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O estupro no Brasil

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O estupro é um problema grave no Brasil. A partir da pesquisa em várias e diferentes bases de dados, que contém informações de todo o país, um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, analisou o fenômeno do estupro usando como referência o ano de 2019.

“A partir de uma análise conjunta da Pesquisa Nacional da Saúde (PNS/IBGE) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/Ministério da Saúde), fizemos um cálculo aproximado da prevalência”, explicou o pesquisador Helder Ferreira. Entre as conclusões da pesquisa estão estatísticas assustadoras: o número de estupros no Brasil atinge um patamar mínimo de 822 mil por ano, o que corresponde a quase dois casos por minuto, sendo que, deste total, “apenas 8,5% deles chegam ao conhecimento da polícia e que apenas 4,2% são identificados pelo sistema de saúde”. Isto significa, comparativamente, que antes do término da leitura deste texto, uma pessoa já foi estuprada.

Os números citados parecem ser exagerados, mas infelizmente é a realidade presente no país, e, segundo os pesquisadores do Ipea, o número poderia ser maior se não fosse a subnotificação, a qual, apontam eles, é um problema presente em todas as fontes de dados. Das vítimas, a predominância é de mulheres, as quais se dividem em adultas, crianças e adolescentes, idosas e com deficiência física e/ou mental.

Diante do elevado número de casos, os pesquisadores discutem a importância de se adotar uma abordagem multidisciplinar para o enfrentamento do estupro, incluindo ações de prevenção, combate à impunidade e atendimento integrado às vítimas. O texto dos pesquisadores do Ipea também destaca a necessidade de se entender as especificidades do contexto social, cultural e econômico brasileiro para o desenvolvimento de políticas efetivas de prevenção e enfrentamento do estupro. Dentre os fatores que contribuem para a alta incidência no Brasil estão a cultura machista e patriarcal, a desigualdade de gênero, a impunidade, a falta de políticas públicas efetivas de prevenção e combate à violência sexual, entre outros.

O artigo 213 do Código Penal Brasileiro diz que estupro é o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”  Em se tratando do estupro de vulneráveis, o Art. 217 do Código define estupro como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.” Cabe informar que entre os vulneráveis, além dos já citados, incluem-se outros grupos sociais, como o de idosos, por exemplo. O crime de estupro tem pena de reclusão, de seis a dez anos, aumentada em caso de lesão corporal grave, em caso de morte da vítima, quando o agressor é parente ou tutor da vítima, ou, ainda, quando aproveita-se da condição de vulnerabilidade da vítima.

É importante destacar que os números aqui citados dizem respeito “apenas” ao estupro no Brasil, mas esse crime faz parte do rol de outras várias violências sexuais muito presentes do país. Uma delas é o assédio sexual, que pela Lei nº 10.224/2001 é definido como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Outro exemplo é a importunação sexual, que é uma figura jurídica criada pela Lei nº 13.718/2018, e que é definida como “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. As penas para tais crimes são de detenção de 1 a 2 anos, e de reclusão de 1 a 5 anos, respectivamente.

Em resumo: o estupro envolve violência ou grave ameaça para obrigar a vítima a ter conjunção carnal ou praticar algum ato libidinoso; o assédio sexual envolve abuso de poder ou autoridade para obter vantagem ou favorecimento sexual; e a importunação sexual é a prática de ato libidinoso sem a concordância da vítima e com a intenção de satisfazer a própria lascívia ou de terceiros. Tais violências, rondam o cotidiano sobretudo das mulheres brasileiras, fazendo com que o medo seja uma constante em suas vidas. 

Estudiosos do assunto têm se debruçado sobre essas questões buscando compreender as causas e propor soluções. Tais estudos demonstram que o estupro está intimamente ligado ao patriarcado e à cultura de submissão feminina. O patriarcado é um sistema social que valoriza a dominação dos homens sobre as mulheres e coloca as mulheres em posição de submissão. Em uma sociedade patriarcal, as mulheres são vistas como objetos sexuais que devem estar disponíveis para os homens a qualquer momento. O estupro é uma forma de exercer controle sobre as mulheres e mostrar poder sobre elas. É também uma ferramenta para reforçar a ideia de que as mulheres são responsáveis por sua própria segurança e que devem evitar situações em que possam ser agredidas sexualmente, o que coloca a culpa da violência sexual nas mulheres em vez de responsabilizar o agressor.

Além disso, nas sociedades patriarcais, a masculinidade é frequentemente associada à sexualidade agressiva e à dominação sobre as mulheres, o que pode levar alguns homens a acreditar que têm o direito de dominar sexualmente as mulheres e que elas devem se submeter a eles. Em resumo, o estupro é uma manifestação do patriarcado e é utilizado para manter o controle sobre as mulheres e reforçar a ideia de que as mulheres são inferiores e devem se submeter aos homens. Assim, a cultura do estupro se manifesta na sociedade e perpetua a violência sexual contra mulheres, incluindo estereótipos de gênero, desigualdade de poder, falta de consentimento e culpabilização da vítima. Esses estudiosos apontam a necessidade de políticas públicas que enfrentem o problema do assédio sexual e estupro, tais como a educação sexual nas escolas, a capacitação da polícia para lidar com casos de violência sexual e a criação de redes de apoio às vítimas, bem como o efetivo cumprimento das leis.

 Uma vida sem violência é possível, mas para isto é necessário erradicar o estupro e demais formas de violências, e isto somente será possível quando todos entenderem que é necessário se opor ao sistema patriarcal, bem como promover uma cultura de respeito e igualdade entre homens e mulheres.

Referências

FERREIRA, Helder et al.  Elucidando a prevalência de estupro no Brasil a partir de diferentes bases de dado. 1ª ed., publicação preliminar (texto para discussão). Brasília: Editora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) 2023.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

Sugestões de leitura

SAFFIOTI, Heleieth I. S. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004. {Coleção Brasil Urgente}

ARAÚJO. Ana Paula. Abuso: a cultura do estupro no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Globo Livros, 2020.

Autoras:

Professora doutora Ivonete Pereira – orientadora do Núcleo Maria da Penha (Numape)

Beatriz de Sousa Adorno, estudante de Direito na Unioeste e estagiária no Núcleo Maria da Penha (Numape)

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O Numape é um projeto de extensão da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Marechal Cândido Rondon. Faz parte da Superintendência Geral da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), do Governo do Estado do Paraná.

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Em poucos anos de atuação, o Numape realizou centenas de atendimentos jurídicos. O atendimento é realizado com uma escuta atenciosa e qualificada e todas as orientações cabíveis para cada caso são repassadas, sempre preservando a autonomia de decisão da mulher para dar seguimento nas fases processuais, que se desdobram geralmente em medidas protetivas de urgência, divórcio, dissolução de união estável, pensão e guarda dos/as filhos/as, entre outras ações. Além disso, promoveu dezenas de ações socioeducativas na comunidade em geral, alcançando inúmeras pessoas de diferentes faixas etárias e grupos sociais.

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