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Pitoco Quem pegou, pegou…

Novo diretor dá a entender que as comportas estarão fechadas para grandes obras fora da missão de Itaipu

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Por outro lado, há destinos assegurados para os milhões da usina, como a conclusão da Unila

Manhã do dia 16 de março. A bordo de um helicóptero, o presidente Lula sobrevoa o reservatório de Itaipu no trajeto entre o aeroporto de Foz e a hidrelétrica para dar posse ao novo diretor-geral brasileiro da usina.

Em seu discurso, proferido minutos depois no interior da usina, ele diria: “Olhei tudo lá de cima. Incrível ver aquela vazão toda entrar em uns canos brancos como água e sair na
outra ponta em forma de dólares…”.

Antes do discurso que transformou H2O em moeda verde, falou o novo diretor-geral, Enio Verri. Coube a ele ser mais específico, e pôr o dedo no interruptor para ilumiar o quarto escuro em que se debatiam gestores municipais desde que as urnas de outubro fecharam indicando troca de comando em Itaipu.

A questão que aflige a turma das prefeituras com extensão ao Palácio Iguaçu é: a binacional continuará cumprindo a função de “sucursal endinheirada” do Ministério da Infraestrutura, provendo obras estruturantes no Paraná?

Itaipu continua, após o debate do Anexo C com o sócio paraguaio, a irrigar os municípios lindeiros com milhões de dólares?

Com jeito, escolhendo as palavras, o novo comandante invocou a missão de Itaipu para deixar claro que a abertura das comportas – por onde entra água e saem dólares – será mais restrita.

Entre o que Verri disse ao microfone e assoprou off line, ficou subentendido que promessas político-eleitorais do passado pagas com dinheiro de Itaipu, como a pavimentação da Estrada Boiadeira, em Umuarama, estarão fora do radar.

E mesmo obras mais próximas da usina, como a duplicação do Contorno Oeste, em Cascavel, dificilmente passariam no crivo de Itaipu sob nova direção.

Porém, não há risco de paralisação de projetos já em execução. “Gostando ou não, concordando ou não com o que já está contratado, vamos concluir”, disse Enio Verri.

Ou seja, Verri não quis dar um choque de 220 de largada. Mas alguns dedinhos mais sensíveis sentiram pelo menos um 110, quando ele deixou claro que a abundância de dólares pagos a título de royalties para os municípios que tiveram áreas alagadas terá que passar pelas turbinas do Anexo C, em duro embate que se inicia após a posse do novo presidente paraguaio, no segundo semestre de 2023.

Ou seja, mesmo para o que outrora foi dado como favas contadas, pode ficar validada o refrão da dupla sertaneja Henrique & Juliano: “quem pegou, pegou… quem não pegou não pega mais…”.

UNILA E PICANHA

Também do alto, no voo panorâmico, Lula viu o elefante branco, o prédio da Universidade Latino Americana (Unila), inconcluso e paralisado. E citou o dito cujo em seu pronunciamento, em tom de cobrança para a nova diretoria.

“O presidente falou três vezes da retomada da Unila”, relatou a posterior em entrevista coletiva à imprensa o diretor-geral Enio Verri. Ou seja, se há destinos assegurados para os milhões de Itaipu, um deles será a conclusão da Unila.

Um momento pitoresco do evento ficou por conta de um menino que interrompeu o pronunciamento de Lula, perguntando se já baixou o preço da picanha.

O presidente levou a pergunta na brincadeira, explicou a seu colega paraguaio Mario Abdo Benitez o contexto da picanha na eleição e disse que ainda é cedo para observar a queda de preços.

Solenidade em Itaipu: Enio Verri, Lula e o presidente paraguaio Abdo Benitez (Foto: Itaipu)

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As nossas concessões

Parcerias público-privadas na infraestrutura historicamente fracassaram no Oeste
do Paraná desde o ciclo da erva-mate, mas não parece haver outro caminho…

Segundo relata em riquezas de detalhes a obra “Terra, sangue e ambição”, do professor Vander Piaia, o histórico de concessões do Oeste do Paraná é bastante desfavorável.

Primeiro, lá na virada do século 19 para o 20, concedemos informalmente nossa riqueza mais monetizável da época, as florestas de erva-mate, para as obrages argentinas.

O ciclo da erva-mate matava e escravizava os mensus, de etnia majoritariamente paraguaia, submetidos às mais terríveis condições de trabalho.

Os revolucionários tenentistas paulistas, somados aos rebeldes gaúchos que enfrentaram forças legalistas em Catanduvas na batalha de 1924 – e depois constituíram a Coluna Prestes -, testemunharam e relataram grupos de até mil escravizados mensus aqui na região.

O Brasil, historicamente saqueado em suas riquezas naturais desde que o primeiro colonizador europeu pisou aqui em 1.500, também era roubado por seus vizinhos de fronteira.

O Oeste do Paraná falava espanhol, com alguma exceção, portunhol. Foi aí, nos combates de legalistas com o que viria a ser a Coluna Prestes, que o governo central, estabelecido no Rio de Janeiro, descobriu que existiam os sertões portenhos do Oeste paranaense.

Era preciso iniciar o processo de colonização. Para tanto, primeiro era preciso chegar aqui. No mapa da civilização havia apenas Curitiba e Ponta Grossa. O Paraná praticamente terminava em Guarapuava, nos campos gerais.

Era preciso conectar as regiões e estabelecer o idioma português no Oeste. Aqui surgiu a segunda concessão relevante: terras como paga para a companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande estabelecer uma ligação ferroviária com o velho Oeste.

Não havia carga e talvez parcos passageiros para atrair investimentos da concessionária. Então pagou-se em sesmarias, ou seja, pagou-se com terras sem homens a serem colonizadas por homens sem terra – um ensaio do que décadas depois seria feito na região amazônica.

A São Paulo-Rio Grande ficou com nove quilômetros de terras em cada lado do eixo central da ferrovia. A paga era muito atraente, pois permitia extrair a principal riqueza que o sertão oestino oferecia para o ciclo econômico seguinte: densas florestas de madeiras nobres, como os vastos pinhalões de araucárias.

Pra encurtar a história, nem um metro de trilho foi construído aqui pela São Paulo-Rio Grande, e as terras devolutas restaram manchadas de sangue nos capítulos posteriores relatadas por Piaia. O trem da Ferroeste só apitaria mais de meio século depois.

Bem, sobre a concessão da estratégica, depois nominada BR-277, no contexto do Anel de Integração, nem é preciso dizer nada aqui, certo? O que se pode afirmar é que a execução dos contratos foi fiscalizada com o mesmo “rigor” com o qual foi fiscalizada a concessão para a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande.

Concessões para a iniciativa privada ainda são menos lesivas ao pagador de impostos que legar estradas ao Poder Público… que o digam as obras intermináveis da BR-163, entre Marechal Cândido Rondon e Toledo e entre Cascavel e Capitão, mas a verdade é que por tentativa e erro, desde a primeira metade do século passado, ainda não encontramos o caminho da prosperidade que passa necessariamente pela infraestrutura logística multimodal.

Por Jairo Eduardo. Ele é jornalista, editor do Pitoco e assina essa coluna semanalmente no Jornal O Presente

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