atrás, a comissão de formatura da 21ª turma de Medicina da Unioeste contratava a Brave Brasil, e via o principal evento do calendário cair no 1º de abril de 2023, jamais poderia imaginar que aquilo tudo seria uma grande mentira.

E foi mentira pra muita gente. Pelo menos 108 comissões de formatura espalhadas pelo Brasil levaram o mesmo calote. A empresa não conseguiu entregar o contratado e a programação festiva, com colação de grau, missa, jantar e baile, eventos acalentados por tantos anos, viraram uma miragem no deserto.

Não dá para atribuir os fatos à comissão de formatura. A Brave apresentava um vasto repertório e um acervo incrível. Tanto assim que atendia os ditos “cursos nobres” em todo o território nacional, nas melhores universidades do país. Antes de o calote chegar aos recém-formados da Unioeste, em Cascavel, a Brave já havia deixado na mão os formandos de medicina da Unicesumar, de Maringá.

A jornalista Sara Messias, de Assis Chateaubriand, está inconsolável. Ela é a mãe de uma formanda da Unioeste e se envolveu pessoalmente em todos os preparativos. “Está tudo pago. Durante anos cada acadêmico pagou o equivalente a um carro seminovo para a empresa de formatura. Agora, muitos não têm tempo ou recursos para um plano B, que chegamos a ventilar. O sonho foi calculado, planejado e esperado por 40 formandos ao longo de seis anos”, relata Sara.

O cronograma previa missa no dia 29 de março próximo, jantar no dia 30 de março, a colação festiva no dia seguinte, e o ponto alto da programação em 1º de abril – infeliz coincidência – com um prometido glamouroso baile de gala. “Os contatos disponibilizados, telefones, e-mails e até no endereço físico não atendem. Milhares de ligações feitas, centenas de mensagens enviadas, e nada”, prossegue a mãe da doutora.

Há outros inconvenientes neste pacote de calote. Os lesados precisam renegociar contratos já firmados com locação de roupa, salão de beleza, coquetel e outros serviços. “Agora é saber se esses prestadores já contratados, e também indiretamente afetados, terão compaixão dos formandos ou teremos que pagar por isso também”, diz Sara.

Asas do anjo

Quando se manifestou pela última vez em nota oficial, Rafael Brogni, responsável pela Brave, disse que as formaturas de março seriam atendidas pela empresa normalmente. Mas março e suas águas (incluindo algumas de lágrimas) chegaram e nada da empresa atender as aflitas ligações telefônicas.

Brogni, cujo o apelido é “Anjinho”, bateu asas e voou, deixando a turma de branco em brancas nuvens. Em média, cada formando já desembolsou mais de R$ 20 mil, sem contar nos ingressos extras que acabaram elevando o investimento para quase R$ 700 mil.

Formandos de Medicina da Unioeste na colação de grau: Anjinho bateu asas e voou

Elas mais uma vez no comando

Outra vez o curso mais disputado do vestibular da Unioeste foi o de Medicina, com 125 candidatos por vaga. Aqui dá para tirar um termômetro de gênero. Nas 20 vagas ofertadas, incluindo as por ações afirmativas (negros, pardos e egressos de escolas públicas), as mulheres ficaram com 50% das vagas.

Já nas dez vagas ofertadas no quesito “ampla concorrência”, em que vale o melhor desempenho geral, as meninas abocanharam 60% das cadeiras. O desempenho feminino superior nos cursos mais disputados tem sido recorrente nos vestibulares das principais universidades brasileiras.

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Para dar fio à meada

Desde criança, em um sítio no interior de Toledo, Inês Henz se concentrou em fazer a trama da vida ser bem diferente do que o curso natural das coisas apresentava

Conta a história que “perder o fio da meada” é uma expressão que surgiu na Revolução Industrial, quando as máquinas começaram a ser usadas para confecção de tecidos, mas ainda com a ajuda da mão humana. Um trabalho meticuloso que exigia concentração dos operários: meada era o suporte onde ficavam os rolos de tecidos e a função de cada operário era pegar a ponta do fio e colocar na posição correta para a máquina puxar e começar a fabricar o tecido. Um pensamento mais distraído e – tcharam! – perdia-se o fio da meada.

