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Fátima Baroni Tonezer

Alguém cuida do cuidador?

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Colocar o autocuidado na pauta do dia, isto é, “me colocar como parte das minhas prioridades”, ainda é um assunto delicado, que sofre com muitos vieses. E essa dificuldade atinge uma outra esfera de nossa vida, que, de maneira geral, dificilmente estamos preparados para enfrentar.

Está se tornando cada vez mais comum na minha prática clínica atender pessoas esgotadas, cansadas, adoecidas e culpadas. O motivo: ter cuidado ou estar cuidando de uma pessoa doente, acamada. Muitas vezes, o problema que compromete a saúde aparece de surpresa, como num acidente, por exemplo. Outras vezes, vai dando sinais sutis, ou nem tão sutil assim, e levamos tempo para reconhecer ou perceber. Por isso, hoje quero falar do cuidador familiar, isto é, aquele que faz parte da família do doente ou idoso ou criança.

De qualquer modo, ao se instalar uma doença que necessita de cuidados e apoio, seja em casa ou no hospital, muitas alterações serão provocadas na vida familiar e social. A doença que vai acometer o familiar – o Alzheimer, o câncer, entre tantas outras enfermidades, ser mãe de crianças com Transtornos do Aspecto Autista (TEA) ou outros transtornos, são situações difíceis, que provocam mudanças na vida de todos os envolvidos, do paciente, do cuidador e da família. São projetos de vida interrompidos e um caminho para proteger é a resiliência, porque não tem como lidar com algo que é imprevisto e demanda cuidados especiais. O quanto antes o familiar ressignificar esse desafio, adaptar planos, sonhos e rotina, melhor.

Muitas pessoas na condição de cuidador de um familiar não estão aposentadas ou somente cuidando do doente, muitos têm que trabalhar, cuidar do relacionamento conjugal e dos filhos e, ainda, olhar pelo doente.

DESCONHECIMENTO E DESPREPARO – A SURPRESA DO DIAGNÓSTICO

Vivemos um momento conturbado. Se por um lado sobra informações truncadas e falsas, por outro temos medo de olhar e enxergar os sinais de uma doença e todas as suas consequências em termos de efeitos, mudanças e tratamentos. Esse é um problema de fato no Brasil: a demora do diagnóstico e o início do tratamento, que gera muito medo e estresse. E essa demora vem desde a família e o próprio doente, que, em algumas situações, não percebe os sinais e não busca os médicos; dos profissionais de saúde, que muitas vezes não conseguem identificar o problema; e dos pedidos de exames que demoram a ser liberados e realizados. São situações que comprometem ainda mais o prognóstico da doença e possíveis vias de tratamento.

A dificuldade da família de perceber mudanças de comportamentos e sinais que o doente emite, como nas doenças degenerativas, por exemplo, vem por desconhecimento das patologias. No Brasil, além do desconhecimento das doenças e possíveis tratamentos, temos o preconceito, estigmas e mitos que atrapalham mais ainda o encaminhamento e a adesão ao tratamento.

PACIENTE OCULTO – COMO CUIDAR DO CUIDADOR?

Este é o cenário atual que vivemos: dois terços ou mais de 60% das pessoas que ocupam esse lugar têm o chamado “estresse do cuidador”, segundo pesquisas que avaliam o impacto da doença em cuidadores que fazem parte da família, seja por doenças provocadas pela idade, seja em crianças com transtornos que prejudicam o desenvolvimento. A qualidade de vida é ruim e os sintomas psicológicos e físicos que aparecem já são da fase do esgotamento do estresse. Isso influencia na qualidade de cuidado que o paciente recebe, ao mesmo tempo que esse “estresse do cuidador” é a porta de entrada para doenças sérias como a depressão, insônia, ganho de peso (sobrepeso ou obesidade), hipertensão arterial etc.

Ter rede de apoio é fundamental nesse cenário. Mas muitas famílias têm uma rede menor de apoio, às vezes têm apenas um filho ou filha para cuidar do doente, ou somente a mãe da criança. Quando a família é pequena e/ou tem poucos recursos, ou por dificuldade no relacionamento, somente uma pessoa assume a responsabilidade do cuidado, e inevitavelmente vai ocorrer uma sobrecarga, física e emocional para o cuidador. Conhecer todo o processo da doença, familiarizar-se com todas as fases da evolução, do diagnóstico ao prognóstico, torna-se primordial. Se o cuidador estiver preparado, pode evitar crises e responder com mais agilidade, prevenindo sua saúde.

Por outro lado, é nesse ponto que entra o adoecimento do cuidador. Isto porque estar cuidando por dias, semanas ou meses de uma pessoa adoecida, acamada ou não, vai gerar cansaço e esgotamento. O estresse associado ao cuidado leva à dificuldade de descansar e dormir, e é comum que ocorram conflitos e desentendimentos, principalmente quando não há outras pessoas para dividir o fardo. E aqui entra a culpa, a autorrecriminação, por não ter tido paciência, ou percebido a tempo, ou impedido a doença ou sua evolução.

Neste ponto entra a relevância de buscar uma rede de apoio, seja na família, seja na comunidade. É importante aceitar ter diversão, buscar psicoterapia, passatempos, permitir-se tempo para descansar. Ser cuidada com ajuda dos outros e cuidar de si mesma, praticar pequenos gestos de amor. O autocuidado inclui investir na reserva cognitiva, isto é, fazer aquilo que você nunca fez. Por exemplo, se você é destra, escovar os dentes com a mão esquerda, tomar banho no escuro, achar o xampu e o sabonete no escuro apura os sentidos e deixa o cérebro alerta. Faça movimentos que você nunca fez, num espaço seguro experimenta andar de costa. Incluir hábitos simples no dia a dia, como fazer caminhadas, ter uma alimentação adequada e saudável, regularidade de sono, fazer leituras para manter a mente estimulada. E preservar a reserva afetiva também. Mantenha contato com amigos, conhecidos  e parentes. Para você criar uma rede de apoio, peça ajuda para alguma amiga, para que fique com o doente de forma a permitir que você  tenha esse tempo para fazer coisas que importam para si. Cuidar dos seus relacionamentos familiar, amigos, pessoas que atendem no supermercado, na farmácia, procurando agir com gentiliza, paciência.

Pode parecer óbvio, mas cuidar da própria saúde e reconhecer seus limites, pedindo ajuda ou contratando um cuidador profissional sempre que possível, é essencial para manter a qualidade de vida do doente e do cuidador. Nos vemos por aqui na próxima semana. Se precisar de ajuda, peça. Este é o maior ato de coragem que um ser humano pode fazer.

Até a próxima…

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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