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Ave, araucária…

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Não é possível entender o “estirão” de Cascavel sem compreender o legado que a árvore em forma de taça deixou no colchão econômico do município: em uma estimativa conservadora, R$ 20 bilhões

A foto que melhor retrata a Cascavel de ontem e de hoje, a Praça do Migrante: o capital humano que veio de outras regiões representado nas rampas do monumento e as araucárias do entorno.

O gaúcho da região de Caxias do Sul, Florêncio Galafassi hospedou-se em um hotel de madeira em Cascavel por quase 60 dias na segunda metade dos anos 1940 em sua primeira incursão por aqui. Ele trazia uma missão bem específica encomendada pelos futuros sócios das famílias Festugatto e Marder: contar araucárias.

Não se tratava de tarefa trivial. Era preciso esquadrinhar uma área de 26 mil alqueires picotada no mapa daquele sertão pelos futuros donos da Industrial Madeireira do Paraná. Cascavel era “escura de pinheiro”, como relatava uma testemunha ocular da história, o pioneiro Jairo Fabricio Lemos. Em uma conta bastante conservadora, Galafassi chegou a um número: meio milhão de araucárias.

Levando em conta toda a extensão, para além do que o gaúcho contou, considerando o entorno, que ia de Catanduvas a porções de Céu Azul, incluindo áreas de onde hoje está Corbélia, pode-se dizer sem medo de errar que foram serrados na micro-região de Cascavel algo como 1 milhão de pinheiros. Há quem dobre esta aposta.

A ERVA E O PINHEIRO

Possivelmente estamos versando sobre a maior floresta de araucária do planeta. No contexto do aniversário de Cascavel, celebrado – com controvérsia de data – no último dia 14, vale tentar decifrar o que representou o ciclo da madeira aqui.

O ciclo anterior, da erva mate, deixou muito pouco no vilarejo da Cascavel da primeira metade do século passado. Mas guardava algo em comum com o ciclo seguinte, o da madeira. A logística do pinheiro em tábuas, rumo aos portos do rio Paraná, tinha estradas precárias abertas pelos ervateiros argentinos. E o destino da erva e da madeira era o mesmo: descer o “Paranazão” até Buenos Aires (Argentina), para atracar no Puerto Madero e a partir dali ganhar o mundo.

CASCAVEL NA EUROPA

Araucárias centenárias que sombrearam as terras onde hoje está Cascavel, foram utilizadas na reconstrução da Europa devastada pela 2ª Guerra Mundial. O mercado internacional, recorda-se Dércio Galafassi, filho de Florêncio, só aceitava madeira de primeira.

“Em dado momento tínhamos 15 mil dúzias de tábuas de pinheiro rejeitadas pela exportação. Quando começaram a construir Brasília, nos anos 1950, vendemos tudo, limpou o pátio”, recorda-se. Sim, possivelmente, em algum sofá, cadeira ou mesa do Palácio do Planalto, do STF ou do
Congresso Nacional, ainda haja resquícios madeirados da floresta gigante de araucária de Cascavel e entornos.

Pelas contas de Dercio, Cascavel chegou a sediar mais de 150 serrarias no pico do ciclo. A Industrial Madeireira, a maior delas, tinha quase 200 operários. Estima-se que cerca de 2 mil cascavelenses viviam dessa atividade, algo como um em cada três viventes adultos da cidade.

O QUE SOBROU?

E o que restou do ciclo da madeira? Qual foi o legado? É possível ter uma noção a partir do preço histórico do metro cúbico do pinheiro. Segundo Guido Bresolin Junior, de tradicional família madeireira, e que até hoje atua no setor de reflorestamento, o preço histórico do cúbico de araucária beneficiado girou entre 400 e 500 dólares.

Se cada pinheiro rendia em média – segundo Galafassi – 10 metros cúbicos de madeira, é possível chegar a um número aproximado: serrar 1 milhão de pinheiros movimentou algo como R$ 20 bilhões. Seguramente apenas uma fração desse montante ficou aqui, mas pode-se dizer que as primeiras camadas do colchão de riquezas de Cascavel vieram mesmo da árvore em formato de taça semeada pela gralha azul.

ÁSPERA E HEGEMONISTA

Vale dizer que o ciclo da madeira serrou também outras espécies, como cedro, canafístula, marfim e peroba. Mas a araucária guardava uma característica única: o pinheiro é hegemonista, onde ele estava em quantidade, não nascia nem picão embaixo.Faz lembrar algumas lideranças cascavelenses, que, tal qual o gigantesco pinheiro áspero e hegemonista, atuaram ao longo da história para impedir o surgimento de concorrentes. Ave, araucária! Até neste aspecto deixaste legado!

