Fale com a gente

Fátima Baroni Tonezer

“Se você não for notável, você será esquecível”

Publicado

em

Não me recordo o nome de quem citou essa frase, absurda do ponto de vista da saúde mental, mas muito sintonizada com a cultura da alta performance, um mantra seguido por muitas pessoas. Essa e outras frases, como “faça melhor 1% por dia e ao final de um ano você será 365% melhor”, fazem parte de mensagens nada subliminares sobre comparação social e só não consegue quem não tenta ou é preguiçoso. É verdade que sem ação não há resultado, mas não é tão simples assim.

Essas “crenças” propagandeadas à exaustão em nossas redes e em diversos “cursos” que prometem ensinar a enriquecer ou emagrecer do dia para a noite estão nos adoecendo mentalmente. O Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, divulgou em abril de 2023 dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontando que o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população. Há também um enorme alerta sobre a saúde mental dos brasileiros, já que uma em cada quatro pessoas no país sofrerá com algum transtorno mental ao longo da vida.

EM TEMPOS DE COMPARAÇÃO

Essa breve introdução tem a intenção de dar o tom da gravidade do problema e como estamos adoecendo cada vez mais e mais cedo. No início de nossa vida, isto é, na infância, era normal a comparação com as pessoas próximas, como família, coleguinhas da escola. A questão é que cada vez mais cedo, alguns inclusive nos primeiros meses de vida, começam a ser expostos às redes sociais. Vale lembrar que o YouTube e assemelhados se tornaram babás bastante eficientes e baratas, e isto está comprometendo nossa saúde mental, já que nos conduz à perda de confiança, do autorrespeito. Sei que alguém pode “lembrar-me” que isso não é novo, que os contos de fadas e os desenhos na televisão já faziam isso. A questão é que em épocas nem tão remotas assim, algo como 15 anos, não tínhamos uma diversidade de opções na televisão, com a maioria da população sem acesso à TV a cabo, os canais pagos ou internet, e em função dessa situação, havia o tempo entre pares, vendo pessoas semelhantes a nós, e a vida perfeita ficava restrita às novelas. A régua da comparação era menor e mais local.

O MUNDO COMO LIMITE

Dias desses ouvindo uma entrevista do psicólogo Rossandro Klinjey, uma frase chamou minha atenção e provocou o início dessa reflexão. Na entrevista, ele comentou que é comum, ao entrarmos na casa de alguém, nos depararmos com fotos sobre móveis, ou nas paredes, da família, de viagens. E aceitamos como “normal” que ali não estejam expostas fotos de momentos trágicos, mas nem por isso achamos que ali vive uma família feliz e sem dificuldades.

A pergunta insistente então é: por que ao bisbilhotar o Instagram ou outra rede social, e vermos as fotos postadas dos momentos felizes, de pessoas bem-vestidas, em festas ou viagens (inclusive com uso de filtros e retoques), acreditamos que aquilo sim é felicidade, que aquela pessoa só tem sucesso, tem tudo o que sonha, que para ela é tudo fácil, que é capaz, inteligente, bonita… e eu não, só eu não consigo, só eu não dou certo?

E por mais que negamos a comparação, ela está acontecendo, bem ali, no nosso inconsciente… criando desconforto, a culpa de não ser capaz. De não dar conta… Isso nos distancia de nossos valores, de nossos desejos e necessidades. Começamos a querer e acreditar naquilo que nos é vendido em pacotes brilhantes, de papel colorido. E quanto mais para fora, na intenção de agradar e pertencer, maior o buraco interno, os vazios, a frustração.

Entrar em contato com nossas emoções, perceber nossa vulnerabilidade é desconfortável, dói. E aí ouvimos ou mesmo falamos “você tem que ser forte!”, não perca tempo com mimimi. É importante diferenciar o que é estar num estado passivo de reclamação perpetua, à espera de um “herói de capa e espada” que virá nos salvar e aceitar a vulnerabilidade, olhar as dores e buscar a saída. Permitindo-me entrar no deserto (minha psique) e mergulhar nas profundezas da minha alma. Até porque quem nunca mergulhou na própria alma jamais terá a capacidade de mergulhar na alma do outro. Isto é, quem nega suas próprias necessidades, mesmo que diga o contrário, não será capaz de acolher e auxiliar a dor do outro.

Se alguém não se ama, não consegue sentir o amor do outro. Se não reconhece os próprios limites, vai permitindo o desrespeito do outro para com suas necessidades. Ao mesmo tempo que não consegue respeitar os limites dos outros. Quero encerrar com uma frase atribuída a Gisele Bundchen, modelo brasileira de fama internacional. Ao ser perguntada se gostaria de mudar algo em si, respondeu que gostaria de ser igual às suas fotos nas capas de revista. Lá tem tanto filtro e retoque, que ela parece ser perfeita. Fica com a reflexão.

Nos encontramos na próxima semana para conversar sobre outro assunto muito presente no setting terapêutico e nas redes sociais, que incomoda muita gente e tem diversos motivos como fatores predisponentes.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

Copyright © 2017 O Presente