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Fátima Baroni Tonezer

Melhor é impossível: pensamentos e manias nossas de cada dia

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Nas últimas semanas, estamos conversando sobre saúde mental, abordando temas como ansiedade, depressão, estresse, burnout. Mas entre tantos transtornos mentais que atingem a população mundial, tem mais um que quero trazer aqui para conversarmos. Um transtorno que atinge milhões de pessoas mundo afora.

E para falar sobre isso lembrei de um filme, uma comédia romântica de 1997, premiada com dois Oscar, de melhor ator e melhor atriz, do diretor James Brooks, com Jack Nicholson no papel principal. Neste filme, Melvin (Jack Nicholson) é um escritor que mora em um apartamento, adora fazer comentários maldosos para com os seus vizinhos. É portador de transtorno obsessivo–compulsivo (TOC), não toma remédios e não frequenta as consultas com o psiquiatra. Melvin sempre vai ao mesmo restaurante, senta-se na mesma mesa e come sempre com talheres descartáveis, não anda sobre as listras da calçada, verifica a tranca a porta do apartamento várias vezes, lava as mãos repetidamente, descartando o sabonete e não gosta de ter contato físico e social com outras pessoas.

Essa é uma sinopse do pano de fundo do filme, sem spoiler. Vale a pena assistir, além de mostrar de forma simples alguns dos sintomas do transtorno e consequências das compulsões. É uma comédia, já que o tema é tratado com certa leveza, claro que levando em consideração a época do filme. A ideia não é analisar o filme, mas conversar sobre um transtorno psiquiátrico que afeta de 1% a 2,5% da população mundial e está entre as dez maiores causas de incapacitação, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Aqui no Brasil, atinge cerca de quatro milhões de pessoas, muito embora este número possa ser muito maior, devido à falta de diagnóstico e conhecimento sobre a patologia, e em torno de 30% dos portadores diagnosticados recusam-se a passar pelo tratamento.

MAS O QUE É TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO? COMO SEI SE TENHO TOC?

O TOC é um distúrbio psiquiátrico de ansiedade descrito no Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – DMS-V, cuja principal característica é a presença de crises recorrentes de obsessões e compulsões. Já conversamos sobre a ansiedade e seus desdobramentos – o transtorno de ansiedade generalizada – TAG, por exemplo, onde a ansiedade atinge picos elevados e desencadeia uma crise (se perdeu este artigo, clique aqui e leia).

No TOC a ansiedade acontece como num platô, isto é, a pessoa fica ansiosa continuamente porque sua mente é invadida o tempo todo por pensamentos ruins, negativos e intrusivos, que se repetem.

Entende-se por obsessão pensamentos, ideias e/ou imagens que invadem a mente da pessoa insistentemente sem que ela queira ou faça algo para que surjam. Daí que sugerir à pessoa que não pense naquilo não resolve, já que ela não tem controle sobre o surgimento deles. O pensamento obsessivo fica patinando, repetindo-se e a única maneira de lidar com ele para aquietá-lo temporariamente é realizar um ritual próprio da compulsão, seguindo regras e etapas rígidas e pré-estabelecidas que ajudam a aliviar a ansiedade.

De forma geral, os portadores deste transtorno acreditam que se não agirem daquela forma algo terrível vai acontecer, a si ou a um familiar.

O portador de TOC vive num “buraco sem fundo”, no sentido de que quanto mais rituais executa maior número de pensamentos intrusivos, e os pensamentos ruins disparam a ansiedade, que precisa dos rituais para se acalmar, num ciclo sem-fim. Essa situação pode se tornar um obstáculo para a rotina diária da pessoa como também para a família e amigos. Comumente, os rituais se desenvolvem por áreas, como limpeza, checagem ou conferência, contagem, organização, simetria, fazer coleção, e podem variar ao longo da evolução da doença.

As causas do TOC não estão muito definidas, sendo consideradas multifatoriais. Dentre esses fatores, há os de origem biológica, ligados à predisposição genética do indivíduo, alterações funcionais e neuroquímicas cerebrais; e psicológicos, diretamente associados à forma que o paciente aprendeu a lidar com medos e ansiedades. E tudo depende da percepção de realidade que o portador da patologia possui diante da vida.

O TOC costuma aparecer no início da vida do adulto jovem, a partir dos 19 anos, mas 25% podem aparecer a partir dos 14 anos.

