Fale com a gente

Fátima Baroni Tonezer

Ortorexia nervosa, psicológica, ortosonia… Vamos falar da obsessão pela perfeição!

Publicado

em

O contexto em que estamos inseridas(os), nossa sociedade e cultura, nos cobra o tempo todo a perfeição, a inovação, o estar a par de tudo que acontece no mundo. Isto exige de cada um de nós atender determinados padrões, por exemplo: padrão estético, com o corpo magro, malhado, no “shape”, mesmo que esse padrão seja volátil e mude constantemente.

Junto à imagem corporal vem a moda, estar “antenada” com as últimas novidades da moda, a roupa certa para causar a impressão mais adequada. Se você é pai ou mãe, principalmente mãe, precisa ser perfeita, estar presente, brincar, cozinhar e viver disponível para os filhos, já que não podemos traumatizá-los. Estar disponível para atender as demandas dos filhos, esquecendo as suas necessidades.

E paralelo a tudo isso vem a vida profissional, onde estar conectada às últimas novidades, saber falar de tudo com propriedade, estudar sempre, acumulando certificados e diplomas, ter uma carreira brilhante e meteórica, acumulando promoções e prêmios, ou seja, para ser respeitado(a), amado(a) e citado(a) você precisa ter a alimentação perfeita, fazer exercícios físicos com constância e por tempos extensos, horas e horas de treino em academia, pedal… e ainda ter uma família de propaganda de margarina, feliz e linda, sem traumas… estudar continuamente e chegar ao topo da carreira, com um super salário, é imperativo para o sucesso. Ah! Sim… sem descuidar da vida afetiva e social.

UFA!!! EXAUSTIVO E INALCANCÁVEL.

Apesar de não estar oficialmente descrita no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) nem no Código Internacional de Doenças (CDI-11), estou falando de um transtorno, que inclusive já ganhou novos desdobramentos, a ortorexia. Vou começar falando da ortorexia nervosa.

Para contextualizar, ortorexia nervosa (ON) é o termo cunhado para descrever o comportamento obsessivo patológico caracterizado pela fixação em saúde alimentar. Os principais sintomas desse comportamento é a recusa em consumir alimentos com conservantes, corantes ou algum tipo de condimento artificial, evitar toda possibilidade de ingerir alimentos geneticamente modificados ou com pesticidas, excluir sal, açúcar e gorduras da alimentação, obsessão por rótulos e a recusa de qualquer alimento fora da sua dieta.

Esse comportamento começou a ser descrito em 1997. O termo foi criado por Steven Bratman, médico estadunidense que sugeriu essa condição como um novo comportamento alimentar transtornado. Bratman descreveu a ortorexia nervosa como uma fixação pela saúde alimentar caracterizada por uma obsessão doentia com o alimento biologicamente puro, acarretando restrições alimentares significativas.

Na verdade, trata-se de pessoas com escolhas alimentares acompanhadas por uma preocupação exagerada com a qualidade dos alimentos, a pureza da dieta – livre de herbicidas, pesticidas ou qualquer substância artificial; e o uso exclusivo de “alimentos politicamente corretos e saudáveis”. Inclusive com regras para colheita, preparo e tempo de cozimento, que inclui o cuidado com os utensílios utilizados na preparação.

Os objetivos do comportamento ortoréxico é ingerir alimentos que contribuam para o bom funcionamento do organismo e libertem o corpo e a mente de impurezas, a fim de alcançar um corpo saudável e maior qualidade de vida. Pessoas com esse comportamento demonstram desprezo por todos os que não seguem os mesmos “padrões elevados” de alimentação. Atitudes essas que levam ao isolamento, solidão, evitação de comer em companhia para não ter contato com alimentos contaminados ou por tentar esclarecer e atrair os demais para a sua condição.

