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Editorial

Onde o humor não pode entrar

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A notícia deste fim de semana que roubou a cena, com o perdão do trocadilho, foi o tapa na cara dado pelo ator Will Smith em seu colega de profissão, o ator Chris Rock, durante a cerimônia de entrega do Oscar 2022.

O agressor saiu da plateia, esbofeteou o apresentador do evento, em cima do palco, e retornou ao seu lugar, sob o olhar de pessoas em todo o planeta, depois que Chris fez uma espécie de piada, se é que se deva considerar dessa forma, sobre a aparência da mulher de Will, que tem a cabeça raspada por conta de uma doença que ela enfrenta. Foi o suficiente para enfurecer o homem que minutos mais tarde levaria a estatueta de melhor ator.

No começo ninguém entendeu nada. A maioria pensou que era mais uma encenação que os produtores do evento fazem todos os anos. Mas não. Não tinha nada de hollywoodiano, era a fúria dirigida a um homem que sem sombra de dúvidas estava errado ao tratar a doença de uma pessoa com deboche ou desdém.

A atitude de Will Smith está totalmente errada, é condenável. A violência nunca foi e nunca será o caminho. Mas este editorial não quer saber de quem é a culpa ou se ela é compartilhada, ou qualquer outro julgamento. O que propomos aqui é uma reflexão sobre até onde o humor pode ir, onde esse humor deixa de ser piada e se torna ofensivo.

Até alguns anos atrás era bastante comum piadas que caçoavam de negros, de mulheres loiras, de pessoas com deficiência, de nordestinos, entre tantos grupos historicamente ofendidos nos repertórios cômicos. Era normal. Era o tal do humor negro que as pessoas “perdoavam”.

Mas a sociedade brasileira e mundial tem se desenvolvido ao longo dos anos (quero acreditar nisso). Até as piadas melhoraram, ficaram mais inteligentes. Não se tolera mais preconceito e intolerância, mesmo em piadas, mesmo em um show de humor.

Com o surgimento dos novos comediantes com o movimento stand-up, especialmente nas principais cidades brasileiras, o humor também evoluiu. No entanto, não é incomum observar um desses comediantes transpor a barreira do lógico e moral para se aventurar na inconveniência e na inobservância do sofrimento alheio. Teve muito comediante fazendo piada com Lázaro, o cidadão que assassinou várias pessoas no Centro-Oeste do Brasil no ano passado. Dias atrás, outro “comediante” defendeu o partido nazista.

Para ser humorista é preciso ser inteligente. E isso inclui saber que uma risada não pode ser mais importante do que a dor de alguém. Não existe mais o “perco o amigo, mas não perco a piada”. É preciso sabedoria para fazer rir sem machucar ninguém. Não é mimimi, é evolução.

Claro que o humor desliza por essas zonas perigosas e que ele deve ser preservado, valorizado, mas até o humor precisa saber onde pode chegar, em que áreas não pode tocar. Não se trata de censura, se trata de bom senso e respeito.

Bons humoristas fazem rir com muito, com pouco, com quase nada, mas especialmente não fazem ninguém chorar. Tudo nessa vida tem limites, inclusive as áreas por onde permeia o humor.

 

 

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