EU TENHO MANIA DE LIMPEZA, ENTÃO EU TENHO TOC, CERTO?

Se você acredita ter “mania de limpeza” ou “mania de organização”, saiba que elas são bem diferentes dos sintomas do transtorno. Essas “manias” somente configuram um quadro de TOC quando apresentam prejuízo para a sua vida em nível emocional, psicológico, social ou profissional, ou seja, causam paralisia, impedindo o portador de agir.

O diagnóstico busca evidências e fatores, comportamentos e limitações. Isto significa que a mania de limpeza pode ser um traço de comportamento da pessoa. Mas, então, como sei se é traço ou sintoma?

Geralmente a “mania” de limpeza, sintoma do TOC, vem acompanhada de pensamentos e rituais que prejudicam a rotina da pessoa. De maneira mais simples, a “mania” de limpeza vem acompanhada de um desconforto com a bagunça, talvez com a preocupação do que os outros vão pensar, mas sem ansiedade paralisante nem pensamentos catastróficos.

O portador de TOC tem pensamentos obsessivos que podem ser de limpeza, simetria, sexuais ou agressivos, e em seguida vêm as compulsões, que são rituais, as ações executadas pela pessoa quando os pensamentos ruins invadem sua cabeça, e têm – os rituais ou compulsões – o objetivo de evitar ou aliviar os pensamentos negativos.

Numa grande parte dos portadores, identificamos os sintomas do TOC, pois, associados aos pensamentos, estão presentes os rituais, que acontecem para neutralizar os pensamentos. Exemplo: pensamentos de contaminação podem levar a pessoa a evitar tocar maçanetas ou objetos e lavar repetidamente as mãos ou tomar longos e repetidos banhos, como forma de evitar a contaminação ou infecção. Há relatos de portadores de TOC com obsessão por limpeza que passam mais de oito horas tomando banho, com prejuízo da pele e do couro cabeludo. Contudo, existe outra forma de TOC não visível, que causa muito sofrimento ao portador e de difícil diagnóstico e tratamento. Isso porque a forma de enfrentamento dos pensamentos ruins e intrusivos acontece num ritual mental, isto é, o ritual acontece em forma de pensamento também. Para lidar com um pensamento trágico faz uma oração, repetidamente. Essa é uma forma de TOC de mais difícil identificação porque no primeiro caso a compulsão e os rituais são visíveis e atrapalham a rotina da pessoa e da família pela repetição de ações e gestos. No TOC de pensamento a “coisa” toda está acontecendo na cabeça, na mente do portador e quem está ao lado não consegue adivinhar. E o portador, por vários motivos, medo ou vergonha, não comenta o que está acontecendo e sofre sozinho. E muitas vezes, é criticado e cobrado por não fazer, por preguiça, chamado de procrastinador, quando na verdade está paralisado.

Dentro e fora do Brasil há vários famosos portadores de TOC: Cameron Diaz, atriz estadunidense; Daniel Radcliffe, o eterno Harry Potter; Roberto Carlos, cantor; e Luciane Vendramini, atriz e modelo brasileira.

TOC TEM TRATAMENTO? E CURA?

O tratamento para o TOC tipicamente é feito com medicamentos psiquiátricos, psicoterapia (com psicólogo) ou uma combinação de ambos. O modelo mais adequado de tratamento é recomendado pelo médico ou psicólogo. 

É comum que pessoas com essa condição também tenham ansiedade ou depressão devido ao medo, vergonha e estresse causado por ela. Assim, o tratamento medicamentoso é definido pelo psiquiatra, de acordo com a condição e necessidade de cada caso. Na psicologia, a abordagem mais indicada, considerada padrão ouro para o TOC, é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). A medicação vai contribuir para que o cérebro do portador alcance um equilíbrio no funcionamento, enquanto a psicoterapia cognitivo-comportamental vai ajudá-lo a encontrar estratégias de enfrentamento dos pensamentos sem a necessidade de rituais, que atrapalham ou impedem que tenha uma rotina saudável.

Falar de transtornos nos traz algum desconforto e muitos questionamentos a respeito de outros comportamentos que podem caracterizar transtornos. Na próxima semana, vamos conversar sobre outro transtorno, que, diferente do TOC, também incomoda e atrapalha nossa rotina e saúde. E, da mesma forma, é pouco diagnosticado e tratado.

Ficou curiosa(o)? Não perca a coluna da próxima segunda-feira, 27 de março.

Até lá!

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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