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Padre Marcelo Ribeiro da Silva

Purificar o coração para ver

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Nas bem-aventuranças Jesus declara as condições para a felicidade dos cristãos. Vê-las em seu conjunto é enxergar a vida de Jesus abreviada em palavras: pobreza, mansidão, consolo, justiça, pureza, pacificação, perseguição. Escolho falar um pouquinho sobre o sentido da 6ª bem-aventurança, a da “pureza do coração”.

Segundo o Evangelho, são “felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). Perceba como se relacionam a palavra “pureza” e o verbo “ver”: para ver é preciso ter um coração puro.

Penso que essa seja a condição tantas vezes desconsiderada em nossa busca de ver a Deus. Queremos vê-lo, queremos ouvi-lo, fazer a experiência de sua presença, sentir arder o coração no contato com Ele, mas, não raras vezes, descuidamos da situação em que se encontra o nosso coração.

Embora o coração humano não seja obstáculo para a manifestação de Deus em nós, isso não significa dizer que sua condição mais ou menos impura não afete nossa capacidade de “ver” o Senhor.

O coração é o símbolo do ânimo, dos desejos e sentimentos que nos movem na vida. Enquanto o corpo se desenvolve por natureza, o coração amadurece na liberdade; o coração não está automaticamente programado para ser puro, mas, entre situações que lhe afetam e a liberdade frente o que lhe afetou, desceram-se em tensão possibilidades de escolher entre a pureza ou a impureza do coração.

Interessante é como a pureza ou a impureza do coração se refletem no modo como vemos o que está fora de nós. Jesus não deixou de atentar-se a essa questão, quando afirmou que é de dentro do coração do homem que sai o que lhe torna impuro (Mc 7, 20-23). Ele nos ajudou a pensar como projetamos fora de nós a impureza que trabalha dentro de nós.

A psicologia tem um princípio que resume isso: “aquilo que não aceitamos em nós, lutamos para eliminar fora de nós”.

Isso nos serve como ajuda para que nos reconhecemos em nossas autoimpurezas: preconceitos, racismos, repulsas, menosprezo, intolerâncias e tantos outros que nos dizem muito sobre o impuro do nosso interior: “[…] más intenções, imoralidades, adultérios, ambições desmedidas, maldades, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” (Mc 7,21). 

Na Palavra de Deus a purificação do homem é comparada à purificação do ouro, “[…] cuja genuinidade é provada pelo fogo” (1Pd 1,7). No refinamento do ouro o fogo faz com que as impurezas venham à tona, enquanto o ouro acumula-se no fundo do cadinho; na luta para purificar o nosso coração também é necessário que um fogo depure nossos sentimentos mais autênticos daqueles que são fruto de afetos negativos, de situações traumáticas e experiências egoístas. Esse é o fogo da verdade. Agindo no autoexame dos sentimentos e no discernimento das motivações à luz do coração de Cristo, move-nos a perfazer o percurso de nossa própria purificação.

Nosso propósito e confiança, como ensina Jesus nas bem-aventuranças, é poder ver a Deus com o coração. Quando as impurezas expostas são removidas, o coração humano transparece sua semelhança com o de Cristo e, como Ele, também a nós se abre a possibilidade de ver a Deus, seja na semente lançada na terra, seja na moeda perdida e reencontrada, seja no tesouro escondido no campo, que tudo se vende para encontrá-lo.

Por Marcelo Ribeiro da Silva. Ele é padre da Diocese de Toledo
Reitor do Seminário São Cura D’Ars
Doutorando em Filosofia – Unioeste

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