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Fátima Baroni Tonezer

Tudo o que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda! Dilemas do século XXI – desejos e consequências

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Em 1976, o cantor brasileiro Roberto Carlos já repetia essa estrofe numa música com o mesmo nome, e reclamava que já não sabia o que fazer. Hoje vivemos uma época diferente daquela do século XX, quando essa música fazia sucesso. E em nenhuma outra época da história da civilização humana tivemos tantas informações e nunca foi tão fácil acessá-las. Mas em nenhum outro período sofremos tanto com sobrepeso e obesidade e todas as mazelas e comorbidades causadas pelo excesso de gordura em nossos corpos. Temos muito alimento disponível, mas não podemos comer sem pagar o preço da obesidade e das doenças.

Há mais de 35 anos nenhum país do globo terrestre consegue fazer alguma coisa para diminuir a obesidade. E o que é obesidade? É um distúrbio que envolve excesso de gordura corporal, aumentando o risco de problemas de saúde. Assim, há uma maior propensão para desenvolver doenças como pressão alta (hipertensão), diabetes, dificuldades respiratórias, problemas nas articulações, pedras na vesícula e câncer.

Meu convite hoje é para conversarmos sobre peso (adequado), sobrepeso, obesidade e o tão sonhado e vendido “peso ideal”. Isto porque vivemos em uma época que recebemos informações e cobranças diárias sobre nossa aparência, forma do corpo, produtividade e muito mais. E essa ditadura, que vemos todos os dias desfilando em nossas redes sociais, está interferindo em nossa autoestima e modo como nos relacionamos com o mundo e conosco mesmos.

Atualmente, em praticamente todas as rodas de conversas, presencial ou virtual, o tema dieta ou procedimento estético é obrigatório e aparece ou domina a conversa, inclusive neste momento invadindo o universo masculino e infantil. E há sempre a última dieta poderosa, que promete resultados sem nenhum esforço ou mudança na rotina, que cabe perfeitamente no seu dia a dia.

ALIÁS, PERFEIÇÃO É A BUSCA INCESSANTE DO SER HUMANO NO SÉCULO XXI.

Ter um corpo magro passa longe de saúde, e não tem nada a ver com dieta e malhação, uma vez que fazer dietas modifica o comportamento alimentar da pessoa. Não é só uma questão de foco e força de vontade. Dietas modificam o comportamento alimentar e aumentam a fome e o fim disso é o efeito sanfona. Pesquisas ao redor do mundo mostram de 95% das pessoas que fazem dietas para emagrecer fracassam. Há relatos desse fracasso há mais ou menos 100 anos comprovando que dieta não funciona. E em tempo, segundo a Dra. Sophie Deram, nutricionista e pesquisadora do comportamento alimentar da Universidade de São Paulo (USP), os 5% restantes não obtêm sucesso na dieta e desenvolvem algum tipo de transtorno alimentar.

O objetivo desta conversa não é romantizar a obesidade, que é uma doença crônica, porta de entrada para diversas outras doenças, que inclusive levam à morte, como problemas cardiorrespiratórios e câncer, mas trazer um pouco de luz e argumentos para um diálogo necessário.

A obesidade tornou-se um problema de saúde global com o aumento da disponibilidade de comida e com a industrialização dos alimentos. Nossa vida comporta tantos afazeres que comer e dormir são encarados como perda de tempo ou recompensa. Sim, ainda há pessoas que sofrem com a fome, mas esses bolsões são cada vez menores quando comparados com o excesso de oferta de alimentos hiper palatáveis e ultra processados.

Comer faz parte da sobrevivência humana. Há uma parte no cérebro responsável pelo apetite, o hipocampo, que através de uma leitura da disponibilidade de nutrientes e energia no corpo determina a hora de comer, para resumir de forma bem sintética o que ocorre. A fome tem a função de sobrevivência, já que provê o corpo de nutrientes e energia. Mas comer também tem a função de prazer. Este é um fator muito importante que atua na escolha do alimento que vamos ingerir. O prazer proporcionado pela comida está fortemente associado ao comportamento alimentar. De forma suscinta, outras áreas específicas de nosso cérebro, conhecidas como áreas de recompensa, controlam o comer pelo prazer. E apesar de distintas das áreas que controlam a fome e a saciedade, agem em conjunto, demostrando certa dependência entre si na relação.

O objetivo de colocar esta informação aqui é demonstrar que quando o assunto é “comida”, foco e força de vontade, fechar a boca e malhar não são respostas aceitáveis. Isto porque nosso cérebro, ao perceber a falta de nutrientes essenciais às funções do corpo, vai nos “lembrar” do alimento e aumentar nossa fome. Lembrando: a função básica do cérebro é a nossa sobrevivência. Ele não entende nada de padrão estético, de bonito ou feio, ele vai fazer o necessário para nos deixar vivos, de preferência com o menor gasto energético possível.

E neste ponto podemos falar de comportamento alimentar. Desde crianças fomos “treinados” a associar comida com recompensa e prazer. Frases do tipo “se você limpar o prato vai ganhar isso…” ou “se você se comportar no médico depois vamos tomar sorvete”… e por aí vão as associações entre dever e recompensa, que modelam nosso comportamento de forma inconsciente.

E ISTO NO LEVA AO COMER EMOCIONAL. O COMER EMOCIONAL ACONTECE QUANDO CONFUNDIMOS NOSSAS SENSAÇÕES E SENTIMENTOS.

Já não identificamos fome, aquela sensação de vazio no estômago acompanhada de roncos característicos, fraqueza, tontura, dor de cabeça, irritabilidade. E a qualquer desconforto abrimos a geladeira ou chamamos o ‘I Food’. Você já passou por isso: “tô cansada… vou comer”; “tô triste… vou comer”, “tô feliz… vamos sair para jantar fora”. A pessoa associa estados emocionais com comer e perde o entendimento e a sensação de fome, a fome física ou fisiológica. Não sabe mais se é fome ou vontade de comer, se é fome ou tristeza ou cansaço ou frustração. Aí cabe a famosa frase:

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?

Saiba que é possível se reconectar com seu corpo e suas emoções. Fazer as pazes com a comida é um passo essencial, de autocuidado. Comece percebendo a diferença entre as fomes que você está sentindo. A fome física pede comida, qualquer uma, para nutrir o corpo. Se não for fome fisiológica, com as sensações físicas descritas acima, pergunte-se “eu tenho fome de quê?” O que estou precisando para preencher esse vazio que estou sentindo. Até porque depois do comer emocional, que proporciona um alívio imediato e de curta duração, vem a culpa e as críticas internas.

Se estou sempre buscando um doce, um chocolate, uma guloseima, uma pizza, o que meu cérebro está alertando? Nosso cérebro e nosso corpo nos sinalizam o tempo todo, ansiedade, depressão, algum problema metabólico, tristeza, cansaço, estresse… Antes de, e para, emagrecer é necessário estar em paz com seu corpo e com sua imagem, é preciso reorganizar sua relação com a comida e com as demandas da vida, reconfigurar a sua relação com a comida, sua história familiar com o comer.

Quer entender mais sobre essa relação, e os caminhos possíveis? Se fazer dieta não é o caminho, qual é? Quero te ajudar a perceber que você não é um(a) fracassada(o) ou que não tem força de vontade. É muito maior que isso. Me acompanha aqui e nas minhas redes sociais. Vamos conversar sobre sua relação com a comida e com sua imagem na próxima semana. Você pode participar da coluna enviando suas dúvidas e perguntas.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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