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Elio Migliorança

A face oculta da tragédia

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A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade, diz a terceira lei do físico, matemático e astrônomo inglês Isaac Newton, falecido em 1727. Embora enunciada há quase 300 anos, ela é bem atual, como se viu na tragédia de São Sebastião, no litoral paulista.

É uma tragédia anunciada, e a cada mudança de estação, outras entrarão nas nossas casas, ao vivo e a cores como se estivéssemos no centro dos fatos.

Na maioria das vezes, às vítimas se atribui a culpa pelo infortúnio, e não se fala daqueles que por omissão ou pela certeza da impunidade permitiram que isso acontecesse. Nas entrelinhas da tragédia devemos buscar quais os responsáveis que permitiram as construções em áreas de risco.

Se você pensou na administração municipal, acertou em cheio. Tudo acontece no município, até a tragédia é municipal. Vamos nos ater ao que aconteceu em São Sebastião. As maiores vítimas foram os moradores das construções nas encostas dos morros, construções irregulares feitas em local proibido.

Muito bem, se era proibido, por que foi construído? Quem estava sendo pago para fiscalizar as construções e não permiti-las em área de risco? Se estava sendo pago para tal, e na maioria das vezes muito bem pago, por que não cumpriu seu dever?

Este deveria ser o primeiro a ser preso por ter, com sua omissão, provocado a morte de tantos inocentes e deixado milhares de outros desabrigados. Muitas famílias perderam tudo o que levaram uma vida para construir.

Não é apenas um o responsável, foram sucessivas administrações municipais que permitiram as construções irregulares. Todas deveriam ser responsabilizadas por isso.

Estás pensando em como isso pode ser resolvido? Há um caminho. Habitação é uma questão municipal, pois é no município que a vida acontece. Portanto, a cada município deveriam ser destinados os recursos para o programa habitacional conforme as necessidades de sua população.

Há muitas experiências bem-sucedidas em nossa região que poderiam servir de modelo para o Brasil. Uma delas foi realizada na década de 1980, na minha cidade, Nova Santa Rosa. Foi chamada de “projeto mutirão” para construir 90 casas. O município comprou a área para o projeto e a Companhia de Habitação do Estado forneceu o material. Os candidatos foram selecionados de uma lista de munícipes que ainda não possuíam casa e moravam no município há pelo menos dois anos. Cada um deveria ter uma pessoa trabalhando no projeto, sob orientação do engenheiro e do chefe de Obras da prefeitura. Ao final do projeto as casas foram distribuídas por sorteio e como a mão de obra era dos próprios moradores e o terreno doado pelo município, só precisavam pagar o material, cuja parcela não podia ultrapassar 10% do salário mínimo.

A casa era para a família morar, não podia ser vendida e nem alugada. Caso um dos moradores mudasse de cidade, a casa era devolvida à prefeitura, que devolvia ao proprietário as parcelas pagas e a casa era repassada para o próximo da lista de espera.

Tudo funcionou muito bem até que um imbecil mudou as regras e dali em diante novos projetos habitacionais serviram para alguns conseguir uma casa para alugar ou vender, nunca tendo residido na moradia que recebeu.

Se cada município resolver o seu problema com seriedade, e os que permitirem irregularidades forem punidos, é provável que a próxima geração não conviva mais com as tragédias que nós presenciamos.

Por Elio Migliorança. Ele é empresário rural, professor aposentado e ex-prefeito de Nova Santa Rosa

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