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Pitoco O buraco é mais embaixo

Malha pavimentada na esparramada Cascavel tem 10 milhões de metros quadrados

Manutenção ideal é coisa para uma década ao custo de R$ 100 milhões/ano, dinheiro inexistente

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Pavimentação asfáltica já foi notícia em Cascavel pelos mais diversos e pitorescos motivos. Ao longo de seus 25 anos, o Pitoco registrou pagamento à empreiteira por “obra” não executada na Rua Terezina, façanha que ficou conhecida como “asfalto fantasma”; pavimentação com poste no leito da rua; “pasto” crescendo no asfalto recém aplicado no Jardim Guarujá e o consagrado pavimento “casca de ovo” em vários bairros.

O avanço nas ferramentas de fiscalização reduziu ocorrências bizarras como essas, fator que não impediu oneroso legado para o conjunto da sociedade: um passivo asfáltico bilionário. Como pavimento e voto são quase sinônimos, gestões consecutivas (principalmente após o instituto da reeleição), aportaram milhões do orçamento no “pretinho”.

Em contraponto, centavos para manutenção.

Pelas estimativas do ex-secretário de Obras em vários mandatos, engenheiro Fernando Dillemburg – maior autoridade neste tema na cidade -, Cascavel tem hoje 10 milhões de metros quadrados de pavimentação asfáltica em diferentes estágios de conservação.

Cada milhão na metragem pede R$ 100 milhões para manutenção, na hipótese que toda a malha esteja comprometida em algum nível. Ou seja, se fosse possível resolver esse passivo em uma única canetada, seria necessário R$ 1 bilhão. O orçamento anual da Secretaria de Obras para atender todas as demandas, que vão para muito além do buraco na rua, é de R$ 35 milhões.

BURACO NA PAUTA

O tema pavimentação ganhou tração nas últimas semanas em razão da buraqueira na cidade. A chiadeira da população aparece em destaque no serviço de ouvidoria 156, telefone para o qual alguns cidadãos mais incomodados reportam buracos na rua. Entre início de julho e final de setembro, foram 244 queixumes nesta área, posicionando as más condições asfálticas no top 4 das reclamações anotadas pela ouvidoria.

“Olha ali, tem uma rua no meio dos buracos”, ironizou uma telespectadora em edição recente de um telejornal local. O outro queixoso saiu-se com a tradicional: “Tem buraco em fila na calçada esperando sua vez de entrar na rua”.

Além da herança histórica, da falta de planejamento e recursos para manutenção, é relevante dizer que as seis equipes de tapa-buracos têm enfrentado também um
problema celestial: São Pedro não fecha as torneiras nem para dormir, já que as noites têm sido chuvosas também. Na média histórica, outubro é mesmo o mês mais chuvoso
do ano em Cascavel (183 milímetros), mas certamente este outubro de 2022 supera esse
índice de lavada.

Velhinho molhado

Culpar um velhinho sentado em uma nuvem não irá tapar buracos na cidade. Então, o paço busca algo que incrivelmente nunca foi feito: auditar in loco a qualidade do
pavimento em toda a cidade para entender por onde começar e quais técnicas aplicar.

“Estamos desenvolvendo um plano de gestão do pavimento. Vamos licitar uma empresa que utilize ferramentas como Geo Portal para termos uma diagnótico preciso”, explica Dillemburg.

Com o mapa em mãos, explica o engenheiro, será possível definir em cada trecho qual técnica aplicar: microrevestimento, como foi feito na Rua Rondon (Bairro Cancelli), reperfilamento (como está sendo feito na Recife, ao custo de R$ 5 milhões) ou
restauração em áreas mais degradas.

CONCRETANDO

Outra ideia que viceja no paço municipal é passar a atuar em novos loteamentos com pavimentação em concreto. “Essa técnica já está no mesmo custo ou inferior ao asfaltamento tradicional e dura quase três décadas”, diz Dillemburg.

Concreto mesmo é que suspensões, rodas e pneus não irão se livrar tão cedo dos buracos. Até porque, como está relatado aqui, o buraco é bem mais embaixo e ninguém sabe ao certo ainda em que profundidade.

Dillemburg em sua sala no 3º andar do
paço. No detalhe, o microrevestimento
aplicado na Rua Marechal Rondon (Fotos: Pitoco)

Memória

Os primeiros mil metros de asfalto

“Curitibano” trouxe os primeiros metros de asfalto para Cascavel; pedras irregulares compuseram a pioneira pavimentação há 68 anos

Os primeiros mil metros de pavimentação asfáltica em Cascavel não poderiam estar mais
frescos na memória do pioneiro Beto Pompeu (foto). Até porque ele via todos os dias os homens trabalhando em ferramentais rústicos na frente do imóvel em que dava expediente e morava, a Avenida Brasil, entre as rua Sousa Naves e a travessa Padre Champagnat.

Foi no primeiro mandato de prefeito do cartorário Octacilio Mion, no início dos anos 1960.

Ali, na “perna” direita da Avenida Brasil (sentido Leste-Oeste), o então mandatário do município trazia uma novidade disponível na sua cidade de origem, Curitiba.

Desta forma, entre os primeiros contemplados com o asfalto, além do próprio Pompeu, estavam a família Sonda, que mantinha ali uma mercearia de “secos e molhados”, como se dizia na época, clientes e funcionários da primeira agência do Banestado, uma fábrica de camas de molas do Braganholo e a loja Renner, dos Blay.

Pompeu se recorda do transtorno temporário que a obra trouxe e que nem meio-fio havia para delimitar a pavimentação, melhoria que foi acrescentada a posterior. Nada a reclamar, o asfalto valorizou os imóveis e Pompeu não precisou estacionar seu carro em outro lugar durante a obra pela simples razão de que automóvel ele não tinha. O
primeiro veículo da família viria somente em 1967, cinco anos após a obra de pavimentação, um DKW, carrinho alemão de motor em ciclo dois tempos fabricado
no Brasil pela Vemag.

Porém, a primeira pavimentação do município chegou uma década antes, em 1954, também na Avenida Brasil, mas em outro método construtivo.

“A Comissão de Estradas e Rodagens pavimentou com pedras irregulares o eixo central da Avenida Brasil entre as ruas Pio XII e o Posto Brasil, no São Cristovão”, relata Pompeu.

Segundo ele, a obra da década de 1950 foi muito útil para Cascavel, já que os frequentes
atoleiros atrasavam a logística e geravam imensos transtornos na cidade que nascia. “A pavimentação com pedras poliédricas tinha sete metros de largura e representou um grande avanço para a época”, relata o pioneiro.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

pitoco@pitoco.com.br

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