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Padre Marcelo Ribeiro da Silva

A serenidade

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Quando a vida entra no estágio da maturidade, quando a estabilidade financeira e no trabalho vem a se tornar concreta, quando os filhos passam a alçar seus próprios voos, então, a tão sonhada tranquilidade da vida adulta vem a ser conturbada pela mudança das questões que nos angustiam.

A vida nos golpeia como num jogo em que as peças se rearranjam de improviso. Essa é a experiência de muitos de nós na passagem para a maturidade.

O novo na idade madura não são conquistas, vitórias, sucessos, mas os inesperados sinais de que a vida não está sob o nosso controle como sonhávamos que estivesse.

Surgem motivos de inquietude com os filhos; eles saem de nossas asas, decidem-se por caminhos que não são os de nosso desejo e, não raramente, escolhem modos de vida em contradição com os nossos.

A inquietude na vida de casal também propõe novos desafios. O relacionamento já haverá peregrinado um longo trecho e a convivência poderá se encontrar envenenada por ressentimentos.

O afastamento faz conviver na mesma casa pessoas que foram tão íntimas, mas que já não sabem como se fazerem próximas e os momentos de solidão tornam-se mais constantes do que gostaríamos que o fossem.

Como se não bastasse esses desafios, começam a aparecer os sinais da nossa debilidade física. Os passos já não são tão ligeiros, a cabeça não processa tudo com a mesma ligeireza, sentimo-nos que estamos ficando para trás, sentimos crescer uma insegurança como nenhuma outra que já tenhamos experimentado: a insegurança da nossa própria fraqueza.

Nesse momento, o mundo começa a se tornar grande demais para nós e os problemas já não nos parecem simples de resolver. Começamos a viver tentações que nunca tivemos.

Será que dou conta? Há solução para este problema?

E o medo passa a ser um grande inimigo muito mais próximo de nós do que nos tempos da nossa juventude.

Por que descrevo tudo isso?

Para lembrar-nos de algo que a atividade da vida juvenil não nos permite enxergar bem: a verdade de que a nossa vida só vai à frente por força da providência de Deus, que todos nossos passos são originariamente inseguros enquanto não nos lançamos à confiança da condução de Deus.

Bendita maturidade! Ela nos permite olhar para a incerteza da vida, permite enxergar-nos como débeis, permite-nos um tempo para acolher a fragilidade que somos. Essa fragilidade é que nos faz ver como nada neste mundo é perfeito.

Sim, podemos viver coisas belas, significativas, mas elas passam e a gente também passa com elas. Fugir da prova da nossa imperfeição apenas atrasa, mas nunca impede nosso encontro com a limitação da vida.

Bendita maturidade! Seu propósito não está na acusação de nossa debilidade, não precisamos ter medo disso, mas serve-nos como um convite a um tempo de preparação para aquilo que virá a ser perfeito. Arrancando a casca da vida, camada por camada, vai revelando em quem está nossa força e esperança, em quem se encontra a nossa luz e para quem se dirigem os nossos passos.

Então, nasce a serenidade, a filha recém-nascida de nosso envelhecimento. Ela vem para aqueles que se tornam conscientes de sua própria fraqueza, vem a nós em um parto difícil, mas que chegando inunda de paz a nossa pobreza. Serenidade de um coração já devotado aos cuidados de Deus, serenidade de quem não decide mais nada, apenas reza e se permite guiar.

Meus irmãos e irmãs, não resistais a maturidade. Ela trabalha para o nosso bem gerando em nosso coração a serenidade.

Por Marcelo Ribeiro da Silva. Ele é padre da Diocese de Toledo
Reitor do Seminário São Cura D’Ars
Doutorando em Filosofia – Unioeste

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