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Arno Kunzler

O frio e o calor da Copa

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Desde 1970 que trago na lembrança, com bastante clareza, a movimentação antes e após uma Copa do Mundo.Antes de 1970 só ouvi falar que o técnico Vicente Feola não podia voltar ao Brasil, pois entregou o jogo para os portugueses e que Pelé seria vaiado quando retornasse por terem perdido a Copa de 1966.Em 1969 levávamos um radinho de pilha colocado sobre tocos na roça, para ouvir os jogos das Eliminatórias e os amistosos da Seleção, para a Copa do México.Quem tinha rádio não perdia os programas esportivos, alguns diretos da sede da Copa, outros debates promovidos nos estúdios até madrugada adentro, como é hoje na televisão.Assim, para assistir à final com a Itália em 1970 tivemos que percorrer 50 quilômetros numa Kombi alugada para ver o Brasil ser tricampeão, numa TV em preto e branco.As últimas Copas mobilizaram empresas e funcionários que, ávidos por assistir aos jogos do Brasil, se organizavam em torno de café da manhã (na madrugada fria) como foi em 2002, ou em churrascos.Eis que, depois de 64 anos, o Brasil vira sede de uma Copa do Mundo de Futebol.Será que faltava uma Copa no Brasil para que o povo brasileiro percebesse que, ao lado desse belo esporte que mobiliza apaixonadamente multidões, se esconde uma rede de negócios obscuros?Talvez em nenhuma Copa antes o país-sede foi alvo de tantos debates sobre corrupção, sobre prioridades nos investimentos feitos e, principalmente, sobre o próprio futebol, sobre a própria Copa.Impressionante como, por ser uma Copa no Brasil, estamos pacatos, curiosamente não vestimos verde e amarelo como em outros Mundiais…Impressionante como de repente o povo brasileiro acordou e quis saber além do futebol, além da Seleção, além do espetáculo.O povo que gosta de futebol apoia a Copa e a Seleção, mas se sente menos motivado para servir da massa de manobra, como já foi em outras vezes.O povo foi às ruas questionar a falta de dinheiro para saúde, para transporte, para educação, para estradas, para ferrovias, para hidrovias e para os portos.Como arrumaram tanto dinheiro para financiar tantas obras para a Copa e não conseguem nem o mesmo volume e muito menos com a mesma agilidade recursos para atender essas demandas sociais?Talvez seja esse o motivo pela temperatura amena dos torcedores brasileiros, que, pela primeira vez, viram e sentiram na carne como esse negócio de organizar uma Copa mobiliza interesses escusos.Esse frio que mexeu na paixão dos torcedores pode ser o calor que vai funcionar como combustível para a próxima campanha eleitoral.Então, vivemos um momento de frieza no futebol, os torcedores menos apaixonados se contêm e preferem torcer com menos barulho, menos fanatismo.Mas certamente são esses, os menos fanáticos de agora, que farão esquentar a campanha eleitoral que sucede a Copa e, daí sim, é hora de discutir e questionar os governantes e os organizadores do Mundial.Os que perderam um pouco desse sentimento apaixonado pelo futebol, como eu me sinto agora, ganharam espírito crítico que talvez faltava aos pacatos brasileiros que só viam futebol, onde tinha muito mais além do inocente futebol.Talvez percebemos agora que atrás dessa paixão também tem espírito crítico e que, se de um lado somos o país do futebol, torcedores apaixonados, por outro lado também podemos ser a nação em busca de um futuro que orgulhe as futuras gerações.Um futuro com menos impostos, com menos corrupção, com menos fome, com menos dependentes de programas sociais e com mais educação, mais saúde, mais estradas, mais desenvolvimento e maior autoestima.Se queremos ser uma grande nação podemos torcer pela nossa Seleção e ser hexa, mas não podemos deixar de lutar por nossos ideais maiores para construir o país que vamos deixar como herança para os nossos filhos e netos.
Por Arno Kunzler

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