Fale com a gente

Elio Migliorança

Linhas cruzadas

Publicado

em

Nas ligações telefônicas na década de 1980, era comum ocorrer cruzamento de linhas e, muitas vezes, ouvíamos conversas alheias, inconfidências e até pequenos segredos.

Meu artigo publicado neste jornal dia 11 de novembro foi uma linha cruzada, cuja intenção era alertar para uma atitude perversa e assim evitar que ela chegasse à nossa região.

Uma denúncia na cidade de Casca/RS revelou a existência de uma lista local de boicote contra os comerciantes e prestadores de serviços que haviam apoiado o candidato de oposição.

Nova Santa Rosa abriga em torno de 25 igrejas cristãs, cuja fé se fundamenta nos ensinamentos de Jesus Cristo, e na maioria das cidades da região a realidade é semelhante. Como Jesus Cristo disse “amai-vos uns aos outros”, não passou pela minha cabeça que cristãos se prestassem a este tipo de discriminação e que uma lista do boicote pudesse existir em nossa região.

Coloquei-me no lugar de um pequeno comerciante que de repente se sente boicotado pela sociedade: apenas por não ter revelado seu lado político, foi considerado suspeito de ser contra e incluído na famigerada lista. Não era problema meu, não ganhei nada com isso, mas não me acovardei e falou mais alto meu compromisso cristão de usar os meios de que dispunha para defender aqueles que estavam sendo pisados e marginalizados. Não é possível falar de Jesus Cristo sem falar dos pobres, dos marginalizados e dos excluídos. Era assim que agia nosso Mestre.

A reação de muitos leitores é pública, está nas redes sociais e todos são testemunhas dos adjetivos com que fui brindado. Até descobri coisas que eu nem sabia que era. Por outro lado, muitos também apoiaram, defenderam e contribuíram com preciosas reflexões em apoio à opinião que expus no artigo.

De várias partes do Brasil, recebi mensagens via e-mail com palavras de apoio e incentivo. Entre muitas outras, uma delas dizia: “Admiro a sua honestidade, e principalmente sua coragem de dizer o que precisa ser dito. Precisa ter muita força, pois, fatalmente, quem se posiciona se torna alvo de ataques pesados de ódio. Eu vi a movimentação na sua postagem no Facebook. Historicamente a humanidade repete as mesmas atitudes. O tempo passa e a velha Salém permanece. Tem a ‘bruxa’, tem a fogueira e tem você. Se você não se juntar à turba e não jogar pedra na cara da bruxa amarrada, então você será ‘bruxo’ também. E vai pra fogueira. A evolução se dá quando alguns têm força, coragem e honestidade para se levantar e dizer que algo está errado. Eu imagino que o senhor saiba lidar com ataques motivados pela emoção, pela ira, indignação e ódio de alguns. Mesmo assim emito minhas energias e meu apoio, para que não se abale! Sua voz é importante e faz diferença! Precisamos dela!”.

Outro e-mail dizia: “Parabéns professor pela serenidade. Por favor continue. Sua voz é necessária. O senhor nem imagina o alento que senti ao ler seu artigo no jornal O Presente e perceber que nem todos da minha cidade natal estão dominados pelo ódio. O senhor acendeu em mim a esperança do retorno à paz. Gratidão e por favor, continue”.

Disse Jesus: “Tudo aquilo que fizerdes a um destes, foi a mim que o fizestes”. O Bispo Dom João disse na celebração de despedida do Pe. José Aparecido: “Pode haver sangue nas mãos de todos aqueles que o pressionaram e o sufocaram ao ponto de levá-lo a este ato extremo”.

Como podemos dizer que amamos a Deus, que não vemos, se não amamos aqueles que vemos e com quem convivemos? Em que lugar estamos na lista de Deus? É tempo de Natal, pensemos nisso.

Por Elio Migliorança. Ele é empresário rural, professor aposentado e ex-prefeito de Nova Santa Rosa

miglioranza@opcaonet.com.br

Copyright © 2017 O Presente