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Pitoco “Onde tem cavalo, tem m…”

Afrodescendente “que veio do lixo” arregala olhos de plateia “gringa” de chapéu

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Geraldo Rufino põe em cores a foto invertida de 70 anos atrás: protagonismo não tem cor de pele e “miséria nenhuma resiste a 16 horas de trabalho por dia”

“Você vai olhar para o cavalo ou para o estrume que ele fez?”

A cena da foto maior logo acima é uma aparente inversão histórica: um negro no palco para uma plateia de gente branca dos olhos azuis. A imagem foi colhida na terça-feira (9), no Copacol Agro, em Cafelândia. Quem testemunhou a sangrenta e encarniçada disputa por terras nas cercanias do Rio Piquiri, 70 anos atrás, ponto geográfico em que Cafelândia está inserida, jamais poderia imaginar essa foto.

O inverso, sim: um “ariano” chapeludo dando ordens para uma plateia de caboclos subjugados, ou alternativamente – 100 anos antes, no mesmo ponto do mapa – um gringo argentino do império da erva-mate para semi-escravizados paraguaios de traços indígenas.

Geraldo Rufino, principal palestrante do Copacol Agro – evento semelhante ao Show Rural -, é o “cara que veio do lixo”. E a partir do lixão construiu um império de quase 100 CNPJs. A trajetória pessoal improvável, somada a uma capacidade narrativa única e o sorrisão estampado no rosto de forma permanente, fizeram de Rufino o personagem mais marcante de um evento que se recusou a replicar nesta edição o roteiro pré-escrito e previsível de feiras agronegociantes.

MÃE MANDA

Em uma visão meio Poliana do mundo, Rufino romantizou sua infância catando latas no lixão da favela e dali extraindo alimentos com data de validade expirada. Filho de pai alcoólatra, enfatizou o papel da chefe da família, a mãe durona, mas afetuosa, que de fato exerceu liderança no clã de negros pobres: “A mãe nos dava o direito de concordar”, brinca Rufino.

Sabe-se que esse mundo das palestras é feito de frases feitas e chavões. Porém, quando elas legendam a trajetória do orador, parecem suplantar as fórmulas mágicas da linha “três tópicos que irão enriquecer você em uma semana”. Rufino é um frasista. Algumas de suas teorias nasceram no lixo. “Catador de sonhos” é o título da palestra, acompanhada de uma frase: “De catador de latinhas na favela a um dos maiores empreendedores do mundo – expressão real do faça você mesmo”.

O palestrante com Rozane e Valter Pitol: fé no matriarcado e café na cama para a esposa

Aqui um ponto explorado na palestra. O faça você mesmo. Rufino sabia para quem estava falando, estudou a plateia. Desprendeu que na audiência havia gente profundamente decepcionada com o mundo da política, enlutada com o resultado da eleição presidencial, enraivecida com o “Xandão” e outras figuras exóticas que habitam a Capital da República. Foi quando ele deixou no ar a frase enigmática: “Onde tem cavalo, tem cocô de cavalo. Você vai olhar para o cavalo ou para o estrume que ele fez?”.

VAGÕES E LOCOMOTIVAS

A sequência da fala explica melhor. O catador de sonhos se referia ao hábito bem sapiens de terceirizar responsabilidades para justificar erros ou inconstâncias tipicamente humanas.

“Os tempos são difíceis? Não, os tempos são diferentes. Não tem que esperar governo dar certo. Governos vão e vêm a cada quatro anos, você e sua roça ficam. Chega de se queixar da medida provisória, do Judiciário, dos inquilinos daqueles três prédios lá daquela cidade distante! Sua opção está entre ser locomotiva ou ser vagão. O vagão vai onde a locomotiva levar. Se tá difícil, pesado, é porque você é locomotiva. Se tiver fácil, você é o vagão”.

Neste ponto Rufino conclama a figura materna novamente. Enfatizando que é preciso respeitar a hierarquia familiar, “ouvir quem veio primeiro” (pais, avós, idosos), ele lançou uma frase atribuída à sua mãe que parecia ilustrar a história daquela plateia de agricultores que ascendeu socialmente após enfrentar longas jornadas de sol a sol: “Não há miséria que resista a 16 horas de trabalho por dia”, disse Rufino para os arregalados olhos azuis da plateia.

Em tempo: a última vez que alguém colocou o cocô do cavalo no debate político foi quase duas décadas atrás – o jornalista Alceu Sperança – em frase replicada aqui no Pitoco. O historiador foi indicado para receber o título de Cidadão Honorário. Prontamente recusou a comenda. O argumento dele para a recusa?

“Títulos assim, dado o histórico de muitos dos agraciados anteriormente, valem menos que o cocô do cavalo do bandido”, disse Sperança.

Teoria da positividade

O palestrante fez da positividade um livro e uma religião. Para os agricultores da Copacol ele pediu o fim do chororô.

“Se você chega em casa dizendo que político fulano vai afundar o país, que juiz beltrano vai acabar com a nação, que tudo é uma porcaria, você está expulsando seu filho do país e do seu convívio. É um erro, o Brasil é o melhor lugar do mundo, país gigante, cheio de oportunidades. Experimente chegar diferente à mesa do jantar, positivo, otimista, mostrando os resultados do dia e conclame sua família, que é uma cooperativa, para triunfar sobre as circunstâncias” , disse Rufino, em outras palavras.

