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Tarcísio Vanderlinde

Gerou desconforto

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A observação de Jesus de que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” encerrou a conversa com um jovem abastado que procurou o Rabino para lhe fazer uma pergunta: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?”.

De acordo com Mateus, Jesus respondeu: “Não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Ao que replicou o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta?”.

Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me”.

Foi demais: “Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas”. Com pouca variação, a narrativa também é registrada por Marcos e Lucas.

Algumas fontes hebraicas, aramaicas e gregas afirmam que há um erro de entendimento relacionado à palavra “camelo”. Neste caso, camelo seria aquela corda reforçada utilizada para amarrar navios ou malhas grosseiras que formavam as redes utilizadas pelos pescadores à época de Cristo.

Não é novidade que uma palavra mal interpretada pode mudar o contexto da narrativa. Contudo, é preciso admitir que no caso da agulha e do camelo não há uma alteração substancial que comprometa o ensino. Persiste a dificuldade em passar um camelo tipo corda pelo fundo de uma agulha literal. Já para um camelo tipo animal, fica impossível.

Uma outra interpretação é a crença de que a agulha era uma porta menor inserida numa porta maior que ficava em lugares estratégicos das cidades. Alguns intérpretes acreditam que a porta menor era o portão do fundo da agulha e que para que um camelo tipo animal pudesse passar por ali, tinha que se ajoelhar e/ou deixar toda a sua eventual carga pelo lado de fora.

Essa última explicação foi compartilhada conosco quando passávamos por uma porta desse tipo no Monte do Templo, em Jerusalém. Na ocasião, o guia ainda reforçou que a frase utilizada por Jesus apontava para um tipo específico de rico: o avarento. O episódio do jovem abastado, contudo, ainda permite outras digressões.

A moral da citação de Jesus pode gerar desconforto nos mais prósperos que ainda creem, ao menos um pouco, nas narrativas bíblicas. Penso que talvez tenha sido por isso que a frase do Rabino que envolve o “camelo e a agulha” acabou se eternizando. Em meio aos que têm em excesso, haverá sempre alguém que poderá ter menos do que precisa.

O guia e historiador Efraim Rushansky explica a visitantes no Monte do Templo, as riquezas históricas e culturais do local, entre as quais, uma interpretação corrente sobre o “camelo e a porta da agulha” (acervo particular)

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.

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