Arno Kunzler
Governo civil ou militar?
O ingresso de militares, aos milhares, no governo Bolsonaro levanta constantemente uma discussão: esse é um governo civil ou militar?
O Brasil viveu um governo militar durante 20 anos, nas décadas de 60 e 70.
Longe de ter sido um período ruim, os governos militares daquela época foram importantes especialmente para o agronegócio.
Grandes obras nos setores energético e rodoviário são daquela época.
Mesmo assim, os militares foram apeados do poder pelo povo nas ruas, em menos de 20 anos.
Os militares não são necessariamente melhores e nem piores que os civis, mas naturalmente lhes falta mais traquejo para lidar com o contraditório.
A caserna não ensina dialogar, argumentar, convencer e formar maiorias, ensina comandar e obedecer.
Num regime democrático, com Congresso funcionando, os militares facilmente se atrapalham e acabam perdendo apoio.
Neste momento o Brasil vive uma espécie de governo militar. Para muitos é civil, mas tem claras características de militar.
Por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro não se submete, ou pelo menos fala que não vai se submeter, a qualquer convocação judicial ou do Congresso.
Um presidente civil não faria isso, sob pena de ser destituído.
Vai o Poder Judiciário ou o Congresso destituir o presidente, caso ele de fato descumpra uma convocação?
Muitos querem exatamente isso do presidente, mas se o fizer, acabou a democracia.
Para que poderia servir um regime de exceção?
Acabar com os privilégios de alguns setores do serviço público?
Escrever uma nova Constituição, com menos direitos e mais deveres?
Mas será que uma intervenção nesse sentido seria pacífica?
Sim, porque tirar privilégios teria que ser algo bem amplo, a começar pelas Forças Armadas, pelas polícias Militar, Federal, Poder Judiciário, Ministério Público, Congresso Nacional e também no governo federal e suas empresas.
Além disso, só faria sentido se os privilégios de todos os governos estaduais, Judiciários estaduais, Ministérios Públicos estaduais, servidores das Câmaras municipais e das prefeituras fossem igualmente enquadrados e avaliados.
E quem faria essa avaliação? Uma Junta Militar?
Sinceramente, não creio que o sonho de muitos brasileiros, cansados de ver privilégios sendo criados e preservados, vá se realizar com intervenção militar.
Primeiro que os militares não têm competência para tamanha operação de guerra. Segundo que não terão apoio para fazê-lo.
Portanto, as correções de rumo que todos pretendemos serão muito difíceis de ser alcançadas em qualquer que seja o regime, mas ainda mais difíceis por uma intervenção militar.
Talvez esse governo esteja perdendo uma grande oportunidade de atuar democraticamente, justamente no combate aos privilégios, porque foi eleito com a expectativa de fazê-lo e até agora não fez.
Vai alegar sempre que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso não deixaram, mas fica cada dia mais claro que lhe faltou articulação, capacidade de diálogo e poder de convencimento com projetos claros e atuação bem definida.
Esse Congresso elegeu grande número de parlamentares com discurso reformista, mas onde estão os projetos de reforma?
Talvez a reforma tributária seja o único que mereça apoio do governo e temo que seja pela expectativa de aumento dos impostos, mais uma vez.
Arno Kunzler é jornalista e diretor do Jornal O Presente e da Editora Amigos