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Fátima Baroni Tonezer

Em época de comparações e filtros, como anda sua relação entre corpo, autoimagem e saúde?

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Estamos vivendo, atualmente, um período de conflitos. Calma, não vamos falar sobre guerras e política, longe disso. O conflito a que me refiro é sobre imagem corporal, obesidade e saúde – física e mental.

De certa forma, a aparência física sempre foi associada à beleza e ao sucesso. Quando olhamos os períodos de nossa história – Idade Média, Renascimento – vemos que em cada uma havia um corpo ideal. E é interessante perceber que na contramão da evolução, quanto mais comida tínhamos disponível, mais magros os corpos deveriam ser. Atualmente, associa-se magreza à saúde.

Nada mais longe da verdade. Corpo magro não é sinônimo de saúde, assim como corpo gordo não é sinal de doença. Até porque temos verdadeiras “bombas relógios” desfilando por aí em corpos magros, com alterações metabólicas, diabetes, hipertensão, hipertireoidismo, transtornos alimentares. A lista é grande. E a desinformação perigosa.

A confusão hoje vem da mídia que atende interesses escusos de indústrias multimilionárias de todos os tipos de produtos para atingir um corpo padrão midiático, desde procedimentos estéticos, cirurgias, cremes até pílulas que secam gorduras e dietas milagrosas. Tudo vendido como se fosse fácil, simples e mágico, feito sob medida para sua rotina e sonhos. E que promete a felicidade associada a um corpo perfeito.

O QUE ESTÁ POR DETRÁS DESSA BUSCA INSANA PARA ALCANÇAR ESSE PADRÃO? QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS?

Para a maioria das pessoas, viver no terrível “efeito sanfona”, o eterno emagrece-engorda, que, além de acabar com as finanças e a saúde, abala de forma profunda a autoestima. Para algumas pessoas as consequências vão além das já listadas, alterando o metabolismo e levando ao desenvolvimento de problemas variados, incluindo os transtornos alimentares.

E conviver com um transtorno alimentar, além de subdiagnosticado, pois estes ainda não estão na pauta em vários tipos de consultas, tem uma dificuldade extra, isto é, eu posso viver sem álcool ou cigarro, mas não sobrevivo sem comida.

Lembra que no artigo da semana passada, (dia 10/04) (clique aqui e leia), falei que antes de, e para, emagrecer é necessário estar em paz com seu corpo e com sua imagem, é preciso reorganizar sua relação com a comida e com as demandas da vida. A grande sacada não é o que você come. É como você come. É perceber se você come por fome fisiológica ou por outros fatores. Comer sem fome, porque está triste ou cansada, ou além da quantidade necessária, comer rápido, enquanto faz outra coisa ao mesmo tempo ou beliscar entre as refeições ou pular refeições… a lista é grande e mostra o que nos leva a engordar, isto é, nosso comportamento alimentar aliado à desconexão com nosso corpo e emoções.

PARA RESPEITAR NOSSO CORPO E CUIDAR DE NOSSA SAÚDE É PRECISO APRENDER A COMER MELHOR

E ao comer melhor, comemos menos. Incrível. Parece mentira, mas é verdade comprovada cientificamente. Nosso cérebro levou centenas de anos encontrando meios de manter nossa sobrevivência. Depois de uma dieta restritiva, dessas que se reproduzem na velocidade da luz nas redes sociais, com eliminação rápida de peso, o que acontece com o corpo é que junto com a gordura ocorre a perda de massa muscular (massa magra). E 95% das pessoas voltam a engordar a médio e longo prazo. Só que a diferença nesse ganho de peso é que será somente gordura. Para ganhar e manter massa magra (músculo) é necessária uma alimentação equilibrada associada a exercício físico regular, sem exageros ou restrições.

Vivemos uma busca desenfreada pela magreza, padrão vendido pela mídia e cobrada pela sociedade e não entendemos as consequências desse padrão para a nossa saúde física e mental. Pesquisadores da obesidade, como a doutora Sophie Deram, especialista em neurociência do comportamento alimentar, alertam sobre os perigos das dietas e como elas pioram nossa relação com a comida.

