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Padre Marcelo Ribeiro da Silva

O homem e a paternidade

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Quando chega agosto costumo lembrar de três coisas: a primeira, que ele é um mês sem feriado; a segunda, que o ano corre ligeiro para o seu fim; a terceira, que o “Dia dos Pais” se avizinha. Entre elas, acredito que o “Dia dos Pais” sirva para dar um pouco de doçura e familiaridade para esse extenso mês.

Acontece que a paternidade continua a ser a maior tarefa e desafio que um homem possa vir a assumir em sua vida. É realmente uma missão de grande envergadura, iniciada pela transmissão do patrimônio genético, mas decidida no coração do homem que acolhe a graça de gerar, sobretudo, por uma resposta a essa graça por qual ele penhora a si mesmo por inteiro, para formar em seu interior os sentimentos e comportamentos de pai. Esse é o momento em que o homem adentra a outro estágio da existência, à condição de doação e cuidado da vida.

No horizonte do desenvolvimento humano, a figura do pai simboliza identidade, estabilidade e uma modalidade específica do amor. Sabemos pela experiência de muitas pessoas que é possível chegar à maturidade humana mesmo quando há falta de uma presença paterna positiva, mas, quando por uma graça crescemos na presença de um pai terno, firme e acolhedor, o enraizamento de nossa identidade tem uma qualidade peculiar. Não há como dizer que uma pessoa crescerá numa família sem feridas relacionais, mas para os filhos que crescem com uma experiência do cuidado, há neles uma espécie de “imunidade afetiva”, que lhes protege e cura as feridas.

Agora, precisamos passar por um exame de consciência: olhar para a paternidade de hoje e para os tipos de feridas que ela tem potencialidade de causar. Há, por exemplo, a ferida do abandono, ela é causada pela paternidade ausente, por pais que têm um coração que não se compromete e não vibra com os filhos, pais que têm projetos de vida paralelo ao das famílias. Outra é a ferida do ressentimento, que vem a ser gerada em casas onde os pais humilham os filhos, pais que não aprenderam a avalizá-los, que acreditam que a educação acontece apenas pela repressão, que não sabem fazer elogios. Há também a ferida da desobrigação, que é o sofrimento pela falta de orientação, limites e responsabilidades, em seu amago fala de um amor fraco, onde os pais não cobram para não serem cobrados.

Poderíamos, ainda, listar muitas outras feridas, mas isso nada acrescentaria ao nosso objetivo; uma consciência realista da paternidade no nosso tempo nos fará sempre muito bem, ao se ponderar a importância da presença paterna na família vem a ser mais evidente a sua insubstituibilidade no curso de uma história humana. Guardado todo o respeito por aqueles que viveram relações traumáticas com seus pais, as experiências negativas não deveriam justificar uma cultura de desvalorização e desobrigação da missão de ser pai, nosso caminho pode ser outro: o da formação de bons homens como condição para o advento de bons pais.

Comecemos oportunizando uma compreensão mais integral do homem, enxergando-o enquanto ser de corpo, mente e coração. A visão machista não consegue fazer isso, ela vê apenas o macho no homem; uma visão mais integral vê o homem em relação com sua condição masculina, mas também na sua interação com tudo aquilo que ele é e lhe pertence: corporeidade, afetividade, inteligência, valores e espiritualidade. Com efeito, a paternidade que esperamos dar aos nossos filhos somente pode advir dessa interação entre as dimensões do humano no homem, apenas na integração de tudo aquilo que é verdadeiramente humano o coração do homem pode alcançar a estatura e a maturidade de um coração de pai. Repito, se não formos homens inteiros e integrados, não há como esperar que sejamos bons pais.

Marcelo Ribeiro da Silva é padre da Diocese de Toledo
Reitor do Seminário São Cura D’Ars
Doutorando em Filosofia – Unioeste

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