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Olhos e olhares do Lince

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Primeiro prédio comercial da cidade de Cascavel assoviava às lufadas dos ventos uivantes do espigão, assustando crianças que brincavam no telhado

Olhos de lince é uma expressão popular aplicada a alguém capaz de enxergar muito. Não é bem isso na origem grega da palavra. Lince é um deslumbrante felino, e o adágio popular, se fosse fiel aos fatos, diria respeito à luminescência dos olhos refletores do bicho. Qualquer uma das definições serviria para descrever os olhos postos ao longe, a partir da cobertura de um prédio no centro de Cascavel em direção à região Sul da cidade, onde estavam o bairro Guarujá e a BR-277. Era lá que repousavam os olhares de dona Ida Verruch: “Vai chover”, vaticinava ela aos ouvidos da neta Francielly.

Ida estava postada na “laje”, por assim dizer, do Edifício Centro Comercial Lince, no início dos anos 1980. “Minha avó ia para a única janela do apartamento, olhava para a região do Guarujá e dizia: se o ´tempo’ vem de lá, chove mesmo. Se vier do Norte, não chega aqui”, conta Fran, reproduzindo as palavras da sábia vovó, “doutorada” em metereologia pela observação e saberes ancestrais.

Lince, o pioneiro edifício comercial da cidade, tem muitas histórias para contar. No detalhe, o felino que nomina o edifício

“SEM FÔLEGO”

Como essa família de origem humilde, que outrora habitara uma “meia água” nas franjas modestas do bairro Parque São Paulo, foi parar na cobertura do primeiro edifício comercial da cidade?

Quando o Lince foi entregue pela construtora de mesmo nome, ao crepúsculo da década de 1970, havia poucos compradores e arremates a serem executados na obra. “Chegamos ao fim quase sem fôlego”, relata Mário Pereira, sócio do empreendimento, e que depois se tornaria o primeiro cascavelense a governar o Paraná.

Então o jeito foi “nomear” seu Osvaldo e dona Ida, “importados” da meia água do Parque São Paulo, para múltiplas funções naquele período de transição. Osvaldo seria porteiro, zelador, vigia, síndico e o que mais precisasse. E dona Ida andava muito ocupada, pois na “laje” improvisada como apartamento de escassa metragem havia o casal, quatro jovens e uma criança de três anos, Fran, a netinha: “Foi preciso encontrar espaço onde não tinha. Então montaram uma cama embaixo da laje das caixas d´água e o telhado do prédio era meu quintal, eu brincava lá…”, recorda-se.

Incrível imaginar crianças brincando sobre o telhado de um prédio de 11 andares naquele momento que marcava o início da verticalização da cidade, principalmente pela ventania que varria o espigão de Cascavel desprovido de qualquer obstáculo.

PRÉDIO FANTASMA

Os ventos uivantes do Lince marcaram as memórias auditiva daquelas crianças. Nas longas noites, feriados, domingos, o prédio era fantasma do 11º andar para baixo. “As rajadas assoviavam e atemorizavam a gente”, relata Fran.

Esta reportagem segue, mas não sem antes observar o fato curioso que permeia o olhar ao Sul em busca de negras nuvens tinadas por relâmpagos lançados pela vovó Ida, que após a morte de Osvaldo se tornaria síndica: em todos os lançamentos de edifícios que se sucederam ao Lince, as primeiras unidades vendidas são as mais elevadas. E a “joia da coroa”, a unidade mais cara e desejada, é a cobertura.

No primeiro prédio comercial da cidade, a “classe operária” foi ao paraíso, e os moradores da cobertura (mesmo que improvisada) foram a família humilde que pagava aluguel em um fundo de lote nas franjas do Parque São Paulo. A família Verruch – literalmente – subia na vida aos assovios dos ventos uivantes observados na “estação metereológica” da dona Ida.

Em tempo: Os Verruch não moram mais no prédio, e os luminescentes olhos de lince da vovó Ida se fecharam pela vez derradeira em maio do ano passado, aos 97 anos de idade.

