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Fátima Baroni Tonezer

Quanto mais intenso o vínculo de amor, maior é a dor da perda!

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Lidar com a perda de um ente querido é uma situação muito difícil, dolorosa. Nas minhas pesquisas para a monografia da especialização em Psico-oncologia, com o tema “A morte e o morrer”, percebi a dificuldade que “fica” para quem fica. Por mais que tenhamos noção da finitude, nossa e do outro, a perda sempre nos surpreende e abala. E vem muitas emoções, os questionamentos, as culpas, as lembranças do que foi e a saudade que permanece latejando.

VAMOS FALAR SOBRE PERDER?

Falar sobre perdas é bem complicado, porque vivemos num mundo onde somos incentivados a ganhar sempre, a perseguir a felicidade. E pessoas felizes ganham sempre. Encarar uma perda é visto como fracasso pessoal e infelicidade. Perdemos muito tempo fazendo escolhas ruins de como preencher nosso tempo. E o tempo passa e não volta, e temos que lidar com as consequências de nossas escolhas e decisões para alcançar algo que disseram que era importante. Tenho falado disso nos meus artigos. E nessa busca desenfreada pela felicidade e validação social corremos o risco, diariamente, de perder o contato, perder de vista pessoas e afetos importantes para nossa vida.

E quando a perda de um ente querido acontece, o que mais dói é olhar para trás, para o tempo em que a pessoa esteve ali e não nos demos conta da importância dela. Que por coisas, que na época pareciam absurdas, mas agora parecem tão bobas, nos afastamos. No momento da morte de uma pessoa querida começa o luto.

LUTO É O TEMPO QUE COMEÇA NO DIA DA PERDA PARA A PESSOA QUE FICA!

E tem várias maneiras de viver o luto, já que isso é algo muito pessoal, sem receita, apesar das pessoas ao redor cobrarem comportamentos de como a pessoa enlutada deve agir e por quanto tempo. É um tempo para enfrentar o luto mediante as expectativas do mundo e, ao mesmo tempo, o que é individual, de cada um no processo.

Quando a morte acontece após um período de doença, isto é, o período entre o diagnóstico, tratamento, a expectativa de cura, e isto não acontece, chamamos de luto antecipatório. Que é o tempo em que a pessoa sabe que a morte pode acontecer, mas ainda não ocorreu. Esse tempo pode ser ocupado de muitas maneiras, com a expectativa de cura e negação da possibilidade de morte, com a repetição de falas como “não quero nem pensar nisso”, “vai dar tudo certo”, “não fala isso, atrai coisa ruim”. Evitamos pensar que pode dar errado, isto é, que a cura pode não vir. Que, aliás, é uma possibilidade, não um erro. Morrer não é um erro, muito menos um fracasso de quem se foi.

Quando você se permite a possibilidade de pensar na perda, tem a oportunidade de experimentar o vínculo de amor entre duas pessoas, que é o vínculo mais profundo. E ganha a possibilidade de ressignificar a convivência. Ao me dar conta de que posso perder, posso rever muitas atitudes e comportamentos, me tornando mais paciente, menos exigente, aproveitando todos os momentos, criar memórias para lembrar depois. Não desperdiçar tempo com coisas superficiais. E, às vezes, a morte vem sem dar aviso prévio. Vem de supetão, subitamente, sem tempo de preparo para quem vai (e dizem que sem sofrimento também) e para quem vai ficar.

Tem pessoa que, por medo do sofrimento, diz que prefere morrer assim, do nada. Morrer dormindo. Nós evitamos olhar nossa finitude, seja na doença, seja no envelhecimento. Não queremos o sofrimento que olhar para nossa vida e nossas escolhas trazem. Ou no adoecimento não olhar para a dependência, a dor, o abandono, a frustração, tanto ao olhar que não haverá mais tempo para fazer coisas que sonhava, que economizou para atender expectativas da sociedade ou do outro, como o medo de depender dos outros, de incomodar, não  ser atendido e entendido nas suas necessidades. Essa negação de olhar essa possibilidade traz o sofrimento, o mesmo sofrimento que não queremos sentir.