Esses comportamentos os levam a tornar-se seletivos em relação aos alimentos e à vida como um todo. Isto porque não saem mais para jantar em família ou para o happy hour com os amigos. E se o fazem levam a própria marmita e tentam catequizar, criticando quem age diferente dele. Com o tempo, dedicam-se cada vez mais a planejar, plantar, comprar e preparar os alimentos que vão consumir, isolando-se e colocando em risco a própria saúde. Estes riscos aparecem por conta da seletividade e restrições que podem levar à carência nutricional severa.

ORTOREXIA NERVOSA E TRANSTORNOS ALIMENTARES: OS COMPORTAMENTOS SÃO IGUAIS?

A ortorexia nervosa e os transtornos alimentares (TA) apresentam algumas semelhanças e diferenças. As semelhanças nos comportamentos é que tanto os ortoréxicos como os portadores de alguns dos TA manifestam sentimentos, crenças e comportamentos em relação aos alimentos que podem ser considerados obsessivos, extremistas e restritivos. Posso exemplificar citando alguns: ansiedade, controle e seguir regras rígidas, tendência ao perfeccionismo transferido ao ato de comer.

Tanto os TA como a ON parecem ser influenciadas pela pressão social. Na primeira, os TA, os padrões estéticos de beleza e na outra a busca pela vida saudável, com foco no biológico somente. A maior diferença entre esses comportamentos é que enquanto nos TA, principalmente na anorexia e na bulimia, a busca é pelo emagrecimento, com perda significativa de peso, na ON a orientação é alcançar a dieta saudável perfeita.

NA ORTOREXIA NÃO HÁ A PREOCUPAÇÃO COM O CORPO, SEJA NA SUA FORMA OU TAMANHO. NÃO HÁ A BUSCA DO EMAGRECIMENTO.

A caminhada pelos TA é solitária; não há busca de apoio e parcerias com grupos. Já na ON existe a procura e formação de grupos com a mesma ideologia. Enquanto o anoréxico ou o bulímico ou quem sofre com a TCA se calam e tentam passar desapercebidos dos outros na sua busca e restrição, o ortoréxico quer catequizar e forçar os demais a agirem e acreditarem naquilo que ele crê. E quando isso não acontece, já que esse comportamento gera conflitos e dificuldades de relacionamento, se afasta, vivendo o isolamento social, na sua busca por uma condição alimentar perfeita.

ORTOREXIA PSICOLÓGICA: O PERIGO DA BUSCA CONSTANTE PELA MELHOR VERSÃO DE SI

Na esteira da ON, uma psicoterapeuta de Londres, Seerut Chawla, cunhou um equivalente, a ortorexia psicológica (OP). Há alguns anos neste século XXI, criou-se a obsessão moderna pelo autoaperfeiçoamento. Ser produtivo no trabalho, ter um relacionamento afetivo feliz, praticar exercícios diariamente, aprender um novo idioma fluentemente, ler um ou dois livros por mês, aprender a meditar, fazer investimentos, terapia, dormir oito horas diárias, manter uma alimentação saudável, viajar, ter uma família feliz e linda… E tudo isso, se você for mulher, de unha feita, cabelo impecável, maquiada e emocionalmente estável. Essa busca incessante pela nossa melhor versão inclui partes nossas que nem sabíamos que precisávamos atualizar.

A grande questão dessa busca desenfreada é que ao invés de nos tornar melhores, traz uma sensação de insatisfação, frustração, levando à competição social. As redes sociais facilitaram e amplificaram essa competição ao estimular as comparações em tempo real.

De maneira nova, a sociedade nos vende a ideia de que “eu sou totalmente responsável pelo meu destino”, posso ser qualquer coisa que queira, já que tenho o controle da minha vida. E no fundo sabemos que não é bem isso. Vivemos em sociedade, temos limites impostos pela mesma sociedade, de convivência social, pela natureza, como o dia e a noite, e ainda precisamos respeitar nossos limites fisiológicos, necessidade nutricionais, de sono.

A OP está afetando nossa saúde mental, nos fazendo acreditar que posso tudo, e quando não alcanço, a responsabilidade pelo fracasso é todo meu. Não temos controle do que ocorre fora do nosso corpo e mente.

