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Tarcísio Vanderlinde

No enigmático Vale de Baca

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As condições naturais da Terra Santa costumam incitar conexões espirituais. A geografia matiza as narrativas bíblicas. Não é incomum se deparar com pessoas que estiveram na Terra Santa admitirem a relação mística entre fé e geografia. As referências ao “enigmático” Vale de Baca mencionado no salmo 84 podem ser consideradas exemplares neste sentido. Baca é expressão que pode ser entendida como choro em tradução aceitável do hebraico.

Não se sabe ao certo onde ficava o vale. É provável que a expressão há tempo utilizada seja apenas simbólica. O contexto nos leva a crer que o vale pode materializar a condição real vivenciada nas andanças dos peregrinos que se dirigiam a Jerusalém, com intuito de adorar a Deus no templo e participar das festas religiosas.

Já ao final da jornada, perto de Jerusalém, poderiam aparecer desafios imprevistos aos peregrinos quando estivessem atravessando o caminho pedregoso que ligava a cidade de Jericó a Jerusalém, por exemplo. Era uma escalada cansativa, além de ficar exposto às feras e salteadores.

Ao contar a parábola do “Bom Samaritano”, Jesus utilizou como recurso didático o perigoso percurso pelo Deserto da Judeia que ligava as duas cidades para contar uma história que se eternizou e alcançou o mundo. O episódio envolvia um ato de amor e compaixão realizado por um viajante samaritano ao encontrar uma pessoa gravemente ferida por assaltantes à beira do caminho.

O Vale de Baca, de incerta localização, espécie de encruzilhada no limiar da chegada, fala da precária condição humana ao passar por situações dramáticas. Alguém com muita propriedade afirmou que o Vale de Baca representa o lugar da impossibilidade humana e da providência divina.

Dependendo da versão, o vale pode aparecer como Vale das Lamentações ou Vale das Lágrimas. É oportuno observar como as expressões relacionadas ao sofrimento podem se conectar ainda com uma terceira que aparece em algumas traduções para se referir ao mesmo lugar:

Trata-se do “Vale das Balsameiras”, lugar que, apesar dos desafios, continha árvores salvadoras. No lugar do “choro” aparecem as “balsameiras” a exalar um aroma vital capaz de trazer conforto e refrigério ao peregrino.

Parte do salmo diz que “quando eles (os peregrinos) passam pelo Vale das Lágrimas, ele fica cheio de fontes de água, e as primeiras chuvas o cobrem de bênçãos. Enquanto vão indo, a força deles vai aumentando; eles verão o Deus dos deuses em Sião”.

Penso que não sem motivos Jesus tenha escolhido metaforicamente o perigoso percurso pelo Deserto da Judeia para contar uma das mais belas histórias de compaixão de todos os tempos: a do bom samaritano.

Deserto da Judeia. Situado ao Sul de Jerusalém, serviu como cenário metafórico para a parábola do “bom samaritano”. É verossímil que possa ter servido como inspiração para as reflexões sobre o “Vale de Baca” que aparecem no salmo 84 (Foto: Acervo pessoal)

Por Tarcísio Vanderlinde. O autor pesquisa sobre povos e culturas do Oriente Médio.

tarcisiovanderlinde@gmail.com

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