Para ele, há uma resistência da maioria das pessoas em assimilar o aprendizado da vida e transformá-lo em ações construtivas. “Aqui tem uma oportunidade, pois no segmento de gente querendo melhorar você pode se dar bem, pois há pouca concorrência”, disse.

Campeão de networking, de rede de contatos, o palestrante colocou a ala masculina da audiência em uma saia justa. Revelou que todos os dias leva o café da manhã da esposa na cama do casal. “Não é por romantismo não, gente, é por ter o real entendimento de quem de fato manda, é puro networking, preciso constantemente que ela assine alguns papéis”, descontraiu Rufino, arrancando gargalhadas da plateia.

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Aos 74, Edgar corre atrás do tetra em 24

Ex-prefeito ouve pássaros e aprecia o cheiro do mato em Foz do Iguaçu na preparação para a corrida eleitoral do próximo ano

O prefeiturável Edgar Bueno em Foz do Iguaçu, na maratona da fronteira: fôlego queniano para correr atrás de votos

Três vezes posicionado no lugar mais alto do pódium na corrida pela cadeira estofada do 3º andar do Paço Municipal de Cascavel, Edgar Bueno saiu para o aquecimento em busca do tetra. No último domingo (7), o septagenário ex-prefeito enfrentou a Meia Maratona das Cataratas, percorrendo os oito quilômetros em pouco mais de uma hora.

Provocado a relatar sua experiência de maratonista, Bueno foi poético: “É coisa de outro mundo, é conectar-se à natureza, cheiro de mato, canto de pássaros, quase cinco mil pessoas em um astral maravilhoso”, disse. É a quarta vez que o prefeiturável enfrenta a maratona na fronteira.

Em pré-campanha aberta para a Prefeitura de Cascavel em 2024, o veterano de 74 primaveras terá pela frente concorrentes bem mais jovens, entre eles o “Xerife” Márcio Pacheco e o presidente da Câmara, Alecio Espinola. Renato Silva, Henrique Mecabô, Batatinha e Ernani Pudell (PT), entre outros menos votados, também poderão constar na linha de largada.

Aferições junto ao eleitorado têm colocado Bueno na liderança, com um em cada três intenções de votos declaradas, desempenho que assegura uma vaga no segundo turno. Edgar vai precisar de fôlego queniano para manter a posição, mas, de momento, enxerga os demais corredores pelo espelho retrovisor.

BATATA ASSANDO

Em encontro regional do MDB, no último fim de semana, o presidente estadual da sigla, Anibelli Neto, lançou a candidatura do deputado Oziel Luiz, o Batatinha, para a Prefeitura de Cascavel. Último a discursar no evento, Batatinha disse que aceita colocar o nome na disputa. E repetiu o chavão típico destas ocasiões: “Sou um soldado do partido”, disse.

Se levar adiante a candidatura, Oziel deverá enfrentar, entre outros, a dupla a ser indicada por Paranhos: possivelmente, Renato Silva, com Alécio Espínola na vice.

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Envelhecer…

A capa da Vogue filipina emocionou o mundo. Há nela uma “miúda” de 106 anos! É considerada a capa mais impactante da publicação. Leia o relato marcante da centenária Blandinne Faustine:

“Dizem que, a partir de uma certa idade, nós as mulheres ficamos invisíveis. Que a nossa atuação na cena da vida diminui e que nos tornamos inexistentes para um mundo onde só cabe o impulso da juventude.

Honestamente, não sei se me tornei invisível para o mundo, é possível que sim. Porém nunca fui tão consciente da minha existência como agora, nunca me senti tão protagonista da minha vida e nunca desfrutei tanto cada momento da minha existência.

Descobri que não sou uma princesa de contos de fadas e descobri o ser humano sensível e também muito forte que sou, com as suas misérias e as suas grandezas. Descobri que posso permitir-me o luxo de não ser perfeita, de estar cheia de defeitos, de ter fraquezas, de me enganar, de fazer coisas indevidas e de não corresponder às expectativas dos outros. E apesar disso…Gostar de mim!

Quando me olho ao espelho e procuro quem fui… sorrio àquela que sou… Alegro-me do caminho percorrido, assumo as minhas contradições. Sinto que devo saudar com carinho a jovem que fui, mas deixá-la de lado porque agora atrapalha-me, o seu mundo de ilusões e fantasias já não me interessa.

Na verdade, é bom viver sem ter tantas obrigações e não ter de sentir um desassossego permanente causado pela necessidade de correr atrás de tantos sonhos. A vida é tão curta e a tarefa de vivê-la é tão difícil, que quando começamos a aprendê-la, já é hora de partir”.

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Profecia de Rita Lee

“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída.

Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ‘Ovelha negra’. As TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair.

Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkk’. Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los.

Epitáfio: Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”.

Texto de autoria de Rita Lee, publicado em 2016. Nota da redação: a notinha de obituário do Pitoco está aqui, nas palavras dela, irretocável, traduz exatamente quem ela foi.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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