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Fátima Baroni Tonezer

Quando o inimigo dorme em você: sinais que você vive um relacionamento abusivo consigo

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Na coluna da última segunda-feira (19 de junho), falamos sobre relacionamento, saudável e abusivo, sinais que manifestam o que acontece entre as pessoas que compõem esse roteiro de relações, afetivas, sociais, profissionais. E se você leu o artigo, logo no início, quando situo o ser humano, falei de outro tipo de relacionamento, o intrapessoal. Segundo Howard Gardner (1995), relacionamento intrapessoal é quando o indivíduo tem o conhecimento da própria vida, isto é, como ele vai se relacionar com as suas emoções utilizando uma forma de entender e orientar o próprio comportamento.

Mesmo essa discussão tendo entrado em pauta há pelo menos 40 anos, a partir da publicação de Howard Gardner, em 1983, do livro que propõe a discussão sobre a teoria das múltiplas inteligências,  ainda temos dificuldade de “aplicar” o conceito das emoções em nossa vida diária. Sem dizer que já sabíamos e tentávamos entender as emoções desde Darwin. Isto é, entender que há uma relação entre corpo e mente, ou sobre físico e mental.

O relacionamento mente e corpo nem sempre é pensado, entendido. A nossa mente é poderosa, e pode ser obsessiva. Ela prefere manter aquilo que lhe favorece, recompensas fáceis e rápidas, economia de energia, repetição de padrões de comportamentos destrutivos – sedentarismo, má alimentação, sono ruim. E exige que nosso corpo responda às exigências dela, até o momento que nosso corpo para, ou seja, depois de vários sinais ignorados, o corpo adoece.

AUTOCONHECIMENTO: QUANTO EU SEI SOBRE MIM?!

Voltar o olhar para dentro, nas palavras de Carl G. Jung, tomar consciência e entrar em contato com nossas sombras, ou para citar mais recentemente a autora e pesquisadora Brené Brown, estadunidense famosa por sua pesquisa sobre vergonha, vulnerabilidade e liderança, é bastante desconfortável e por vezes doloroso. Geralmente, ao fazer essa pergunta a um paciente, a reação imediata é de confusão (“não sei”), ou respostas “pasteurizadas” dadas pelas redes sociais do que é aceitável pela sociedade. E a conta vem quando comportamentos e atitudes, aplaudidas pela sociedade, começam a pesar e gerar dores emocionais, alterações de humor ou até instabilidade de humor, sinalizando um transtorno mental, além de doenças físicas, como problemas cardíacos, obesidade, diabetes, entre outros, gerados pelo estresse.

Aí vem o desespero e as promessas vazias: agora vai ser diferente, vou cuidar da alimentação, vou me exercitar, vou dormir melhor, mas não sustentamos essas promessas porque elas exigem atenção, mudanças, e a recompensa não é imediata. Exercitar o corpo significa sentir dor, tédio e isto não é bem-visto. A dificuldade desse autoengano é que para não sentir a dor do exercício físico, o tédio da atividade, a evitação de alimentos que prejudicam; impomos ao nosso corpo dores que se tornam crônicas, permanentes, como tensão muscular, perda de massa óssea e massa magra (músculo), e as causadas pelas doenças, físicas e mentais.

Lembrando que enquanto perpetuamos esse descaso com o corpo, gastamos, em alguns casos, pequenas fortunas em pílulas e procedimentos que prometem sem nenhum esforço da parte do indivíduo o milagre da saúde e do corpo perfeito. Está aí o caldo do autoengano, a base do relacionamento abusivo consigo mesmo(a). E quando vem a doença, ficamos intrigadas(os), revoltadas(os) e perguntamos por que comigo?

Sem cuidar do corpo e das emoções, não há milagre. E para cuidar da nossa saúde, física e emocional, precisamos de disciplina, responsabilidade, esforço contínuo. Não há mágica. Lembrando que cuidar da saúde, física e emocional, não significa que nunca haverá doenças. Significa, sim, que estarei mais bem equipado, com recursos adequados, para lidar com ela.