O LUTO É UM PROCESSO QUE TRAZ A OPORTUNIDADE DE UMA GRANDE TRANSFORMAÇÃO!

Quando uma pessoa querida fecha os olhos para a eternidade, se fecha a janela de se enxergar dentro desses olhos. Mas isso não acaba com o fato de que a pessoa (você) continua existindo. O tempo do luto é um tempo necessário para que nos reconheçamos novamente. Lembrar do afeto do outro para com você, lembrar de quem você era para esse outro e tornar-se essa pessoa sem a necessidade de que ela esteja na sua frente dizendo quem você é.

E QUEM SOU EU?

Essa é uma pergunta muito difícil de fazer para si mesma(o) e exige coragem para perguntar ao outro. Mas é importante ter essa chance de ouvir do outro o que você é e representa para ele(a). No processo de luto você terá a chance de se reconstruir, se transformar.

Viver o luto é como atravessar um deserto. Para sair de lá, você precisa caminhar, escavar e se reencontrar. Para sair do deserto você vai se reencontrar pela fala, pelo coração da pessoa que morreu. E aí começa uma nova vida, onde a pessoa que foi estará junto com você, na reconstrução de um vínculo, desta vez, simbólico.

O vínculo concreto que existia antes agora é substituído pelo simbólico, que se dá através da consciência de que o outro (morto) está ocupando o seu espaço dentro de nós. E assim, quando você viver alguma experiência importante, você pode pensar “nossa, fulano(a) ia adorar estar aqui” ou ainda “o que fulano(a) diria nessa situação?”. E isso é possível porque você absorveu e acolheu tudo o que o outro te ensinou.

O PROCESSO DE LUTO SAUDÁVEL INCLUI TRISTEZA!

A nossa sociedade não permite a tristeza. Você perde alguém – pai, mãe, filho, marido/esposa – e a sociedade não permite que você fique triste. Cobra que você tem que reagir. E nessa cobrança muita besteira é dita. Na intenção de ajudar, algumas pessoas se superam em causar decepção. Isto porque não podemos conversar sobre a perda. Estar ao lado de uma pessoa enlutada é difícil. É ter consciência de que não tem como substituir a pessoa, é preciso coragem para estar ali sem querer consertar nada. As vezes fazer uma sopa, passar rapidinho para dar um abraço, oferecer um ombro e um ouvido, ajudar com uma tarefa corriqueira como fazer compras no mercado.

É ouvir o choro e as recordações sem a intenção ou a pressão de você ter a resposta pronta que vai extinguir a dor. É acolhimento. É manter-se disponível durante o primeiro ano, enquanto a pessoa passa por todas as datas importantes sem a presença do outro.

Se você está vivendo seu processo de luto, independente do tempo, uma semana ou há cinco anos, crie rituais para enfrentar as datas mais difíceis, como, por exemplo, fazer a comida preferida da pessoa no dia do aniversário dela, visitando os lugares que ela gostava. Evite ir ao cemitério nestes dias. Rememore as datas e ritualize, faça uma pequena comemoração para si e para ela, simbolicamente. Nesse ritual que você cria para passar por aquele dia, você se fortalece e reencontra sua própria força.

Não é castigo perder uma pessoa amada. São ciclos da natureza. Não tem tempo para parar de recordar uma pessoa. O bom e o ruim, as dificuldades e a diversão. Tudo é sua experiência com aquela pessoa, o choro e o riso. Mas tão difícil quanto lidar com a perda de uma pessoa importante que deixou de existir, é complicado lidar com as perdas que ocorrem com todos(as) nós durante a jornada da vida.

Você sabe encerrar ciclos? Quantas dúvidas, mágoas, culpas e ressentimentos você carrega sem perceber? Vamos conversar sobre encerrar ciclos?

Não perca a coluna da próxima segunda-feira, 12 de junho. E me acompanhe nas redes sociais.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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