E falar da OP nos leva ao mais recente transtorno, também ainda não catalogado: a ortosonia. Recentemente, a neurociência e o advento de equipamentos que monitoram atividades físicas e o sono e a maior divulgação de pesquisas científicas despertaram o interesse no nosso sono. Por muitos anos ele foi descuidado, já que em tempos de industrialização e crescimento no mercado, dormir era perder tempo.

Quem já não falou ou ouviu a pior frase “trabalhe enquanto eles dormem”. Talvez você conheça alguém que se sinta importante porque dorme só quatro horas por noite e é totalmente produtivo. A falta de sono, em termos quantitativo e qualitativo, causa sérios problemas na saúde humana. Mas não é nosso objetivo hoje. Falaremos disso em outra oportunidade.

A ortosonia vem na contramão de tudo o que já se estudou sobre o sono, uma vez que a busca pela noite de sono perfeita vem provocando insônia em muita gente. A obsessão pelo sono perfeito traz como consequência uma preocupação que gera ansiedade e estresse, que prejudica a qualidade do sono e do descanso.

Este comportamento foi percebido por cientistas estadunidenses que realizaram estudos de caso com pessoas que monitoravam o próprio sono, com uso de aplicativos e ferramentas que permitem controlar a duração e qualidade do sono. A descoberta foi publicada na Revista de Medicina Clínica do Sono, a publicação oficial da Academia Americana de Medicina do Sono.

AFINAL, DÁ PARA TER UMA ALIMENTAÇÃO PERFEITA? SER SUA MELHOR VERSÃO CONTÍNUA? E DORMIR PROFUNDAMENTE TODOS OS DIAS?

Durante as últimas semanas venho conversando sobre a nossa relação com a comida, com os alimentos e as necessidades fisiológicas e psicológicas associadas ao comer. A depender do viés escolhido para trilhar, vamos encontrar alguns pontos coerentes e lógicos, mas que não fecham a discussão. A alimentação saudável é uma discussão que engloba aspectos culturais, sociais, econômicos, nutricionais, psicológicos, ambientais, religiosos e tecnológicos. O que nos leva à reflexão simples de que o que é bom para viver numa região de temperaturas baixas, com pouca possibilidade de exposição ao sol, não é adequado para nós, que moramos num país tropical, ensolarado por natureza. Isto para levantar um ponto de questionamento.

ALIMENTAÇÃO É MAIS QUE A INGESTÃO DE NUTRIENTES. É PRAZER, É RELACIONAMENTO…

É uma combinação de nutrientes, modo de preparo (gastronomia), dimensões culturais e sociais, aspectos psicológicos, emocionais e religiosos. E o conjunto de todos esses aspectos influenciam a saúde e o bem-estar do comensal. Daí a importância de fazer as pazes com a comida, com o corpo, com a sua história de vida.

Ao perceber alguns desses sinais, em si ou em alguém próximo, buscar ajuda profissional, médica e psicológica, habilitada para lidar com os sintomas e sinais do transtorno, é fundamental.

Os transtornos alimentares e o comer emocional podem acarretar sérios problemas de saúde, física e mental, provocando sofrimentos e doenças graves. Para mais conhecimento e caminhos possíveis, continue comigo nessa jornada da descoberta de nosso mundo, interno e externo.

Hoje comecei a conversar sobre um assunto que tem repercussões enormes em nossa saúde, física e mental. Um assunto que é recorrente nas conversas atuais. Estou falando de sono, insônia, hipersonia, remédios para dormir… Enfim, um tema que rende horas de conversa, que, inclusive, tem um dia internacional dedicado a ele: 17 de março. Se você tem interesse nele, fique alerta que na próxima segunda-feira, 8 de maio, vamos bater um papo sobre o que tem de novidade nas pesquisas e dicas bem atuais de como colocar qualidade na quantidade de sono. Você pode participar da coluna enviando suas dúvidas e perguntas.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

Copyright © 2017 O Presente