Ave, araucária II

Considerações sobre o legado econômico do ciclo da madeira

Difícil cravar uma média histórica do preço do pinheiro, mas é preciso acrescentar a essa conta o capital formado com o beneficiamento de outras madeiras nobres, que também foram serradas nesta época. Mesmo a estimativa dos pinheiros pode estar subestimada. Alguns autores falam em 2 milhões de araucárias.

Parte desta renda foi convertida em investimento aqui na construção de casas e prédios, já que o ciclo gerou valor agregado. Parte do capital vazou também nos bolsos de investidores que vieram de fora e partiram em seguida com o esgotamento da madeira.

RUMO A NOVAS FRONTEIRAS

Famílias que fizeram fortuna rápida ao cabo de 20 anos com a madeira, já no meio da década de 1970, deixaram o Paraná rumo as novas fronteiras econômicas abertas em Mato Grosso e Rondonia. E prosseguiram o processo migratório que se iniciou no Rio Grande do Sul. É o fenômeno da mobilidade de capitais.

Parte do capital auferido com a madeira se manteve aqui na perspectiva de aumentar a capitalização com o ciclo da soja, mecanização da agricultura, destoca e aquisição de máquinas agrícolas.

Parte desse capital transformou o município de Cascavel em expressivo centro do setor terciário, de serviços. Isso exigiu um acúmulo de capital, parte dele do ciclo da madeira, que se transformou em outra atividade econômica.

Ave, araucária III

“Árvores são feitas para ser derrubadas” repetia o jornalista Sefrin Fº, crítico da índole “gafanhota” do Ciclo da Madeira

As mais de 150 madeireiras instaladas em Cascavel e entornos precisaram de menos de duas décadas para – na ausência de uma Serra Pelada aqui – produzir um “espigão pelado”.

Eram raríssimas as vozes dissonantes, ainda assim abafadas pelo barulho ensurdecedor do grito em coro: “madeira!”. Uma voz crítica vinha aos microfones da rádio Colmeia já nos anos 1960.

Era do jornalista Frederico Sefrin Filho, fundador de inúmeras publicações, entre elas a respeitada revista “Oeste” e o jornal “Hoje”. Ele questionava a venda dos pinheiros “a preço de banana” e o que seria da cidade após o esgotamento de seu principal tesouro natural, a araucária. “Árvores são feitas para ser derrubadas”, dizia e escrevia Sefrin, com o sarcasmo que lhe era peculiar.

A morte do jornalista, no inverno de 1996, poupou-0 de uma última decepção com o arvorecídio de araucárias: um belo exemplar de pinheiro do Paraná foi decepado na calada da madrugada na rua Rio de Janeiro para não ofuscar a glamourosa fachada envidraçada do Teatro Municipal que – por ironia do destino – leva o nome Frederico Sefrin Filho.

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Papo de “brimos”

Fayad edifica ponte com Alckmin para quebrar o gelo entre o Planalto e lideranças do Oeste

“Brimos”, é assim que os descendentes de árabes radicados no Brasil se tratam nas prosas informais. O agropecuarista Ibrahim Fayad, ex-presidente da Coopavel, e Geraldo Alckmin, portanto, são “brimos”.

Eles têm conversado nas últimas semanas para uma visita do vice-presidente da República, que é socialista (PSB), a um dos maiores enclaves bolsonaristas do Brasil, o Oeste do Paraná.

Habilidoso nas tratativas, “brimo” Fayad sabe que muitas demandas oestinas passam pelas escadarias de mármore do Planalto. E que ter as portas fechadas lá por birra política não é um bom negócio para a região.

Alckmin aprendeu a dialogar com o contraditório. Ele enfrentou o próprio Lula na eleição presidencial de 2006. Perdeu no Brasil, mas ganhou no Paraná por apenas um ponto percentual: 50% a 49%.

Em 2018 voltou a disputar a presidência, recebendo escrutínio pífio. Em Cascavel fez votação de vereador: 4 mil votos.

Sua guinada para a chapa de Lula em 2022 pegou muita gente de surpresa, mas também o credenciou – pelo conjunto da obra – a ser o elo do Governo Federal com regiões infensas ao petismo.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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