“Avisei que encalharia”

Projeto dividiu sócios e enfrentou dívidas; ausência de garagem e safra frustrada foram as causas do aperto

Havia quatro sócios no empreendimento antes de o edifício Lince sair da prancheta para o papel. Um deles, que a posterior seria reconhecido como o arquiteto das mansões suntuosas, Nilson Gomes Vieira, era contrário à construção.

“Esse prédio foi a gota d’água para meu afastamento da construtora. Alertei: não tem garagens, esse fato poderia encalhar as vendas, e não deu outra. Fui voto vencido”, diz Vieira. Contrariado, ele deixou a sociedade: “São coisas que só me aborreceram. Apesar dos pesares, eu e o Mário somos muito amigos”, acrescentou.

O Mário em questão não é aquele do armário. Trata-se do ex-governador do Paraná, então sócio da Lince Construtora. Engenheiro eletricista, ele chegara a Cascavel uma década antes do Lince para construir subestações da Copel.

O terreno vistoso, na esquina da Sousa Naves com a Paraná, era ocupado por um boteco típico da época, de um tal “Alemão”. O imóvel foi adquirido pelo sogro de Mário Pereira, José Casagrande, e logo a bodega foi ao chão. Mário ofereceu pagar o terreno ao sogro com unidades no Edifício Lince. “Em 15 meses, no ano de 1980, o prédio estava pronto”, recorda-se o ex-governador.

“ENCALHE”

Durante a construção os sócios estavam otimistas. Havia, segundo Mário, mais compradores que unidades disponíveis. Mas o interesse manifestado verbalmente não foi para o papel. “Foi um erro comercial nosso não ter efetivado. Quando estava quase pronto, Cascavel vivia sua primeira grande frustração de safra. Seria excepcional, virou um problema”, disse.

QUANTO VALE?

Hoje o Lince é uma referência em Cascavel. Bem administrado, em ótimo estado de conservação e relativamente acessível: é possível locar uma sala de pouco mais de 30 metros quadrados por R$ 750. Condomínio de R$ 300. Unidades de 44 metros quadrados estão ofertadas por uma média de R$ 200 mil.

A clientela vip

Prédio se tornou um reduto de profissionais liberais, incluindo o casal Szymanski, que combateu o nazismo na Polônia

Safras frustradas, ventos uivantes, nuvens negras ao Sul e ausência de garagens poderiam assustar o oftalmo Constantino e sua esposa Halina Szymanski? Definitivamente não.

Eles estão entre os primeiros clientes do Centro Comercial Lince. O casal enfrentou barras bem mais pesadas, como quando pegou em armas e cerrou fileiras na resistência à ocupação nazista em Varsóvia, a Capital polonesa, nos anos 1940. “Em 1979 eu e meu pai resolvemos partir para uma sede própria, e a Lince Construções do trio Wladimir Welte, Francisco Odaval Gonçalves e Mário Pereira estava concluindo o edifício. Financiamos pela Caixa e transferimos a clínica para o 1º andar do Lince em 1980”, conta Jack Szymanski.

Yves Consentino Cordeiro, advogado, também é um dos pioneiros. Ele trocou honorários por duas salas no 6º andar. Trabalhou muito. “Havia 24 ações trabalhistas contra a construtora do prédio, todas movidas pelo Mario Katuo Kato”, recorda Yves. Kato foi fundador do PT e batiza uma rua em Cascavel, no Jardim Presidente. Cordeiro também atuou para blindar o Lince de dívidas com o Banco Nacional e o Banestado. “Ao fim tudo foi acertado e os construtores não ficaram devendo nada. Fiquei feliz, tenho uma estima por esse prédio”, atesta.

Ao longo dos anos o Lince mostrou uma vocação para abrigar profissionais liberais: médicos, dentistas e, principalmente, advogados. Entre eles os irmãos Dietrich, Bittencourt, Aderbal, Evaristo Neto/Sinclair Tibola, Paulo Reneu Simões, Adriana/Ramiro Dias, Mahlmann & Dal Piva, Tinoco/Eneide e o próprio síndico, Nery Simon, entre outros.