Nenhuma distração no caminho fez Inês Ivone Henz perder o fio da meada. Desde muito pequena, ela se concentrou em fazer a trama da vida ser bem diferente do que o curso natural das coisas apresentava. A roça parecia destino certo para ela e para os oito irmãos. Filha de pequenos agricultores, gaúcha de nascimento, mas paranaense de criação, Inês foi aquela criança que viveu sempre muito coletivamente, numa família numerosa. É mesmo difícil enxergar individualidades num contexto de casa cheia e muito trabalho. Parecia que o futuro já estava desenhado: seguindo o que a realidade ditava, Inês ficaria na área rural, tocando o sítio no interior de Toledo.

Não para quem já mostrava interesse pelo universo criativo desde muito cedo. Na escola, a preferência pela educação artística dava sinais de que o rumo poderia ser outro. Em casa, as primeiras brincadeiras também envolviam criação: observando a mãe costurar roupas para os filhos em “lotes”, ela foi compreendendo a beleza de cortar um tecido aqui, juntar com outro ali e emoldurar o corpo de alguém com uma peça. Era ela quem costurava à mão as roupinhas de boneca, coletando retalhos na vizinhança para ter variedade de tecidos. Naquela época, Inês ainda não tinha consciência, mas já estava fazendo “moulage”, técnica em que os moldes são feitos direto no manequim.

E a primeira grande travessura da infância foi se aventurar numa máquina de costura à
manivela, aos nove anos. “A gente só tinha uma roupa ‘domingueira’ para ir à missa uma vez por mês. E eu cortei a única calça que meu irmão tinha porque ela tinha um furinho no joelho, então no meu entendimento fazia sentido cortar. Fiz uma bermuda pra ele e com o tecido que restou fiz uma saia para minha irmã mais nova. Minha mãe não gostava que eu mexesse na máquina de costura dela, então fiz isso enquanto meus pais estavam na roça. Quando chegaram, mostrei o resultado para minha mãe e ela nem conseguiu brigar comigo, porque ficou bonito”, relembra orgulhosa.

A brincadeira virou negócio

A máquina que deu origem à primeira peça feita por Inês hoje é a relíquia exposta com orgulho na sede da empresa de moda festa liderada por ela, a Maximus Atelier, em Toledo. Mas transformar a brincadeira de criança em profissão exigiu abnegação. De novo, nenhuma distração fez Inês perder o fio da meada.

Aos 19 anos, montou a primeira sala de costura. “Era numa pecinha onde eu morava, um cômodo com quarto, sala, cozinha e essa minha sala de costura. Para eu entrar em casa, abria a porta e abria a tampa da máquina de costura e aí trancava a porta, de tão pequenininha que era”, relembra, com uma risadinha nostálgica no rosto.

Dali em diante, esse espírito de fazer e acontecer só cresceu dentro e fora dela. Vida pessoal e profissional foram se costurando: casou aos 20 anos, mesma idade em que surgiu a primeira oportunidade de um negócio maior. “Compramos a alfaiataria
do tio do meu marido. Em 10 de janeiro de 1984 foi fundada a Alfaiataria Modelo”.

A Maximus Atelier nasceu e cresceu muito rápido. Em poucos anos, a empresa já tinha unidades em outras cidades da região, das quais hoje Cascavel e Foz do Iguaçu ainda fazem parte.

Disruptiva e inspiradora

“Essa menina vai dar trabalho”. Era o que os pais de Inês ouviam da vizinhança quando a garotinha dizia que não queria trabalhar na roça, queria sair de casa, estudar e ser independente.

Décadas depois, ela pode dizer que, sim, deu muito trabalho: gerou e gera dezenas de empregos. “Não é que você vai transgredir leis, mas, às vezes, você tem que ultrapassar ‘regras’, quebrar padrões. Porque se você pega as regras dos outros e as transforma em ‘autorregras’, acaba se limitando. Eu não aceitava esse tipo de limitação”.

Inês Ivone Henz, do Maximus Atelier

De costureira a doutora

“Quando me divorciei em 2005, fui para a faculdade fazer parte da primeira turma de Psicologia da PUC Toledo. Não queria um curso profissionalizante porque eu já tinha a profissão que amo e pensei: por que não agregar uma outra área? A Psicologia estuda o
comportamento humano, as relações, e onde mais você lida com pessoas se não no trabalho, na empresa? Então consigo compreender muito melhor o meu colaborador. Aplico muito no meu dia a dia”. (Por Marcele Antonio – Contelle Comunicação)

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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