Temos muitos hábitos e comportamentos que o caminho natural para abandonar é deixar de fazer e afastar-se dos lugares que promovem e facilitam o acesso. Um exemplo clássico é a bebida alcoólica. E nosso organismo vive muito bem sem a ingestão de álcool. Porém, quando o assunto é comida, não tem como deixar de comer. O alimento é essencial para a nossa sobrevivência. Isto nos leva à situação de termos que mudar nossa relação com o alimento sem deixar de ingeri-lo. Na prática essa mudança pede para me afastar do que me faz mal (o excesso) sem deixar de consumir.

ISTO É POSSIVEL AO ESTABELECER UMA NOVA RELAÇÃO COM A COMIDA. FÁCIL DE FALAR, DIFÍCIL DE FAZER!

Até pouco tempo atrás, só tínhamos como única forma de conseguir isso fazendo dieta. Dieta é o modo de resolver o excesso de peso. E por dieta aqui no Brasil entendemos restrição alimentar. Temos muitas situações em que a dieta será essencial, como nos casos de intolerância a algum nutriente, à lactose, por exemplo, em que a pessoa terá que aprender a viver sem e fazer as substituições cabíveis para evitar o mal-estar e o desconforto causado pelo alimento, ou pacientes em tratamento de certas doenças. Mas quando o objetivo é emagrecimento, já está fartamente documentado há mais de 100 anos que dietas restritivas não resolvem, muito pelo contrário, ao longo do tempo, engordam.

No final de 2022 havia um meme nas redes sociais, em que a pessoa dizia que dos três quilos que precisava perder em janeiro, só faltavam nove. Uma piada que dá o tom da seriedade da conversa.

Para muito além do aspecto estético, o sobrepeso, contudo, é um alerta de saúde. Um sinal para rever hábitos e comportamentos que podem nos levar ao desenvolvimento de doenças incapacitantes. O que diferencia sobrepeso de obesidade é a quantidade de gordura corporal acumulada. Quanto maior a quantidade, maior a gravidade.

A obesidade é uma doença. E do mesmo modo que a busca de um corpo ideal padrão causa problemas de saúde, a obesidade é a porta de entrada para várias doenças que podem incapacitar e até levar à morte. A obesidade hoje é assunto de saúde pública global, considerada uma epidemia e tendo vários fatores associados.

A facilidade de acesso à comida, a qualidade nutricional dos alimentos com a moda dos congelados, fast food, junk food, industrialização com o advento das essências que dão cor e sabor ultra palatável ao alimento, junto com a oferta abundante, gera outro problema. Isto nos leva à obesidade como problema comportamental, ou seja, comer hoje saiu da esfera da nutrição para se tornar recompensa. E muitos são os motivos que nos levam a comer: fome, ansiedade, medo, tédio, cansaço, tristeza, alegria.

Num mundo líquido, como diz Zygmunt Bauman, sociólogo e filosofo polonês, buscamos recompensas rápidas, prazer imediato. E a comida se presta muito bem a esse papel, o comer emocional. A grande questão é que depois de comer exageradamente vem a culpa e a ansiedade, que nos atira no jogo infinito da repetição.

Uma maneira de quebrar esse círculo vicioso é buscar uma vida saudável. E viver uma vida saudável é relativamente simples. Resgatar o jeito de comer de nossos avós, o respeito ao sentar-se à mesa, comer saboreando o que estava no prato, sem pressa e sem gula. Hoje a relação com a comida se transformou em tormento.

O Guia Alimentar para a População Brasileira (do Ministério da Saúde do Brasil) é um excelente guia para nos orientar nesse resgate do prazer e da saúde à mesa. Comida fresca e de preparação caseira, aproveitando frutas, legumes e verduras da estação, mais baratas e saborosas.

Os pratos que compõem a mesa brasileira suprem a maior parte das necessidades nutricionais do nosso corpo. É possível parar de contar calorias, classificar alimentos em bons ou ruins, e saborear nossos pratos típicos brasileiros.

E para facilitar a caminhada nessa jornada da vida saudável, precisamos fazer uma parada num assunto delicado. Se ficou interessada(o), na próxima semana vamos conversar sobre transtornos alimentares, os mais comuns, como acontece e limitam a vida dos portadores. 

Até a próxima…

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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