O Lince também abriga sindicatos, como o dos bancários do longevo, interminável e persistente Gladir Basso, de frentistas e de professores municipais.

A NÚMERO 1

Foi também no edifício Lince que se ouviu os primeiros latidos do Pitoco. Ali, no 7º andar, foi redigida e impressa a edição 01 do jornal, em 27 de janeiro de 1997. Quase 27 anos depois, o jornal sobrevive ao tempo para registrar – na condição de testemunha ocular – fragmentos históricos do charmoso edifício da Sousa Naves com a Paraná.

O oftalmologista Jack Szymanski concede entrevista ao editor do Pitoco em seu longevo consultório no Lince: personagens que contam a história do primeiro edifício comercial da cidade

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Hora de quebrar o gelo

Lideranças do agro se encontram com o “ministro” de Lula no Paraná, Enio Verri; esfriamento das urnas impulsiona relações institucionais pragmáticas

21 de junho, quarta-feira da semana que passou: alguns dos principais líderes do agronegócio oestino adentram a sala de reuniões da Frimesa, em Medianeira.
Estavam ali para um encontro com o diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional, Enio Verri, barbudo, petista de carteirinha, lulista raiz, ex-deputado da sigla em vários mandatos.

A Frimesa, agora presidida pelo diplomático Elias Zydec, era uma espécie de “campo neutro”. Local ideal para reunir petistas e anti-lulistas visando “quebrar o gelo”, como definiu um dos presidentes das bilionárias cooperativas.

Estavam ali presencialmente Dilvo Grolli (Coopavel), Valter Pitol (Copacol) e Alfredo Lang (C.Vale), entre outros menos votados. O líder cooperativista mais exposto na campanha presidencial, Irineo da Costa Rodrigues (Lar), participou por vídeo.

Líderes do agro graúdo da região posam para foto com o barbudo petista de carteirinha, lulista raiz e “ministro” do PT no Paraná, Enio Verri: águas do reservatório se misturam com óleo de soja?

URNAS GELADAS

Dá prá apostar que naquela sala havia um que fez o “L” diante de todos os demais que fizeram “arminha”. Mas era o momento de desarmar, e o encontro se deu em alto nível, conforme projetou o chefão da Frimesa.

“O primeiro encontro dos presidentes com Verri era muito aguardado, principalmente em razão da importância estratégica que a Itaipu desempenha no contexto regional” , disse a nota emitida pela turma do agro após o encontro da água do reservatório com o óleo de soja.

Agro graúdo e PT poderão trabalhar juntos? Como a história conta, o Titanic também tentou quebrar o gelo… Ceticismo à parte, espera-se que o exemplo de convivência civilizada e institucional demonstrado em Medianeira derreta os icebergs distribuídos no mar de rancores que a polarização política legou ao Brasil.

Em Toledo

Outras cenas registradas no Oeste, esta semana, dão um indicativo que as urnas eletrônicas estão esfriando e o pragmatismo prepondera. Os adversários políticos Beto Lunitti e Dilceu Sperafico se encontraram em Toledo para alinhar ações conjuntas.

Sperafico com o adversário de 2020 e provável adversário novamente em 2024, Beto Lunitti

Em Marechal Rondon

E na “Alemanha do Oeste”, Marechal Cândido Rondon, epicentro do bolsonarismo regional, o prefeito Marcio Rauber, entrevistado pelo jornal “O Presente”, afirmou “ter que acreditar no governo do presidente Lula”.

Disse Rauber na ocasião: “Tenho que acreditar no governo Lula… eleição acabou. Lula vai ser presidente até acabar o mandato. Não votei nele, mas não adianta ficar esperneando. Tenho que buscar o que o governo Lula tem. Não posso governar com bandeira partidária. Tenho que manter relação boa com Itaipu, sermos diplomáticos, respeitosos. Não é porque 80% de Rondon votou na direita que vou fechar as portas e dizer que aqui recurso do Lula não entra”.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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