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Pitoco O mercado de pulgas

Projeto para revitalizar quadrante mais degradado de Cascavel vai enfrentar desafios nada desprezíveis

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Revitalizar a região da antiga rodoviária é tarefa fascinante; ali está o “prédio indestrutível” que sonhou ser grande; ali, em um boteco, foi criado um gesto feito com a mão que o Brasil inteiro conhece

Concepção do calçadão na área da rodoviária velha, que terá ruas elevadas e pavers em forma de pinhão: conflitos da cidade de ontem com a Cascavel do futuro

O projeto para revitalizar o quadrante mais degradado de Cascavel vai enfrentar desafios nada desprezíveis: o ambiente que abrigou a rodoviária de meados dos anos 1960 até 1987 – quando passou a operar o novo terminal, na região do Centro Cívico – é um lugar envelhecido e estigmatizado, conhecido por abrigar dependentes químicos e prostíbulos, quase uma “cracolândia cascavelense”.

O prédio da antiga rodoviária ainda está lá, em precárias condições. Ao centro do “complexo”, abrigam-se hotel, estacionamento, e o lendário restaurante Polentão. No entorno o cenário é sofrível. Prédios antigos, descorados. Entre eles, o “Carandiru”, como ficou conhecido o Edifício Cascavel, melhor descrito na página seguinte.

Para enfrentar um “show de horrores” urbanístico, Cascavel escalou uma grife de nome e renome: Jaime Lerner, arquiteto e urbanista de renome internacional. Um dos últimos trabalhos – senão o derradeiro assinado por Lerner foi em Cascavel – contratado para um facelift na floresta urbana da cidade, região do Lago Municipal.

PINHÃO DO LERNER

No projeto “Território Verde”, a ser aplicado no entorno do Lago, Lerner deixou uma semente preciosa que somente mentes iluminadas poderiam gerar: calçadas com paver em forma de pinhão. Foi então que a turma do Paço, ao repensar o centro degradado da cidade, exportou do Lago para o ambiente da antiga rodoviária a ideia: um calçadão com pavers no formato pinhão.

Assim, as ruas Jarlindo João Grando e a mão inglesa da Erechim irão formar calçadões conectando a Barão do Cerro Azul com a praça da Catedral. Serão ruas elevadas, aberta ao tráfego de veículos, mas que podem ser fechadas aos domingos para levar atividades sapiens ao centro revitalizado. “Podemos criar ali um mercado de pulgas, comércio de antiguidades, como temos em Curitiba”, diz o secretário de Obras, Sandro Camilo.

A MÃO INVISÍVEL

Os comissários do Paço sabem muito bem até onde podem ir. A Prefeitura pode tombar ao patrimônio histórico do município alguns daqueles prédios mal conservados do entorno. Mas para isso precisa arcar com pesadas indenizações e eventual judicialização. Então a aposta, num primeiro momento, é despertar o espírito animal do capitalismo, a mão invisível do mercado, descrita pelo liberal Adam Smith.

Ou seja, estimular investimentos privados para colocar a velharia abaixo e reabilitar o local. “O poder público dá o ponta pé inicial”, descreve o secretário Sandro, como quem diz: a partir daí a bola estará com os empreendedores e investidores privados.

A mão visível

Até onde o espírito animal do capitalista é bem vindo na revitalização do antigo terminal? Possivelmente até o ponto em que algum ambiente público consiga traduzir e preservar o que representou para Cascavel aquele local.

Ali foi o ponto de chegada e de partida de milhares de sonhos. Dezenas de milhares de famílias embarcaram naquele terminal em busões da União Cascavel para o distante Estado Rondônia. Em algum momento dessa trajetória, o motorista era o próprio Assis Gurgacz, homem que iniciou um império empresarial a partir de um único coletivo que fazia o trajeto “rodoviária velha” de Cascavel-Santa Tereza do Oeste.

Há muitas histórias ali: foi no ambiente boêmio de um barzinho mal iluminado em uma noite de muitos porres e tragadas que o jornalista Mário Milani criou o “L”. Sim, o “L” de Lula feito com a mão, hoje conhecido em todo o país e fora dele.

Usa-se o “L” para idolatrar o presidente, usa-se o “L” para difamá-lo. Mas usa-se o “L” produzido em um cafofo da antiga rodoviária de Cascavel nos dois lados da insana polarização.

Sim, o mercado de pulgas com o pinhão do Lerner promete criar ambientes propícios a incríveis contações de histórias, como a de Luciano Tomé, o “síndico” do Carandiru…

Assis Gurgacz na época em que pilotava o busão na rota Cascavel-Santa Tereza

Em países como a França e a Inglaterra, as feiras onde se vendiam objetos usados eram chamadas de “marché aux puces”, que significa mercado de pulgas. Acredita-se que esse nome tenha surgido porque os objetos eram colocados no chão, onde as pulgas se aglomeravam

Edifício Cascavel

O prédio mais estigmatizado de Cascavel olhado de dentro;

Luciano Tomé, dos hotéis cinco estrelas para os 30 metros do “Carandiru”

A cor do prédio é um rosa descascado, matizado com manchas escuras, efeito do bolor, do mofo. Está na Carlos Gomes, esquina com a mão inglesa da Erechim.