QUANTAS CHANCES DESPERDICEI QUANDO O QUE EU MAIS QUERIA ERA NÃO PRECISAR PROVAR NADA PARA  NINGUÉM!

Essa música do Legião Urbana, de 1986, fala de quantas chances desperdiçamos de viver nossa vida sem precisar provar nada para ninguém. Ao fazer tudo para agradar o outro, eu estou dizendo sim para o outro, com o objetivo (geralmente inconsciente) de receber aceitação, amor e respeito. E estou dizendo “não” para mim, para minhas necessidades e vontades. Contudo, o outro lado desse comportamento é que em algum momento eu vou ter dificuldade para dizer “não” para mim.

Parece contraditório, mas veja: quando eu procrastino um trabalho ou atividade que eu sei que é importante e que vai me trazer benefícios. Quando eu consumo alimentos que eu sei que não vão fazer bem como ultraprocessados e doces, álcool ou outras substâncias, quando eu exagero na academia para descontar a raiva de mim mesma(o) ou me afundo no sofá com uma bacia de pipoca doce ou garrafa de vinho, quando permaneço num relacionamento ruim ou abusivo, e me sinto culpada(o) e fracassada(o), mas não olho para o que está por trás dessa atitude e para diminuir a dor e a culpa acabo repetindo a ação, comendo, procrastinando, exagerando, ficando na relação.

É importante olhar para nossos traumas e crenças, olhar nossa criança ferida, como dizia Carl G. Jung nos idos de 1900, e entender que quem age assim não é a minha criança ferida, já que ela ficou no passado. Quem procrastina e sente culpa e frustração, quem cria expectativas irrealistas é o meu adulto imaturo. Isto é, não se trata de comportamentos infantis, se trata de imaturidade e dificuldade de assumir responsabilidades na vida atual, de adulto. De estabelecer objetivos claros para alcançar com clareza do que estará lá quando você chegar, e o que isso significa na sua vida atual.

COMO SAIR DO AUTOENGANO E ASSUMIR O COMANDO DA MINHA VIDA?

Em 1984, Leoni e Paula Toller, da banda Kid Abelha, lançaram a música, que fez muito sucesso, “Eu quero você como eu quero”, que retrata um relacionamento abusivo, já que fala de uma pessoa tão fragilizada e carente, que não consegue se enxergar como alguém de valor e digna(o), que se sujeita ao que o outro quer, porque longe dele(a) “você é fracassada(o), desinteressante”. E essa falta de amor-próprio, de autoconhecimento, nos coloca numa situação de dependência emocional, onde a insegurança e o medo, nos faz permanecer replicando comportamentos chamativos, inapropriados para nossa vida, nossa saúde física e emocional.

A forma de lidar com isso é perceber esse vazio interno de você mesma(o), ter consciência que esse vazio existe, que sinaliza uma falta de si mesma(o). Que não são as roupas, o carro, o tamanho da casa, as viagens que me torna aceitável para ser amada. É a consciência das minhas habilidades, que tenho e não tenho, das coisas que dão sentido a minha vida.

Quando eu tenho autoconhecimento sobre quem eu sou e eu me aceito, eu desenvolvo uma habilidade fundamental que é a capacidade de colocar limites, no outro e em mim, já que tenho a clareza de por que fazer, ou não fazer, determinadas coisas. Antes de estar à disposição dos outros, você estará a sua disposição, colocando-se na própria agenda. 

E, apesar de que para algumas pessoas isso possa soar como egoísmo, não é. A jornada do autoconhecimento requer lidar com processos inconscientes, ocupar-se com dores e traumas infantis, descontruir crenças, aceitar e desenvolver autocompaixão. E isso passa por pedir ajuda especializada, a coragem de buscar psicoterapia (com psicóloga/o) para localizar e lidar com esses traumas, essas dores e desenvolver segurança, amor-próprio, autorrespeito, isto é, fortalecer sua autoestima. Então, se precisar de ajuda, peça.

Na próxima semana vamos conversar sobre o que há de mais novo no campo da saúde integrativa, os pilares da boa saúde e da longevidade. E que tem muita ligação com todos os tema já discutidos aqui. Quer conhecer? Vem comigo na próxima segunda, dia 3 de julho.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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