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Fátima Baroni Tonezer

Atenção: respeite o silêncio! Por que o silêncio é tão assustador?

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Tenho percebido cada vez mais a dificuldade de pessoas lidarem com o silêncio. E o medo vem de todas as partes. Estar em silêncio significa que não estou fazendo algo, participando de eventos, festas, encontros, almoços de família ou amigos, estudando, sendo útil! Significa que estou excluído(a), que não sei o que está acontecendo, estou “por fora”. E isso é uma tragédia num mundo onde preciso “estar por dentro” de tudo, isto é, estar informada, saber tudo de tudo.

Esse sentimento de “só pertencer se souber de tudo”, conhecer tudo o que está acontecendo, ter uma opinião sobre tudo, está nos desgastando e nos adoecendo. E o medo do silêncio, sentido como exclusão, aparece aí. A questão é que o silêncio nos desconecta do exterior e nos joga inteiros no interior. Explico: ao silenciar o mundo externo, forçosamente vou entrar em contato com minhas emoções e sensações, sentimentos e pensamentos, vazios e desejos. É o famoso atravessar o deserto, mergulhar em nossa psique e descobrir quem sou, qual minha intenção, responder à pergunta incomoda: “por que faço o que faço?” Qual o sentido disso? Atender os padrões culturais impostos de cima para baixo, que visa unicamente o lucro de poucos que se sentem os “escolhidos”.

Desde tempos imemoriais o homem busca respostas para sua condição humana e o sentido de vida: quem sou, de onde vim, para onde vou? E essas reflexões não podem ser respondidas na torre de babel que vivemos diariamente.

A IMPORTÂNCIA DO SILÊNCIO PARA A SAÚDE MENTAL

Em tempos de hiper conexão, de redes sociais e trabalho estendido pelo home office, porque até no banheiro as pessoas estão lendo e respondendo e-mails corporativos ou rolando feed para se informar, a expressão e o hábito italiano do “il doce far niente” tornam-se essencial.

Nosso cérebro estará ativo 24 horas por dia enquanto estivermos vivos, já que mesmo dormindo executa tarefas – (CLIQUE AQUI e reveja o artigo sobre sono), por isso criar um tempo na rotina agitada para o descanso, o prazer de ficar sem fazer nada é fundamental. Deixar de lado o ritmo frenético do dia a dia e dedicar um momento para a introspecção, o relaxamento e a consciência de viver o momento presente é indispensável para a saúde mental.

O ponto central é que parar e permitir-se um tempo de silêncio, sem redes, sem trabalho, onde só vamos respirar, relaxar e observar ao redor sem propósito específico, enquanto reforçamos a conexão consigo mesmo(a), é extremamente desafiador, às vezes, assustador. Gera culpa, desconforto por não estar sendo útil, perdendo tempo.

Isto porque desaprendemos a lidar com o tédio. Desde a mais tenra infância não é permitido deixar a criança sozinha, sem atividades ou alguém para brincar com ela. Não estou falando de abandono, estou dizendo da importância de ficar entediado(a) de vez em quando.

O tédio melhora nossas conexões sociais. Ficar parado, sem fazer nada, ativa certas redes neuronais, o que favorece ideias criativas, reabastece reservas reduzidas de energias e proporciona um período de incubação para que surjam projetos novos, respostas diferentes para fazer frente às demandas atuais. Nietzche, filósofo prussiano do século XIX,  já dizia que grandes ideias nascem durante uma caminhada.

A HIPER EXPOSIÇÃO DA HIPER CONEXÃO

Já nos acostumamos tanto com o excesso de barulhos que não percebemos quando nossa mente pede silencio. E o desconforto causado pelo excesso sonoro é respondido com mais barulho. O silêncio nos convida a ter um espaço mental, isto é, revela que temos um espaço interno, que no dia a dia não damos atenção, preenchendo com músicas, filmes, séries, trabalho, comida…

A hiper conexão nos afastou do silêncio. Desde o princípio da jornada do Homo Sapiens na terra, a noite era o momento de silenciar, acalmar e dormir. Hoje, muitos não conseguem ir para a cama sem o celular. E ao acordar, o primeiro a receber atenção é o celular. Mesmo leitura, num livro de papel, não é sinônimo de silêncio. Nós lidamos muito mal com os momentos de silêncio pela introspecção que proporciona.

Isso leva ao medo do silêncio. Você já prestou atenção como é desconfortável quando não há barulho ao redor?

O matemático, escritor e filósofo Blaise Pascal, que viveu entre 1623 e 1662, já advertia que “todos os males da humanidade advêm da nossa incapacidade de sentar sozinhos em um quarto”. Ou seja, estar a sós com nossos pensamentos é uma experiência difícil, que gera muita angústia. É o medo de descobrir emoções, impulsos, desejos e insatisfações que o barulho externo encobre. Considerando que o século XVII tem quase nenhuma semelhança com o século XXI, imagina o tamanho do problema para nossa saúde mental.

O silêncio, longe de ser um problema, apesar de desafiador, é um instrumento de autoconhecimento. O silêncio nos dá tempo para pensar e sentir. E é “engraçado” que num momento que se fala tanto de autoconhecimento, não ensinamos nem praticamos o silêncio, pois sem introspecção não há autoconhecimento, que nos coloca em contato com nossas fronteiras e limites.

O SILÊNCIO COMO ROTINA DIÁRIA

Apesar do desconforto inicial, é possível encaixar momentos de silêncio em nossa rotina. O primeiro passo é decidir, fazer a escolha consciente. Isto significa escolher, cuidar de si, reservar um tempo para desacelerar, parar e ficar no momento presente, respirando e experimentando as sensações corporais, escrever um diário também ajuda, já que exige um tempo de silêncio para organizar a escrita e leva ao relaxamento.

Para encerrar vou deixar aqui um desafio, que muitas vezes vai como tarefa para meus pacientes: escolha um momento do seu dia para parar, respirar, sentir, olhar ao redor, sem necessidade de fazer algo útil e produtivo. Só parar e ficar em presença. Aceita?

Na próxima semana vamos conversar sobre um assunto, hábito nosso, que atrapalha esse estado de presença que o silêncio proporciona. Nos vemos na próxima segunda-feira.

Até lá…

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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