O Edifício Cascavel Ltda. é a cara cuspida e escarrada da região mais estigmatizada da cidade. O prédio é uma coisa. As pessoas que o habitam, outra. O Pitoco esteve lá buscando um olhar para além das paredes maltratadas, visando enxergar gentes. São 23 famílias, entre elas três casais de haitianos que labutam nas madrugadas cortando frangos em frigoríficos. São trabalhadores de vários ofícios e ele: Luciano Tomé.

O sobrenome não é estranho. Luciano é sobrinho do ex-prefeito Lísias de Araújo Tomé. A vida dele rende mais que um livro, uma enciclopédia. Foi no ambiente que ele chama de “sala comercial”, no 2º andar do edifício, que ele recebeu a reportagem na noite do último dia 30.

A sala é também a morada de Tomé. Com 30 metros quadrados, o local tem um banheiro, roupas penduradas, inúmeros cartazes indicando o que há em cada gaveta, uma cama de frente para um pequeno monitor de TV, computador, chão bruto, tudo muito apertado, muito simples, frugal mesmo. As outras kitinetes são ainda menores, com cerca de 20 m2. Impensável imaginar que ali, a apenas algumas dezenas de metros de apartamentos de altíssimo padrão, possa haver habitações assim.

Luciano Tomé em sua morada no edifício mais estigmatizado da cidade: nem terremoto derruba o “Carandiru”

Tomé conheceu o luxo, mas não demonstra saudades deste tempo. Ele parece muito bem familiarizado no “Carandiru”, como foi apelidado o prédio em bulling com o notório presídio de São Paulo, demolido após o massacre de 111 detentos pela PM paulista. Nem sempre foi assim. Ali já moraram ou estabeleceram escritórios sobrenomes como Siliprandi, De Bona e Formighieri, além dos irmãos de Luciano, os advogados Alcides e Antonio (pai de Lísias).

SOMBRA DE CURITIBA

Luciano Tomé conta que um senhor chamado Inácio, na segunda metade dos anos 1960, convenceu um grupo de agricultores a aportar dinheiro naquele que seria o maior prédio da cidade, “a ponto de fazer sombra para Curitiba”.

Seriam 20 pavimentos. “Ele juntou o dinheiro do pessoal, drenou o brejo que havia no terreno e fez as fundações para um edifício realmente grande. Quando chegou ao terceiro andar, anoiteceu e não amanheceu aqui. Fala-se que virou fazendeiro no Mato Grosso”, conta Tomé.Enfiado em um limbo jurídico, o imóvel hoje faz parte de uma massa falida. “Nós, os moradores, somos fiéis depositários da massa”, diz o ex-bancário.

Sim, Luciano Tomé passou no concurso mais difícil de sua época, o do Banco do Brasil. Cresceu na instituição, frequentou hotéis estrelados em Brasília, e hoje vive de boa em seus 30 metros quadrados. “Meus proventos no BB chegaram a 30 salários mínimos”, relata ele.

TREMOR NO CHILE

Caçula de sete mineiros, pais de seis filhos com cinco esposas, Luciano Tomé é um sujeito articulado, escritor, erudito. Defende o Edifício Cascavel daqueles que apontam o imóvel como área de risco, como fez a própria Defesa Civil em laudo. “Área de risco? Lembra do recente terremoto no Chile, que fez tremer apartamentos nos melhores prédios de Cascavel? Aqui não mexeu um quadro na parede. O prédio tem fundações para 20 andares, e sustenta três pavimentos”, argumenta ele.

Tomé enxerga uma conspiração de gananciosos operadores do mercado imobiliário para derrubar o prédio. “Quanto mais deprecia o produto, mais barato fica para comprar”, argumenta o arguto Tomé, aos 80 anos de idade, versado no idioma de Napoleão e morador há 43 anos no “Carandiru”, o prédio mais estigmatizado de Cascavel.

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Evidências de “É o amor”

Zezé Di Camargo e Chitãozinho & Xororó emprestam suas grifes para condomínios de luxo em Cascavel de olho nas ricas terras expandidas do perímetro urbano de Cascavel

Portaria elegante do condomínio “Evidências”, de Chitãozinho & Xororó, prospectando negócios em Cascavel. No detalhe, Zezé Di Camargo e esposa no trigal que vai dar lugar ao emprendimento imobiliário “É o amor”, na região do Trevo Cataratas.

A novela Terra e Paixão acabou. Já a paixão pela terra, não. A música tema do enredo vai continuar tocando em Cascavel, caso se confirmem as notas musicais ouvidas recentemente na elegante morada do empresário Roberto Vilella, nas Marinas de Boa Vista, a Beverly Hills do Oeste.

Por lá circulou um dos irmãos da dupla Chitãozinho & Xororó, Amauri Prudêncio de Lima, o Mauri. Ele confidenciou aos mais próximos que está negociando uma área na porção Oeste do município com uma conhecida família cascavelense de sobrenome italiano.

A ideia é lançar aqui uma unidade do condomínio Evidências, empreendimento imobiliário de alto padrão em que são sócios o pai e do tio da solteirona Sandy.

“É O AMOR”

Já o condomínio fazenda “É o amor”, do cantor Zezé Di Camargo em parceria com empreendedores de Cascavel da família Rizzardi, está mais avançado. São mais de 400 lotes distribuidos em 85 hectares atrás da Erva Mate Laranjeiras, na região do Trevo Cataratas Alsir Pelissaro. “O lançamento do condomínio será ainda nos primeiros meses de 2024, bastando para isso conciliar a agenda do Zezé de Camargo”, disse, Rogério Rizzardi, sócio do pai da Wanessa.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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